Inseticidas são ferramentas essenciais na proteção de culturas agrícolas, inclusive da soja. Os ingredientes ativos disponíveis atualmente são classificados pelo Comitê de Ação contra Resistência a Inseticidas (IRAC) em cerca de 30 grupos diferentes, cada qual apresentando um modo de ação distinto. Inseticidas dotados de novos modos de ação surgem no mercado apenas a cada cinco ou dez anos, denotando a importância de prevenir-se o surgimento de resistência em pragas por meio da rotação de modos de ação nas lavouras.

Além da classificação por modos de ação, os inseticidas podem ser agrupados em quatro grandes categorias, de acordo com o processo biológico que é afetado no inseto: sistema nervoso e muscular, crescimento e desenvolvimento, respiração celular e sistema digestivo. Juntamente com os processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção do inseticida no organismo do inseto, os modos de ação determinam a eficácia de controle dos diferentes ingredientes ativos. Há ainda inseticidas que não se encaixam nessa classificação por atuarem simultaneamente em mais de um sítio, ou cujo sítio de ação ainda é desconhecido.

Esse é o terceiro texto de uma série de artigos abordando os diversos grupos químicos de inseticidas e seus distintos modos de ação. Hoje, falaremos sobre os piretroides e DDTs, inseticidas neuromusculares pertencentes ao Grupo 3 (moduladores dos canais de sódio). Essa classificação é fornecida pelo IRAC, de acordo com o sítio de ação primário de cada inseticida. Para conhecer os inseticidas pertencentes ao Grupo 2 (bloqueadores dos canais de cloro mediados pelo GABA), acesse o texto anterior clicando aqui: https://maissoja.com.br/como-funcionam-os-inseticidas-ciclodienos-e-fenilpirazois/.

No segundo artigo dessa série, vimos como os canais de íons possibilitam o transporte de íons inorgânicos (Na+, K+, Ca2+ e Cl) através das membranas celulares, constituindo a base para geração de bioeletricidade nos processos orgânicos. Gradientes de concentração de íons possuem a capacidade de realizar trabalho, porque íons apresentam uma forte tendência de mover-se das áreas de maior concentração para as de menor concentração, mesmo contra um potencial elétrico. Para entendermos como piretroides e DDTs afetam esse processo, precisamos primeiro compreender como ocorre a geração de um potencial elétrico (ou potencial de ação) no interior das células.

Entre as proteínas mais importantes dos organismos animais estão as chamadas bombas de sódio e potássio, responsáveis por consumir cerca de um terço de toda energia gasta pelo animal e dois terços de toda energia gasta pelo sistema nervoso. Essas proteínas utilizam ATP (a reserva energética das células) para bombear íons de sódio (Na+) para fora da célula e íons de potássio (K+) para dentro, estabelecendo uma diferença de concentração de íons (ou gradiente) entre os dois lados da membrana plasmática (Figura 1).

Esse gradiente funciona como uma bateria bioelétrica, e a condução do potencial de ação ao longo das células nada mais é do que a liberação em série dessa energia armazenada. Para que isso ocorra, os íons anteriormente separados cruzam novamente a membrana, através de canais de íons específicos para sódio e potássio.

 Figura 1. As bombas de sódio e potássio geram um potencial de ação na célula ao transportarem íons através da membrana plasmática, criando diferenças de concentração.

Fonte: SALGADO, V. L. (2013). Confira a imagem original clicando aqui

Após a geração de gradiente pela bomba de íons, o potencial intracelular torna-se negativo e os canais de sódio permanecem fechados (estado de repouso). A transmissão de um potencial de ação, célula a célula, significa que os canais de sódio destas estão se abrindo em série, permitindo a entrada de íons Na+ e tornando o potencial intracelular positivo (estado ativo). Em menos de um milissegundo após a ativação, ocorre a repolarização: os canais de sódio se fecham, interrompendo o fluxo de entrada, e os canais de potássio se abrem, liberando íons K+ para fora da célula e restaurando a carga negativa no espaço intracelular.

Após o término do potencial de ação, os canais de sódio continuam fechados e os canais de potássio permanecem abertos, impossibilitando a condução imediata de outro potencial de ação. Esse período refratário dura um centésimo de segundo e assegura que o potencial de ação seja transmitido apenas adiante, nunca retornando no sentido contrário (Figura 2).

Figura 2. Fases de transmissão de um potencial de ação ao longo das células nervosas, detalhando o funcionamento dos canais de íons (acima) e as alterações no potencial intracelular (abaixo).

