A cigarrinha-do-milho, Dalbulus maidis (Hemiptera: Cicadellidae), tornou-se a praga mais temida pelos produtores de milho do Brasil. O principal dano associado a esse inseto é a transmissão de dois fitopatógenos da classe dos molicutes: o espiroplasma (Spiroplasma kunkelii – CSS – corn stunt spiroplasma), causador do enfezamento pálido; e o fitoplasma (MBSP – maize bushy stunt phytoplasma), causador do enfezamento vermelho; além de um vírus, o vírus-da-risca-do-milho (MRFV – maize rayado fino virus). É comum observar plantas de milho com sintomas característicos de ambos os enfezamentos, sendo por essa razão utilizado o termo “complexo de enfezamentos”.
Figura 1. Planta de milho com sintomas foliares ocasionados pelo complexo de enfezamentos.
Foto: Henrique Pozebon
Os molicutes são organismos primitivos, semelhantes às bactérias, desprovidos de parede celular. Ao serem injetados nos vasos do floema através da alimentação da cigarrinha, os molicutes descem até o sistema radicular, para então serem redistribuídos ao longo de todos os tecidos vasculares da planta de milho.
O resultado é um trancamento dos vasos do floema, associado à proliferação de fungos oportunistas, ocasionando os sintomas típicos do complexo de enfezamentos (Figura 1) e reduzindo significativamente a produtividade. Lavouras com alto nível de adubação tornam-se particularmente suscetíveis ao tombamento pela infecção do patógeno, devido ao maior peso da plantas.
As ninfas da cigarrinha-do-milho (ou seja, sua fase juvenil) adquirem os molicutes mais facilmente; entretanto, apenas os insetos adultos são transmissores efetivos, já que é necessário um período de incubação do patógeno (20 a 30 dias) dentro do inseto. Após esse intervalo, denominado de latência, a cigarrinha torna-se capaz de transmitir os molicutes para plantas sadias com apenas 1 hora de alimentação, ou até menos (OLIVEIRA et al., 2018).
Não há registro de transmissão transovariana dos molicutes (ou seja, da cigarrinha adulta para sua prole), tampouco de contaminação via semente. Entretanto, o alto potencial biótico da espécie (mais de 400 ovos por fêmea) permite um aumento exponencial da população infestante, bastando haver na lavoura uma planta ou um inseto contaminado com o patógeno para que se inicie o ciclo de disseminação.
Figura 2. Ciclo biológico da cigarrinha (Dalbulus maidis) e locais preferenciais de ocorrência na planta de milho.
Fonte: Grupo de Manejo e Genética de Pragas/UFSM, adaptado de Embrapa Milho e Sorgo.
Os adultos de D. maidis possuem o hábito de se alimentar no cartucho das plantas jovens de milho, onde a sobreposição de folhas favorece a concentração de umidade. Já a oviposição ocorre próximo à nervura central das folhas, sendo endofítica – ou seja, os ovos são depositados no interior do tecido foliar, por meio de furos realizados na epiderme. Além disso, podem ser encontrados tufos de microfilamentos encobrindo os ovos. As ninfas, por sua vez, costumam se alimentar nas folhas e nos colmos das plantas, sendo necessário completar cinco ínstares ninfais até atingir a fase de adulto.
Acredita-se que os molicutes sejam capazes de modular o comportamento da cigarrinha para que esta se alimente preferencialmente de plantas jovens, nas quais a colonização pelo patógeno ocorre mais facilmente; dessa forma, a disseminação do patógeno acaba sendo prolongada durante todo o ciclo restante da cultura. Além disso, as plantas contaminadas ficam mais brilhantes e com maior circulação de água, atraindo mais os insetos e favorecendo tanto a proliferação do patógeno quanto do vetor. Em situações de temperatura abaixo de 20 ºC, a manifestação dos sintomas pode ser retardada ou nem ocorrer.
Devido à complexa relação entre vetor, patógeno e cultura, o enfezamento do milho pode ser considerado um “problema silencioso”, cuja contaminação ocorre no início do ciclo da cultura e os sintomas manifestam-se na fase final. O período crítico para infestação estende-se da emergência até a emissão da décima folha (cerca de 40 dias); após esse intervalo, eventuais contaminações pelos molicutes não irão acarretar em reduções significativas de produtividade. Aliado a isso, o pico populacional de cigarrinha-do-milho no Sul do Brasil ocorre entre janeiro e fevereiro, sendo uma praga adaptada às condições de alta umidade: portanto, lavouras irrigadas e com menor espaçamento entre plantas favorecem a ocorrência de cigarrinha-do-milho.
Figura 3. Ocorrência de cigarrinha e dos sintomas de enfezamento durante o ciclo de desenvolvimento do milho.
Fonte: Grupo de Manejo e Genética de Pragas/UFSM, adaptado de Soares (2020).
Com base no exposto, torna-se possível delimitarmos algumas estratégias básicas para o manejo da cigarrinha-do-milho. Na próxima semana, veremos quais são os seis mandamentos do combate ao complexo de enfezamentos. Não perca!
Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
REFERÊNCIAS
DE OLIVEIRA, C. M.; SABATO, E. de O. Doenças em milho: insetos-vetores, molicutes e vírus. Embrapa Milho e Sorgo, 2017.
MENDES, S. M. et al. Manejo de pragas no milho de segunda safra: com ou sem a utilização de milho Bt. Embrapa Milho e Sorgo, 2019.
MENESES, A. R; QUERINO, R. B.; OLIVEIRA, C. M.; MAIA, A. H. N; SILVA, P. R. R. Seasonal and vertical distribution of Dalbulus maidis (Hemiptera: Cicadellidae) in Brazilian corn fields. Florida Entomologist, v. 99, n. 4, p. 750-754, 2016.
OLIVEIRA, E. de et al. Enfezamentos em milho: expressão de sintomas foliares, detecção dos molicutes e interações com genótipos. Embrapa Milho e Sorgo, 2002.
OLIVEIRA, C. M.; SÁBATO, E. O. Estratégias de manejo de Dalbulus maidis, para o controle de Enfezamentos e Virose na cultura do milho. In PAES, M.C.D.; VON PINHO, R.G.; MOREIRA, S.G. Soluções integradas para os sistemas de produção de milho e sorgo no Brasil. XXXII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, p. 748-777, 2018.