A cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) é atualmente a praga mais importante do milho, juntamente como a lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda). Sua importância deve-se à capacidade de transmitir três fitopatógenos (espiroplasma, fitoplasma e vírus-da-risca), responsáveis por causar o chamado complexo de enfezamentos do milho. Ao defrontar-se com o problema safra após safra, produtores e empresas perceberam que determinados híbridos de milho são mais tolerantes ao ataque da praga, e passaram a explorar essa característica como medida de manejo.
Mas o que determina a tolerância de um genótipo à cigarrinha-do-milho?
Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que se trata de uma característica natural dos genótipos que é selecionada pelos melhoristas, e não de uma resistência introduzida por métodos de transgenia, como no caso do milho Bt. Ou seja, não existe atualmente nenhum híbrido de milho totalmente resistente à cigarrinha: o que existem são diferentes graus de suscetibilidade entre os materiais. Parte dessa diferença é explicada pela interação entre planta e inseto, ou seja, a preferência da cigarrinha por determinados híbridos e a forma como estes reagem ao ataque.
Figura 1. Híbridos de milho com baixa e alta suscetibilidade ao complexo de enfezamentos, à esquerda e à direita, respectivamente.
Foto: Henrique Pozebon
Sabe-se que diversas espécies de plantas liberam compostos voláteis como resposta ao dano causado por insetos, repelindo novos ataques ou atraindo inimigos naturais da praga. Entretanto, a domesticação e seleção agronômica visando ao aumento da produtividade afetaram diretamente as interações estabelecidas ao longo de milhares de anos de evolução, reduzindo a resistência natural das culturas ao ataque de insetos e patógenos (CHEN et al., 2015).
No caso do milho, boa parte da variabilidade genética do teosinto (seu ancestral selvagem) manteve-se preservada nas chamadas variedades crioulas, mas acabou sendo perdida nos híbridos modernos, cuja alta produtividade foi alcançada ao custo de menor capacidade para produzir e liberar compostos de defesa (MAAG et al., 2015). Como resultado, D. maidis apresenta uma preferência por se alimentar e ovipositar em híbridos modernos de milho, comparativamente a variedades crioulas e ao teosinto.
Além de produzirem menos compostos voláteis capazes de repelir D. maidis, os genótipos modernos de milho parecem ter perdido outra habilidade inerente a seus ancestrais selvagens, que era a atração de inimigos naturais. O parasitoide de ovos Anagrus virlai, por exemplo, é uma vespa que realiza o controle natural da cigarrinha e é fortemente atraída por variedades crioulas de milho, mas não por híbridos modernos (TAMIRU et al., 2011).
Além da interação entre planta e inseto, existe um terceiro componente nessa equação, que são os patógenos em si. Nesse caso, diferentes híbridos submetidos à mesma pressão da praga podem apresentar respostas completamente distintas ao complexo de enfezamentos, como se observa na Figura 1. Os mecanismos que determinam essa resposta ainda não foram devidamente compreendidos, mas sabe-se que a origem geográfica dos materiais influencia no grau de suscetibilidade. Via de regra, híbridos de origem tropical são mais tolerantes que os materiais de clima temperado, possivelmente por terem evoluído sob maior pressão populacional da praga (COLL-ARÁOZ et al., 2019).
O problema é que essa tolerância geralmente vem acompanhada de menor potencial produtivo, tornando esses materiais indesejáveis do ponto de vista agronômico. Esse comportamento é esperado, já que os recursos de uma planta são limitados, e o direcionamento de energia para determinado processo ocorre em detrimento de outro. Já os materiais de origem temperada são amplamente cultivados por apresentarem ciclo superprecoce ou hiperprecoce aliado a altas produtividades, com o efeito colateral de serem mais suscetíveis ao complexo de enfezamentos. Como toda regra possui exceção, existem também híbridos de ciclo curto com graus satisfatórios de tolerância, conforme demonstrado na Figura 2.
Figura 2. Suscetibilidade de híbridos de ciclo médio, precoce, superprecoce e hiperprecoce ao complexo de enfezamentos.
Fonte: Pozebon et al. (2022) e Stürmer et al. (2021)
Portanto, a tolerância varietal é uma ferramenta importante e que deve ser explorada dentro de um programa de manejo integrado de cigarrinha-do-milho. Embora haja uma tendência do melhoramento genético priorizar o incremento da produtividade em detrimento da capacidade de defesa da planta, é possível aliar ambas as características e obter híbridos igualmente produtivos e sadios. Enquanto tal cenário não se concretiza, resta-nos manter uma avaliação constante dos materiais disponíveis no mercado, buscando as opções mais viáveis para os produtores.
Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.
REFERÊNCIAS
CHEN, Y. H. et al. CROP DOMESTICATION AND ITS IMPACT ON NATURALLY SELECTED TROPHIC INTERACTIONS. Annu. Rev. Entomol., v. 60, p. 35–58, 2015. Disponível em: <https://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev-ento-010814-020601>
COLL-ARÁOZ, M. V. et al. MODERN MAIZE HYBRIDS HAVE LOST VOLATILE BOTTOM-UP AND TOP-DOWN CONTROL OF Dalbulus maidis, A SPECIALIST HERBIVORE. Journal of Chemical Ecology, v. 46, p. 906-915, 2020. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007/s10886-020-01204-3>
MAAG, D. et al. MAIZE DOMESTICATION AND ANTI-HERBIVORE DEFENCES: LEAF-SPECIFIC DYNAMICS DURING EARLY ONTOGENY OF MAIZE AND ITS WILD ANCESTORS. PLoS One, v. 10, e0135722, 2015. Disponível em: <https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0135722>
POZEBON, H. et al. CORN STUNT PATHOSYSTEM AND ITS LEAFHOPPER VECTOR IN BRAZIL. Journal of Economic Entomology, v. 115, n. 6, p. 1817-1833, 2022. Disponível em: <https://academic.oup.com/jee/article-abstract/115/6/1817/6708323>
STÜRMER, G. R. et al. TOLERÂNCIA DE HÍBRIDOS À CIGARRINHA-DO-MILHO (Dalbulus maidis). Bol. Téc. CCG. v. 96, p. 1–2, 2021.
TAMIRU, A. et al. MAIZE LANDRACES RECRUIT EGG AND LARVAL PARASITOIDS IN RESPONSE TO EGG DEPOSITION BY A HERBIVORE. Ecol. Lett., v. 14, p. 1075–1083, 2011. Disponível em: < https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1461-0248.2011.01674.x>