No último dia 29, um estudo publicado na renomada revista Advances in Agronomy coloca o Brasil no centro do debate sobre agricultura sustentável. O artigo “No-Tillage System: A genuine Brazilian technology that meets current global demands” (Sistema Plantio Direto: uma tecnologia genuinamente brasileira que atende às atuais demandas globais) revela como o Sistema Plantio Direto (SPD) se tornou uma das maiores contribuições do país para a agricultura mundial. Algo particularmente importante em tempos de emergências climáticas e também sincrônico porque acontece próximo ao Dia Nacional da Conservação do Solo, 15 de abril, comemorado esta semana.

O estudo mostra uma trajetória impressionante. Assinado pelos pesquisadores Marie Bartz, Tiago Telles, Ruy Casão Junior, Rafael Fuentes e Ricardo Ralisch, evidencia a significativa contribuição do SPD para o país ter passado da condição de importador de alimentos a um dos maiores produtores mundiais, a redução de até 90% na erosão dos solos onde está presente e o aumento significativo na biodiversidade do solo.

Representatividade

Para Ricardo Ralisch, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), o fato de o artigo ter sido publicado numa revista de grande relevância técnico-científica, como a Advances in Agronomy dá grande repercussão ao tema, pois estas revistas possuem um crivo exigente para publicarem, o que respalda as informações veiculadas no texto. “Desta forma, os aspectos históricos, cuidadosamente levantados pela equipe de autores, fica oficialmente documentado e referenciado, sendo fonte destas informações para todos que se interessarem pelos parâmetros da evolução do SPD no Brasil”, explica.

Paralelamente, a publicação oficializa o SPD concebido e aperfeiçoado no Brasil como a base da sustentabilidade na agricultura e de todas as outras iniciativas apresentadas como inovadoras com outras nomenclaturas, como agricultura conservacionista e agricultura regenerativa. “Esta publicação fortalece a profícua relação que há entre os diferentes setores da produção agropecuária no contexto brasileiro, como a pesquisa, as empresas fornecedoras de insumos e tecnologias e os produtores”.

A bióloga Marie Bartz, destaca que, enquanto em muitos países essas inovações vieram de cima para baixo, no Brasil foram os produtores rurais os verdadeiros protagonistas. “O SPD brasileiro é um caso único no mundo: uma tecnologia desenvolvida por agricultores, validada pela ciência e adotada pelo mercado. Mostra que a sustentabilidade pode ser economicamente viável”, afirma.

Para Tiago Telles, pesquisador do IDR-Paraná, o SPD, também conhecido globalmente como Agricultura Conservacionista, é uma contribuição genuinamente brasileira, com seus três pilares desenvolvidos por pesquisadores do país. “A adoção do SPD permite ao Brasil e ao mundo avançar em direção a uma agricultura sustentável, essencial no cenário atual de mudanças climáticas. Sem dúvida, o SPD brasileiro é uma das grandes revoluções da agricultura. Com a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em novembro em Belém do Pará, espero que o mundo possa aprender ainda mais com o Brasil”, afirma.

Início da história

Ruy Casão Junior, engenheiro agrônomo e pesquisador da Área de Engenharia Agrícola, conta que em 1972, Herbert Bartz importou a semeadora Allis Chalmers inciando a nível de propriedade a mecanização do plantio direto no Brasil. Durante essa década, produtores, cientistas, extensionistas, indústrias e oficinas trabalharam de forma pioneira. Mas foi predominantemente na década de 80 que funcionou como um verdadeiro laboratório no desenvolvimento das máquinas para viabilizar o plantio direto. A adoção era pequena, somente em 1992 atingiu um milhão de hectares, mas foi na década de 90 que a adoção do plantio direto se expandiu, inicialmente na região sul do Brasil. Mais de duas dezenas de fabricantes de semeadoras já estavam resolvendo problemas nos solos argilosos, desenvolvendo rompedores de solo e com a adoção das plantas de cobertura passou a surgir o grande obstáculo do embuchamento.

