A soja teve e vem tendo uma grande expansão em áreas de terras baixas utilizadas por décadas em monocultura de arroz irrigado. Esse novo cenário é marcante no Rio Grande do Sul, Brasil (Figura 2.1.3.1), onde a partir do ano agrícola 2009/2010 observou-se um aumento significativo da área semeada com soja em terras baixas, passando de 10 mil hectares para 350 mil hectares no ano agrícola 2020/21. Essa área significa que praticamente 36% da área semeada anualmente com arroz irrigado faz rotação com soja no Rio Grande do Sul (IRGA, 2021).
Figura 1. Área colhida para arroz de sequeiro e arroz irrigado no Brasil (A) e área colhida em áreas de arroz-arroz e arroz-soja no Rio Grande do Sul, Brasil (B).

Os solos de terras baixas possuem características como baixa condutividade hidráulica e hidromorfismo (Sartori et al., 2016), principalmente o perfil dos solos cultivados há décadas com arroz possuem camada superficial pouco profunda e a subsuperficial é praticamente impermeável à penetração de água e das raízes da soja. No entanto, quando bem manejados permitem o aprofundamento das raízes a profundidades próximas a um metro (Ribeiro et al., 2021).
Figura 2. Perfil de solo de 15 cm com raízes superficiais em Cachoeirinha, Rio Grande do Sul, Brasil (A) e de 80 cm com raízes profundas (60-80 cm) em Barra do Ribeiro, Rio Grande do Sul, Brasil (B).
Os períodos e a intensidade do alagamento do solo durante o ciclo de desenvolvimento da cultura podem causar alterações anatômicas, morfológicas e fisiológicas que, na maioria dos casos, levam à morte de plantas e redução da produtividade (Mundstock et al., 2017).
Figura 3. Soja em terras baixas em situação de excesso hídrico em Paraíso do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil, no ano agrícola 2020/21.

A primeira resposta das plantas em condição de alagamento é metabólica, pois o alagamento interfere na disponibilidade de oxigênio no solo para as plantas, podendo ocorrer hipóxia (baixa quantidade de oxigênio, representado quimicamente como O2) ou anoxia (ausência de O2) (Sairam et al., 2008; Dias Filho, 2012). O O2 atua como aceptor final de elétrons na cadeia respiratória, sendo que a falta do O2 paralisa e inibe gradativamente a respiração aeróbica das células, reduzindo a produção de calor e energia de 36 ATP’s para 2 ATP’s.
Esta diminuição energética, juntamente com produtos tóxicos (etanol e lactato) gerados pela respiração fermentativa, acabam bloqueando o processo bioquímico. O transporte de H+ através da ATPase torna-se lenta, o gradiente de pH entre o citosol e o vacúolo não se mantém e os prótons acabam migrando do vacúolo para o citoplasma.
A respiração fermentativa gera uma acidez celular devido a produção de ácido lático no citosol, que acaba rompendo irreversivelmente o metabolismo no citoplasma, resultando na morte das células (Taiz et al., 2017). O excesso hídrico pode comprometer o desenvolvimento do sistema radicular das plantas, afetando principalmente a nodulação, resultante da simbiose entre a planta da soja e as bactérias Bradyrhizobium.
Essas bactérias apresentam elevada demanda de oxigênio, e devido ao excesso hídrico, a soja diminui drasticamente a fixação biológica de nitrogênio, consequentemente, seu crescimento vegetativo. Em longos períodos de inundação, 7 dias por exemplo, podemos evidenciar a falta de N2 para as plantas através do amarelecimento das folhas (Bacanamwo & Purcell, 1999).
Figura 4. À esquerda, trifólio de uma planta em condições ideais de cultivo (A), à direita, trifólio de uma planta em condições de excesso hídrico, apresentando clorose (B).
As plantas buscam estratégias para sobrevivência quando estão sob alguma condição de estresse. As respostas da soja com a permanência do excesso hídrico no solo estão ligadas à mudanças anatômicas e morfológicas, como presença de aerênquima e formação de raízes adventícias. Cortes anatômicos realizados em raízes adventícias de plantas de soja cultivadas sob inundação evidenciaram elevada ruptura das células do córtex, indicando a formação de aerênquima, criando espaços vazios, os quais servem como condutos para a transferência de O2 para as raízes (Thomas & Lange, 2014).
Um dos maiores problemas do rompimento da epiderme do caule e das plantas de soja próximo a superfície do solo devido a formação de aerênquima é a formação da “porta de entrada” para fungos oportunistas que provocam a morte das plantas, sendo esse um dos principais fatores que explicam as baixas produtividades de soja em terras baixas. A fase compreendida entre a germinação das sementes e a emergência das plantas é a mais sensível durante o ciclo de desenvolvimento, não havendo praticamente diferenças de tolerância entre as cultivares comerciais (Thomas & Lange, 2014).
Figura 5. Planta de soja submetida a inundação por 15 dias, com lâmina de água de 3 cm acima da superfície do solo após o estágio de R1.

Portanto, o excesso hídrico na cultura de soja pode causar diversos problemas e afetar negativamente o desenvolvimento e o rendimento das plantas. Assim, é fundamental adotar medidas adequadas de manejo da água para minimizar os impactos do excesso hídrico e garantir uma produção saudável e produtiva de soja, como melhoria da drenagem do solo, o uso de técnicas de plantio em níveis ou em camalhões para evitar o acúmulo de água, o uso de cultivares mais tolerantes ao excesso de água e a implementação de práticas de irrigação adequadas.
Referências Bibliográficas
ECOFISIOLOGIA DA SOJA: VISANDO ALTAS PRODUTIVIDADES / EDUARDO LAGO TAGLIAPIETRA… [ET AL.]. 2. ED. SANTA MARIA: [S. N.], 2022.