Fonte: SALGADO, V. L. (2013). Confira a imagem original clicando aqui

Dentre as três proteínas envolvidas na condução do potencial de ação (bombas de sódio e potássio, canais de sódio e canais de potássio), apenas os canais de sódio constituem um alvo para inseticidas. Piretroides e DDTs retardam o fechamento dos canais de sódio após a condução do potencial de ação, re-estimulando as células nervosas e levando o inseto à morte por hiper-excitação. Como os axônios nervosos (responsáveis por conduzir os potenciais elétricos) ocorrem ao longo de todo o corpo do inseto, inclusive em terminações sensoriais e motoras, piretroides e DDTs agem de forma extremamente rápida ao entrarem em contato com o inseto, causando o chamado “efeito de choque”.

Os piretroides foram descobertos em 1977, sendo moléculas análogas às piretrinas extraídas de flores de crisântemo. Exemplos de ingredientes ativos incluem deltametrina, bifentrina e lambda-cialotrina, compostos efetivos contra várias espécies de lagartas, coleópteros, pulgões e ácaros, nas mais diversas culturas. Alfa-cipermetrina, um piretroide de terceira geração introduzido pela empresa BASF em 1983, está registrado em 40 países para uso em mais de 90 culturas, além de ser utilizado no combate de mosquitos transmissores de dengue e malária. Piretroides são pouco tóxicos para mamíferos, e embora altamente tóxicos para peixes, apresentam baixo potencial de bioacumulação. Além disso, degradam-se rapidamente no solo e nas plantas, por ação dos raios UV, água ou oxigênio. Piretroides apresentam baixa solubilidade em água e são fortemente adsorvidos por partículas de solo, resultando em baixa mobilidade no solo e pouca possibilidade de lixiviação.

Já o DDT, introduzido em 1942, foi o inseticida mais usado no mundo por 20 anos, auxiliando no combate de malária e tifo durante a Segunda Guerra Mundial. Dele originou-se o termo “dedetização”. Embora pouco tóxico para mamíferos, o ingrediente ativo provou-se altamente persistente no ambiente: estima-se que cerca de 500 milhões de toneladas de DDT encontravam-se acumuladas no ambiente em 1968, prejudicando cadeias alimentares inteiras. A casca dos ovos de certas aves, por exemplo, torna-se mais fina pela ação de metabólitos do DDT, tendo ocasionado um severo declínio de diversas espécies nos anos 50 e 60. Banido completamente em 1972, o DDT foi substituído pelo metoxicloro, até este também ser proibido em 2003 devido ao seu potencial de bioacumulação.

Várias espécies de pragas apresentam resistência à piretroides e DDT, seja por metabolização ou alteração no sítio de ação. Insetos resistentes à piretroides costumam apresentar super-expressão de enzimas do complexo citocromo P450. Mecanismos de metabolização conferem resistência a apenas algumas moléculas de piretroides, enquanto as alterações no sítio de ação conferem resistência a todos os piretroides e também ao DDT, sendo denominada resistência de choque ou kdr (do inglês knockdown resistance). Nesses casos, uma ou mais das quatro sub-unidades polipeptídicas que compõem o canal de sódio sofrem mutações, impossibilitando a ligação da molécula inseticida.

Os piretroides estão os entre os inseticidas mais utilizados e com maior número de ingredientes ativos diferentes, atrás apenas dos organofosforados. Assim, é imprescindível que sejam utilizados de forma racional e ponderada, evitando o surgimento e disseminação de populações de pragas resistentes a esse importante grupo químico. Na próxima semana, entenderemos o funcionamento de outros dois importantes grupos de inseticidas neuromusculares: os neonicotinoides e as espinosinas.

A reprodução desse texto, ou partes dele, deve ser precedida de autorização dos autores e acompanhada de citação da seguinte fonte: POZEBON, H.; ARNEMANN, J. A. Como funcionam os inseticidas piretroides e DDTs? Portal Mais Soja. 2021. Disponível online.

Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM

 REFERÊNCIAS:

SALGADO, V. L. 2013. BASF Insecticide Mode of Action Technical Training Manual. Disponível em:https://agriculture.basf.com/global/assets/en/Crop%20Protection/innovation/BASF_Insecticide_MoA_Manual_2014.pdf

IRAC. 2018. Mode of Action Classification Scheme.
Disponível em: https://www.irac-online.org/documents/moa-structures-poster-english/?ext=pdf



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