Na semana passada, desvendamos alguns mitos a respeito da tecnologia de milho Bt (se você perdeu, confira aqui). Infelizmente, muitas pragas já apresentam resistência às toxinas do Bt, devido à pressão de seleção e uso incorreto da tecnologia, sem seguir os preceitos do Manejo da Resistência de Insetos (MRI). A principal estratégia recomendada para preservar a eficiência da tecnologia Bt e evitar a seleção de lagartas resistentes é a semeadura de áreas de refúgio.

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O que é e como funciona a área de refúgio? 

Essa medida consiste na semeadura de híbridos convencionais (ou seja, não-Bt) em uma proporção correspondente a 10% da área cultivada com milho Bt, sendo que o porte e ciclo vegetativo de ambos os híbridos devem ser similares ou, de preferência, isogênicos. A área de refúgio atua preservando lagartas suscetíveis às toxinas do Bt, para cruzar com possíveis adultos sobreviventes na área de milho transgênico. Dessa forma, a seleção de raças resistentes pode ser retardada ou, até mesmo, evitada por completo.

Para que esse cruzamento entre indivíduos suscetíveis e resistentes ocorra, a área de refúgio não pode estar localizada a mais de 800 m de distância das plantas de milho Bt, já que essa é a distância máxima de dispersão dos adultos da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda). Para glebas com dimensões maiores, devem ser utilizadas faixas de refúgio internas. A proximidade entre os cultivos Bt e não-Bt é crucial para evitar o cruzamento entre dois indivíduos resistentes, que poderia resultar no surgimento de uma raça resistente pura (homozigota).

Figura 1. A adoção das áreas de refúgio mantém a característica de suscetibilidade ao Bt nas populações de lagartas.

Fonte: Bernardi et al. (2016)

Quem é responsável por executar a área de refúgio?

Ao abrir uma embalagem de sementes de milho Bt, o produtor assume a responsabilidade de seguir as normas do Manejo da Resistência de Insetos, incluindo a execução da área de refúgio. Geralmente, há um contrato para tal fim anexado junto à embalagem, além de um guia de produtos e práticas recomendadas pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Portanto, o produtor é o agente responsável por aplicar corretamente essas regras, visando manter por mais tempo os benefícios que essa tecnologia traz ao seu sistema de produção.

Pode ser realizado o controle de lagartas na área de refúgio?

Sim. Segundo as recomendações da CTNBio, é permitida a utilização de outros métodos de controle na área de refúgio, incluindo inseticidas, desde que não sejam bioinseticidas à base de Bt. Entretanto, como o objetivo do refúgio é preservar parte da população de lagartas suscetíveis, não é recomendado o uso exacerbado de inseticidas nessas áreas. Mas se considerarmos que é muito difícil obter-se uma taxa de controle de 100% com os inseticidas disponíveis atualmente no mercado, o equilíbrio natural das lagartas tende a ser mantido.

Figura 2. Opções de planejamento para áreas de refúgio.

Fonte: Bernardi et al. (2016)

Quais os riscos de não se utilizar a área de refúgio?

O principal risco é a rápida seleção de biótipos de lagartas resistentes às toxinas do Bt. No caso da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), como a sua capacidade de dispersão não é tão alta (no máximo 800 m), o produtor que não realizar corretamente o manejo da resistência será a primeira vítima da quebra de eficiência da tecnologia Bt, não obtendo mais o controle desejado da praga.

Embora as principais espécies de lagartas controladas pelas toxinas do Bt sejam polífagas (alimentam-se de vários grupos de plantas) e multivoltinas (produzem várias gerações por ano), quando submetidas a uma grande área cultivada com uma única cultura, acabam em uma situação de monofagia funcional, por não terem outra fonte de alimento ao seu alcance. Assim, os refúgios naturais que poderiam reduzir a pressão de seleção de biótipos resistentes tornam-se pouco eficazes. Portanto, a semeadura de áreas de refúgio é essencial para garantir a durabilidade da tecnologia Bt.

Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.

Referências:

BERNARDI, O. et al. MANEJO DA RESISTÊNCIA DE INSETOS A PLANTAS Bt. PROMIP: Manejo Integrado de Pragas, 2016. Disponível em: < http://www.aenda.org.br/wp-content/uploads/2020/04/anexo-cir1274-manual_promip_manejo-da-resistencia-de-insetos-a-plantas.pdf >

CRUZ, I.; VIANA, P. A.; LAU, D.; BIANCO, R. Manejo Integrado de Pragas do Milho. In: CRUS, J. C.; MAGALHÃES, P. C.; PEREIRA FILHO, I. A.; MOREIRA, J. A. A. (Eds.) Milho: 500 Perguntas, 500 Respostas. Embrapa, Brasília-DF, 2011. Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/101790/1/500perguntasmilho.pdf>



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