Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário
Exceções anunciadas não contemplaram carne bovina, café e frutas
Na semana passada, o presidente americano Donald Trump assinou decreto que formaliza a taxação de 50% para produtos brasileiros. Uma longa lista de exceções contemplou itens importantes para o agronegócio, como suco de laranja, castanhas e alguns tipos de celulose, mas deixou de fora carne bovina, café e frutas. Assim, representantes desses setores intensificaram tratativas nos últimos dias, sobretudo porque a vigência da nova alíquota foi adiada para 6 de agosto, o que muitos enxergaram como uma brecha para que as negociações continuem. Entre outros produtos que permaneceram com a taxação original de 10%, anunciada em abril, estão peças automotivas, petróleo, gás, mineração e aeronaves, entre outros.
O setor agropecuário, no entanto, segue como maior prejudicado no tarifaço. Em 2024, o agronegócio representou cerca de 30% das exportações brasileiras para os Estados Unidos. Dos US$ 40,4 bilhões que o Brasil vendeu para o mercado americano, US$ 12,1 bilhões correspondem a produtos do agro, com destaque para café em grão, pastas químicas de madeira e carne bovina.
Nos primeiros seis meses de 2025, o produto do agro brasileiro mais exportado para os Estados Unidos, em valor de receita, foi o café em grão, que somou US$ 1,17 bilhão, o equivalente a 16% de todas as vendas externas do produto, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Em segundo lugar, vem a carne bovina, que somou US$ 1,03 bilhão em remessas aos Estados Unidos. A proteína desossada congelada enviada para o país totalizou US$ 791 milhões (12% das exportações totais).
O esforço das entidades e segmentos mais afetados
Por isso, entidades ligadas aos produtos mais impactadas vêm se esforçando para manter as negociações. É o caso da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), presidida por Roberto Perosa. Em comunicado enviado ao Portal SNA, a ABIEC afirma que acompanha com atenção o anúncio do presidente Donald Trump sobre a aplicação de uma nova tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, sem isenção para a carne bovina, a partir de 6 de agosto. Somada à alíquota atual de 26,4%, a carga tributária total ultrapassaria 76%, comprometendo a viabilidade econômica das exportações ao mercado norte americano, que importou 229 mil toneladas em 2024. Para 2025, a previsão era atingir 400 mil toneladas.
A entidade ainda reforça a importância do diálogo com os importadores norte – americanos, bem como destaca a atuação conjunta do Ministério da Agricultura e Pecuária na abertura de novos mercados e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e do Ministério das Relações Exteriores nas articulações diplomáticas e comerciais.
Durante entrevista coletiva em Brasília, o presidente da ABIEC, Roberto Perosa, afirmou que a relação comercial do setor com os Estados Unidos é vantajosa para os dois lados, uma vez que o ground beef (carne moída) usado nos hambúrgueres americanos é, em sua maior parte, oriundo dos frigoríficos brasileiros. Trata-se da modalidade mais habitual de consumo da carne bovina por lá.
Perosa enfatizou também que os encontros com a força tarefa do vice – presidente Geraldo Alckmin tem sido produtivos, com o governo já planejando redirecionar volumes inicialmente planejados para o mercado americano, que é o segundo maior comprador da carne bovina brasileira. Perosa reconheceu, no entanto, que será difícil encontrar novos destinos para toda a produção, que poderá encontrar respaldo, num primeiro momento, no mercado interno. Ele reiterou que a indústria perde competitividade com o tarifaço, mas não vislumbra ameaça aos empregos, já que as cadeias produtivas seguem operando. Para o restante de 2025, Perosa estimou uma perda de 1 bilhão de dólares.
Por outro lado, o presidente da ABIEC se mostrou confiante nas negociações, que podem continuar mesmo que vigência do tarifaço se inicie. Segundo ele, isso aconteceu com outros países e é possível chegar num acordo com os americanos para que uma relação comercial tão longeva e rentável não sofra maiores abalos.
Governo e representantes definem estratégias e contingenciamento
A esperança é que novos itens possam integrar a lista de exceções, mitigando o impacto negativo nos segmentos mais afetados. Uma nova reunião entre a cúpula do governo, entidades de representação e empresários está marcada para esta segunda – feira, 4 de agosto. Nela, devem ser discutidas novas estratégias para vencer a resistência de autoridades americanas, com a ajuda dos importadores de lá, além de pacotes de estímulo que possam socorrer os mais vulneráveis num primeiro momento. O setor de pescados foi o primeiro a solicitar, formalmente, R$ 900 milhões em financiamentos subsidiados para capital de giro das empresas.
O setor de frutas também trabalha para melhorar o cenário, mas teme o impacto. Em nota, a Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) informa que seguirá acompanhado as negociações entre os governos dos dois países, com a expectativa de um acordo que mantenha o mercado americano atrativo. Atualmente, os Estados Unidos compram 14% da manga exportada pelo Brasil, o que representa 36,8 mil toneladas. Já as vendas de uva para o mercado norte-americano respondem por 23,5% das exportações nacionais, ou cerca de 13,8 mil toneladas. Neste momento, o produto mais prejudicado é a manga, que começa a ser colhida em agosto. No caso das uvas, ainda há 45 para uma negociação antes da colheita. Produtores da região do Vale do São Francisco afirmam que está em jogo uma receita de 90 bilhões de dólares, além de milhares de empregos gerados direta e indiretamente.
Representantes e produtores do café e do açúcar também seguem empenhados nas negociações. Como o Portal SNA já mostrou, são segmentos que escoam boa parte de suas exportações ao mercado americano. Redirecionar esses grandes volumes, ainda que para compradores habituais na Ásia e Europa, demanda campanhas promocionais, acordos e adequação regulatória. O Brasil não conseguiria assimilar sozinho o excedente. No caso do açúcar, o tipo orgânico se especializou para atender aos Estados Unidos, que adquiriram cerca 118 mil toneladas do produto oriundo de usinas brasileiras em 2024.
Além das fontes mencionadas, contribuíram com informações para esta matéria a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca) e o Datagro.
Fonte: SNA