“Já estávamos viabilizando o Sistema Plantio Direto, máquinas com melhores sistemas de acabamento de semeadura, máquinas limpas, visando fluir a palhada entre os componentes da máquina. Com isso, as semeadoras estavam preparadas para enfrentar a grande expansão para o Cerrado brasileiro. Máquinas com 7 a 9 linhas, passaram a trabalhar com 19 e até mais de 30 linhas semeando soja. Hoje, com a introdução da eletrônica embarcada, as semeadoras se sofisticaram, posicionando nosso país na liderança do Sistema Plantio Direto”, lembra ele.

Trajetória de conquistas produtivas, ambientais e econômicas

“O mais extraordinário”, explica Marie, “é que o SPD traz benefícios simultâneos: protege o solo, aumento a produtividade e ainda sequestra carbono da atmosfera”. A pesquisadora destaca que “as minhocas, nossas grandes aliadas, são mais abundantes em áreas com SPD e o sistema tem sido capaz de manter espécies nativas que, em geral, são amis sensíveis”. E muitos desses benefícios podem ser comprovados em números, tais como uma economia de 30 a 40% em custos com combustível e maquinário, valorização no valor das terras agrícolas em até 30%, e sequestro de 39% mais carbono que métodos convencionais.

De acordo com Rafael Fuentes, diretor da FEBRAPDP e pesquisador sênior do IAPAR /IDR-Paraná, a expansão do Plantio Direto viabilizou a agricultura sustentável com duas culturas anuais em regiões onde antes não era possível nem mesmo uma safra por ano, especialmente no bioma Cerrado. Ao adotar os três princípios do sistema — não revolvimento do solo, cobertura vegetal permanente e rotação e diversificação de culturas —, tornou-se possível sequestrar carbono da atmosfera, armazenando-o no solo, mitigar a emissão de gases de efeito estufa, melhorar a saúde do solo, aumentar a produtividade e a rentabilidade dos agricultores, e atender à demanda global crescente por alimentos. “O Brasil está entre os poucos países com essa capacidade, que pode ser ampliada substituindo pastagens degradadas no Cerrado — sem a necessidade de desmatar a Amazônia, diz.

Ainda segundo o pesquisador, 53 anos após o primeiro plantio comercial em plantio direto, o Brasil chegou a 18 milhões de hectares em 2006, avançando para 33 milhões de hectares de plantio direto de grãos em 2017. Em 2024, estima-se que o Brasil tenha atingido 41 milhões de hectares utilizando ao menos o princípio elementar do plantio sobre a palhada para a produção de grãos. “Somando-se ainda com mais 15 milhões de hectares de pastagens em integração lavoura-pecuária (ILP) — ambos considerados práticas de agricultura conservacionista. Hoje, o país totalizaria 56 milhões de hectares sob esse modelo sustentável”.

O desafio da qualidade e expansão

O estudo tratou de avaliar como essa colaboração única entre agricultores, indústria e academia foi crucial. A FAO já adotou os princípios advindos do SPD como base para sua Agricultura Conservacionista, e países de todo o mundo buscam aprender com a experiência brasileira.

Mesmo o Plantio Direto usado de forma simples, apenas como semeadura direta, foi fundamental para expansão da agricultura na região do cerrado. Foi a partir dali que se tornou possível, pela primeira vez, fazer até suas lavouras por ano. Quando se fala em soluções como sequestro de carbono e mitigação dos gases do efeito estufa, dentre outras é oportuno que seja adotado o SPD seja adotado em sua plenitude. E isso tem a ver com a questão da qualidade da forma como o modelo é utilizado.

Dessa forma, para os pesquisadores, o próximo desafio é melhorar a qualidade do SPD já praticado e ainda expandi-lo para todas as culturas e biomas. “Esta tecnologia provou que produção e conservação podem andar juntas. Agora precisamos levá-la a todos os agricultores brasileiros”, conclui Marie, que faz questão de destacar ainda que o SPD nasceu de forma espontânea, impulsionado por agricultores visionários que buscavam proteger seus solos contra a erosão, sem qualquer política governamental específica. “A técnica, desenvolvida inicialmente no Paraná, transformou radicalmente a agricultura brasileira”, complementa.

Com apoio do CNPq, CAPES e Fundação Araucária para alguns autores, o artigo pode ser lido na íntegra neste link: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0065211325000367

Fonte:  FEBRAPDP –  Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto

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