O primeiro registro de cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) no Brasil ocorreu há mais de 80 anos. Contudo, foi a partir de 2015 que os surtos populacionais da praga tornaram-se mais frequentes, especialmente na região Sul, onde praticamente não ocorria antes. Essa recente expansão geográfica pode ser explicada por uma série de fatores associados a mudanças no sistema de cultivo de milho.

Tradicionalmente, o milho de primeira safra (semeado de setembro a dezembro) correspondia à maior área cultivada no país, com uma participação menor do milho de segunda safra (semeado de janeiro a abril). A partir de 2012, esse cenário se inverteu, sendo que atualmente 75% de todo o milho produzido no Brasil é de segunda safra, principalmente na região Centro-oeste. Já na região Sul a primeira safra continua sendo predominante, por possibilitar o cultivo subsequente de soja safrinha em determinadas regiões. Em alguns estados do Nordeste, pratica-se até uma terceira safra, semeada de abril a junho. Essa ampla janela de cultivo de milho ao longo do ano favoreceu a disseminação de D. maidis, que possui a capacidade de migrar de uma região para outra em busca de alimento.

Figura 1. Área cultivada com milho de primeira e segunda safra no Brasil.

Fonte: Pozebon et al. (2022)

Outro fator crucial foi a introdução dos híbridos de milho geneticamente modificados, resistentes a pragas (Bt) e herbicidas (RR). Embora seja altamente eficiente no controle de lagartas, essa tecnologia não possui efeito sobre insetos sugadores, já que a seiva da planta não expressa toxinas Bt. Com a redução no número de aplicações de inseticidas, as pragas que não são controladas pela tecnologia Bt aumentaram sua ocorrência, incluindo D. maidis. Já os híbridos resistentes a glifosato possuem maior chance de permanecer no campo na forma de plantas voluntárias (milho guaxo ou tiguera), constituindo uma ponte verde que possibilita a sobrevivência da praga durante a entressafra. Por esse motivo, a eliminação de plantas voluntárias é uma das principais medidas recomendadas para o manejo integrado de cigarrinha-do-milho.

Embora necessite da cultura do milho para se reproduzir e aumentar a população infestante, a cigarrinha esconde outras estratégias de sobrevivência na manga. Na ausência do seu hospedeiro ideal, ela pode se alimentar de outras gramíneas, como trigo, aveia, sorgo e milheto. São hospedeiros alternativos que não fornecem as condições ideais ao inseto, mas possibilitam sua sobrevivência até a safra de milho subsequente.

Figura 2. Principais sistemas de cultivo de milho no Brasil em sucessão com a soja.

Fonte: Pozebon et al. (2022)

Além disso, caso não haja hospedeiro algum disponível, os adultos de D. maidis podem sobreviver por um curto período de tempo sem alimento nenhum, ingerindo apenas água. Não se trata de uma diapausa, como observado em outras pragas de culturas anuais: o inseto continua ativo, mas em uma forma mais resistente.  Caso já esteja portando os patógenos causadores do complexo de enfezamentos, sua resistência aumenta ainda mais.

Portanto, o crescimento na ocorrência de D. maidis deve-se a uma série de alterações no sistema produtivo, entre os quais o aumento da área cultivada com milho, a sobreposição de safras em diferentes regiões e a ampla adoção de híbridos geneticamente modificados, gerando uma ponte verde para sobrevivência da praga durante o ano todo. O problema é agravado pelo uso crescente de híbridos superprecoces e hiperprecoces de origem temperada, mais suscetíveis ao complexo de enfezamentos do que os materiais de origem tropical. Por outro lado, estratégias de manejo podem ser delineadas com base nessa informação. Para saber quais híbridos são tolerantes e suscetíveis ao enfezamento, acesse: https://maissoja.com.br/o-que-torna-um-hibrido-de-milho-tolerante-ou-suscetivel-a-cigarrinha/

Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.

REFERÊNCIAS

POZEBON, H.; STÜRMER, G. R.; ARNEMANN, J. A. CORN STUNT PATHOSYSTEM AND ITS LEAFHOPPER VECTOR IN BRAZIL. Journal of Economic Entomology, v. 115, n. 6, p. 1817-1833, 2022. Disponível em: <https://academic.oup.com/jee/article-abstract/115/6/1817/6708323>

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