Lineu Neiva Rodrigues/pesquisador da Embrapa Cerrados
De maneira geral, a produção de alimentos sem irrigação é caracterizada por baixas produtividades, comprometendo a capacidade de atender aos mercados e de garantir retornos econômicos e sociais. Em condições de sequeiro, há maior incerteza quanto ao resultado da produção, já que ela fica limitada aos períodos de chuvas, sendo totalmente dependente das variações climáticas.
No Brasil, na região do Planalto Central, do Cerrado, por exemplo, a produção de sequeiro se situa entre os meses de novembro a abril, podendo ser significativamente ampliada se praticada com irrigação. Nesse contexto, fica evidente que não se pode pensar em escala de produção e em segurança alimentar e nutricional unicamente com base na agricultura de sequeiro, que apresenta como principal desafio a melhoria das técnicas de manejo e a redução dos riscos associados ao clima.
Na agricultura irrigada, por sua vez, as demandas hídricas das culturas são supridas pela água da chuva e/ou de irrigação. A produção não é influenciada pela incerteza temporal e locacional das chuvas, podendo-se produzir em qualquer época do ano. A agricultura irrigada representa 17% da agricultura e produz aproximadamente 40% da produção de alimento do mundo. A sua importância fica mais evidente se for levado em consideração que existe uma limitação física para o crescimento da agricultura de sequeiro, o que indica que, no futuro, a produção de alimentos será cada vez mais dependente da agricultura irrigada.
No entanto, a agricultura irrigada é uma prática agrícola muito mais intensiva no uso de insumos, principalmente de energia e de água. A água, por sua vez, se tornou um fator limitante para o desenvolvimento econômico do país e fonte de conflitos em várias regiões. Essa constatação é mais relevante quando se considera que os recursos hídricos são desigualmente distribuídos no território.
Garantir água para os diferentes usos, incluindo a irrigação, com um adequado nível de confiabilidade, é sempre uma questão importante para o planejamento de bacias hidrográficas. Nesse contexto, as políticas públicas são fundamentais e tem como uma de suas funções primordiais orientar diretrizes para o compartilhamento de recursos hídricos entre diferentes usuários de água.
A agricultura irrigada traz estabilidade para a produção de alimentos, o que possibilita ao gestor estabelecer planejamento a longo prazo de segurança alimentar. Quando se trata, entretanto, de água na agricultura, é importante diferenciar a agricultura de sequeiro da agricultura irrigada. A primeira não compete diretamente pelo uso da água do curso de água. A segunda, por outro lado, participa diretamente com outros usuários pelo uso de água superficial ou subterrânea. Nesse campo de abordagem, a pesquisa científica tem o desafio de desenvolver conhecimentos que direcionem soluções que visem, principalmente, compatibilizar produção de alimento, fibras e energia ao uso múltiplo e sustentável de recursos hídricos.
Nas últimas décadas, observam-se avanços importantes na pesquisa em recursos hídricos, mas, de maneira geral, as ações são isoladas e difusas. Ainda existem muitas demandas qualificadas em pesquisa e desenvolvimento que são fundamentais para enfrentar os antigos e os novos desafios de forma a fornecer uma base sólida de conhecimentos indispensáveis para o entendimento integrado da dinâmica de água na bacia hidrográfica. Hoje se faz necessário a construção de uma estratégia que vise à evolução da economia baseada no uso e utilização dos recursos renováveis e apoiada no conceito de cadeia de valor. A estratégia deve levar em conta os paradigmas da bioeconomia, visando, portanto, uma economia mais inovadora e de baixo carbono que concilie as necessidades em termos de agricultura e usos das águas, segurança alimentar e do alimento.
A ciência deve gerar conhecimento no sentido de garantir o uso sustentável de recursos hídricos, sendo necessária mais pesquisas em relação aos mecanismos que contribuem para aumentar a oferta hídrica na bacia. Dentre esses, os sistemas de conservação do solo, que estão em constante adaptação e evolução, são os que apresentam o maior potencial de contribuir para os recursos hídricos em termos de sua qualidade e quantidade.
Vê-se, como prioritário, o avanço no conhecimento de mecanismos destinados ao controle da erosão, dessalinização, redução da evaporação e aumento da infiltração e da capacidade de retenção de água no solo. Será cada vez mais importante gerar conhecimentos que contribuam para melhorar a eficiência de uso da água na irrigação, reduzir perdas na condução, melhorar o manejo do sistema e a eficiência de uso, desenvolver técnicas de gerenciamento da demanda e desenvolver culturas mais resistentes ao estresse hídrico.
A ciência precisa avançar para entender melhor a dinâmica de águas subterrâneas, ter um melhor conhecimento dos aquíferos, tanto em escala regional, quanto local, e sua interação, nos diferentes ambientes, com a água superficial, contribuindo para a gestão integrada de recursos hídricos superficiais e subterrâneos. É importante avançar nas pesquisas para compreender melhor como e em que magnitude as mudanças climáticas afetam os processos hidrológicos e os aspectos quantitativos e qualitativos dos recursos hídricos nas diferentes regiões brasileiras e como isso irá afetar a capacidade de suporte hídrica das bacias hidrográficas.
Os processos de tomada de decisão no campo estão cada vez mais complexos, com necessidade de decisões mais rápidas, além de depender de análises de quantidade de dados cada vez maiores. Torna-se, portanto, importante avançar nas pesquisas relacionadas às tecnologias da informação, da comunicação, de big-data e de modelos de inteligência computacional e simulação que possam viabilizar a emissão de alertas e suporte à decisão.
Uma avaliação das ações prioritárias e dos desafios a enfrentar indica que a ciência para a água deve ser feita com políticas de Estado e não de governo. Além disso, devem ser conduzidas de maneira integrada, sem perder de vista as demandas atuais da sociedade. Essas ações devem contribuir para a construção de políticas públicas que fortaleçam a ciência e tragam segurança hídrica para a população.
Garantir água para os diferentes usos, incluindo a irrigação, com um adequado nível de confiabilidade, é um dos pilares para o desenvolvimento sustentável de qualquer região. Alocar água entre os diferentes usuários, considerando as suas especificidades, é o papel principal da gestão de água.
O sucesso da gestão de água na agricultura dependerá primordialmente de dois fatores: (i) das tecnologias disponíveis e dos novos avanços científicos necessários para manejar o aumento da escassez hídrica e outros problemas emergentes cujo desenvolvimento dependerá fortemente da constituição de bases de conhecimentos já consolidados; e (ii) da integração efetiva das políticas setoriais e dos seus respectivos planos que apresentam como uma de suas funções primordiais orientar as diretrizes para o compartilhamento de recursos hídricos entre os diferentes usuários de água.
Fonte: Embrapa