Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário 

Retenções e cancelamento de embarques em diversas áreas acendem alerta

Após o anúncio da alíquota de 50% sobre produtos brasileiros, com vigência a partir de 1 de agosto, o setor agropecuário já sente os efeitos da tributação imposta pelo presidente americano Donald Trump. Em meio a tensões diplomáticas e forte repercussão mundo afora, o governo brasileiro tenta buscar alternativas para itens habitualmente muito comprados pelos Estados Unidos, mas cujo destino passou a ser incerto desde 9 de julho, quando a sanção veio a público. Enquanto o Itamaraty e quadros de outros ministérios tentam voltar à mesa de negociações para pleitear uma suspensão ao menos parcial da sobretaxa, algumas cadeias produtivas já precisam interromper ou diminuir o escoamento de commodities destinadas à América.

É o caso da manga, principal fruta embarcada para os norte-americanos, do Vale do São Francisco.  Produtores já paralisaram as negociações dos embarques que iriam começar em agosto e poderiam render mais de US$ 50 milhões. Há estimativas de queda de até 70% do volume previsto para 2025 se a taxação for concretizada. O movimento também pode afetar o preço do produto exportado para outros destinos, como a Europa. De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), os contratos ficam em compasso de espera, o que atrapalha o planejamento, mesmo sem cancelamento formal.

A indústria de pescados, por exemplo, contabiliza mil toneladas de peixes retidos nos portos brasileiros diante do cancelamento e da suspensão de pedidos. Isto é, são 58 contêineres parados até o momento, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca). A entidade enfatizou que já há reflexos no primeiro elo da cadeia produtiva, que são os pescadores. Sem perspectiva de escoar o volume comprado, sobretudo de trabalhadores artesanais do ramo, a tendência é de queda de investimentos e demissões. Ainda de acordo com a Abipesca, cerca de 70% de todo o pescado exportado pelo Brasil tem como destino os EUA.

Esses impasses ocorrem porque grandes quantidades de produtos comprados pelos americanos, e em certos casos até já a caminho dos portos locais, podem não chegar antes do começo da vigência da sobretaxa. Além disso, escoar esse volume para o mercado interno é inviável, pois o país não conseguiria assimilar o excedente, e nem os preços cairiam com o súbito aumento da oferta. É o caso do suco de laranja, como mostrou o Portal SNA na primeira reportagem sobre o tema.

Outros segmentos, como o do mel, já sabem a razão do cancelamento da compra de seus clientes americanos. A Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro (Casa Apis) afirmou, neste sábado (12), que um cliente dos Estados Unidos cancelou uma compra de 95 toneladas de mel orgânico produzido no Sul do Piauí. A razão dada, segundo o grupo, foi o tarifaço de 50%.

Incerteza leva a ofensiva para escoar produção rumo a outros mercados

Países pouco familiarizados com o contexto político e ideológico da barreira tarifária imposta por Trump podem achar que o Brasil está descumprindo regras fundamentais de comércio, o que não é o caso, e desconfiarem dos acordos firmados com produtores nacionais. Para quem lutou tanto pela segurança sanitária, reconhecida internacionalmente, e observância dos protocolos da Organização Mundial do Comércio, seria um enorme retrocesso. O governo sinalizou, inclusive, recorrer à própria OMC, mas pouco poderia ser feito a tempo de evitar maiores prejuízos, ou mesmo fazer o presidente americano mudar de ideia. Também foi cogitada a aplicação de reciprocidade, mas isso poderia agravar o quadro.

O republicano vem anunciando tributação pesada a outros países que poderiam servir como alternativa aos importadores americanos, como o México e os integrantes da União Europeia, taxados em 30% no último sábado, 12 de julho. Assim, produtores, autoridades e entidades de representação creem ainda ser possível que esse grupo pressione o mandatário a voltar atrás em sua decisão, aceitando adiar ou postergar o início da vigência, marcada para 1 de agosto, o que faria o Brasil ganhar tempo e pleitear uma negociação justa.

Enquanto isso, o governo brasileiro mapeia novas opções para os setores mais sensíveis, caso o cenário permaneça sem mudanças. O Ministério da Agricultura (MAPA) tem como estratégia, em alguns países, a promoção comercial para ampliar a presença desses produtos. Com outros, ainda há necessidade de negociações para aberturas de mercado, reduções tarifárias ou habilitação de frigoríficos, no caso das exportações de carne bovina. A avaliação do MAPA é que algumas ações podem ser feitas para dar vazão aos produtos que deixarão de ser enviados aos Estados Unidos, sobretudo em mercados recém – conquistados, como o Vietnã, para a carne bovina. Outros países que já adquirem a proteína animal brasileira serão objeto de uma ofensiva empreendida por adidos agrícolas espalhados pelo mundo.

A China, maior parceiro comercial brasileiro, poderá absorver parte do volume atualmente reservado aos americanos, em especial no caso das frutas, suco de laranja e café. A carne bovina também pode se beneficiar de mercados na América Latina e Central, enquanto países da Oceania e Oriente Médio já estão sendo abordados para aumentar o recebimento das commodities agropecuárias. O MAPA enfatiza que o cenário mais desafiador envolve os pescados, para os quais ainda é preciso encontrar novos destinos.

Soma de esforços num momento crucial

Toda a negociação tem sido feita em parceria com a iniciativa privada, que sabe onde estão as oportunidades e obstáculos, conforme pontuou o secretário de Comércio e Relações Internacionais do MAPA, Luis Rua, em entrevista concedida ao jornal Valor. Em sua avaliação, essa soma de esforços de representantes do setor pode não impedir totalmente um cenário de perdas, devido à escassez de prazo para implementação de novas parcerias. Mas pode proporcionar uma capilaridade maior para as commodities agropecuárias brasileiras no longo prazo, ainda que em virtude de um sobressalto tão forte como o causado pela taxação de 50%.

Silas Brasileiro, Presidente do Conselho Nacional do Café e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA, manifestou-se com a habitual clareza de visão. Segundo assessoria de imprensa do órgão, ele considerou que o anúncio de aumento das tarifas por parte do governo americano atinge toda a cadeia produtiva do café no Brasil e impõe custos adicionais ao consumidor norte-americano, com reflexos inflacionários que afetam diretamente o poder de compra da população dos Estados Unidos.

Silas louvou a disposição para o diálogo do governo brasileiro, que classificou de inteligente e necessária, pois contribui para a estabilidade e tranquilidade ao mercado nesse momento de incertezas. Ele disse que o CNC seguirá acompanhando de perto as discussões que estão sendo conduzidas antes de iniciar o trabalho de expansão para os mercados do café brasileiro, especialmente nos países de economia sólida e com populações que já conhecem e apreciam o produto, que tem sabor reconhecido internacionalmente e atende a todos os princípios de excelência e sustentabilidade.

Com informações do Ministério da Agricultura, Abrafrutas, Abipesca, Casa Apis e CNC. Agradecimento especial: Alexandre Costa (CNC).

Fonte: SNA



 

FONTE

Autor:Marcelo Sá/SNA

Site: SNA

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