O arroz (Oryza sativa L.) é uma importante fonte de alimento para boa parte da população mundial, o que demanda um cultivo em grandes áreas de forma contínua (SOSBAI, 2016). Atualmente a produção de arroz ocupa cerca de 1,9 milhões de hectares no Brasil, onde são produzidos 11,9 milhões de toneladas de grãos (CONAB, 2017). No Brasil a produção se dá em todos os estados, mas a maior concentração está no Centro – Oeste e Sul do país. O Rio Grande do Sul é o maior produtor nacional, na safra de 2015/2016 o estado colheu 69,4% do total da produção do país (FILIPPI et al.; 2015).
No Sul do Brasil a produtividade média é de 7,3 t/ha, o que supera a produtividade média nacional de 6,0 t/ha (CONAB, 2017). Apesar do aumento da produtividade média ao longo dos últimos anos, durante o seu ciclo de desenvolvimento, o arroz pode ser acometido por diversas doenças, que acabam reduzindo sua produtividade e qualidade dos grãos.
A intensidade dessas doenças depende de três fatores, o ambiente favorável, a ocorrência do patógeno virulento e da suscetibilidade da cultivar. Dentre as doenças do arroz, a brusone (Pyricularia oryzae) é considerada a mais destrutiva e ocorre em todo o território brasileiro (IRGA, 2007). Essa doença é conhecida como uma das mais prejudiciais à cultura do arroz e é um fator limitante ao potencial produtivo e de vida útil das cultivares. Vários estudos foram realizados visando o controle da doença e grandes avanços foram obtidos, reduzindo prejuízos por meio do melhoramento genético e do manejo integrado (FILIPPI et al.; 2015).
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Os primeiros registros da ocorrência da brusone foram no ano de 1600 na China. O termo brusone tem origem italiana e foi adotado também na língua portuguesa. Na Europa a doença foi relatada pela primeira vez em 1828 na Itália. Em inglês a doença é denominada pelo termo “blast”, visto que causa a queima das folhas quando ocorre de modo severo (BERGAMIN FILHO et al.; 1995).
Atualmente a doença é amplamente distribuída e presente em praticamente todas as regiões onde o arroz é cultivado em escala comercial. As perdas são variáveis em função da variedade cultivada e dos fatores climáticos prevalecentes nas áreas de cultivo. No Brasil, alguns dados revelam perdas no peso de grãos da ordem de 8-14%, enquanto índices de 19-5% de espiguetas vazias foram observados em experimentos conduzidos em condições de campo (BEDENDO et al., 2005). Os prejuízos são variáveis, sendo maiores em arroz de terras altas e podem comprometer em até 100% a produção nos anos de ataques epidêmicos. O fungo também pode infectar outras culturas de importância econômica, como a cevada e o trigo (SOSBAI, 2016).
A incidência e severidade de cada doença variam em função do manejo da água, da adubação, da resistência das cultivares e das condições ambientais favoráveis para o aparecimento da doença. Com isso, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica sobre o patossistema, mostrando algumas características do hospedeiro, do patógeno causador da doença, as principais estratégias de controle que são utilizadas e as perdas causadas à cultura pelo patógeno.
Saiba mais sobre a doença
Causada pelo fungo Magnaporthe oryzae (Barr) Couch [anamorfo Pyricularia oryzae (Cav.)] o patógeno apresenta vários mecanismos genéticos, além de ser influenciado pelo ambiente e pelas práticas de manejo da cultura que são determinantes das variações intraespecíficas, conhecidas como raças. Esse fato, aliado à pressão de seleção causada pela baixa diversidade genética das plantas hospedeiras e pela extensão do ambiente uniforme, característicos na agricultura atual, criam condições favoráveis para a dispersão e o aumento de danos associados à brusone (CORSI de FILIPPI et al.; 2015).
A ocorrência e a severidade da brusone variam conforme a região, a época de semeadura, o sistema de cultivo, o manejo da cultura e a resistência das cultivares. A brusone pode ocorrer em todas as partes aéreas da planta, desde os estádios iniciais de desenvolvimento até a fase final de produção de grãos.
As principais fontes de inoculo primário são sementes infectadas e restos culturais. Já a infecção secundária tem como fonte as lesões esporulativas das folhas infectadas. Todas as fases do ciclo da doença são altamente influenciadas pelos fatores climáticos. A deposição de orvalho ou gotas de chuva nas folhas é essencial para a germinação dos conídios e para o início da infecção. De maneira geral, são necessárias altas temperaturas, de 25 a 28ºC, e umidade acima de 90% para a manifestação da doença.
Na fase vegetativa da cultura, entre os 20 e 40 dias após plantio (V2 e V5) e na fase reprodutiva, logo após a emissão do cacho (R2 a R4) até o enchimento dos grãos são as fases mais críticas para a ocorrência da doença, onde a planta encontra-se mais suscetível (CORSI de FILIPPI et al.; 2015).
O agente causal da brusone é o fungo que corresponde ao estádio anamórfico. Os conídios são caracteristicamente piriformes, apresentando a base arredondada do ápice mais estreito. Normalmente são encontrados dois septos por esporo; um ou três septos raramente são observados. O conídio é hialino e geralmente germina a partir da célula apical ou basal; germinação da célula central é pouco frequente. O apressório é formado na extremidade do tubo germinativo. As colônias são muito variáveis quanto à densidade e à cor do micélio: são encontradas desde colônias ralas e cotonosas até colônias esbranquiçadas a acinzentadas escuras, em função do meio de cultura e do isolado do fungo (FERREIRA et al.; 2004).
Alguns fatores do ambiente podem influenciar o desenvolvimento do fungo. A temperatura ótima para esporulação está em torno de 28°C, embora possa ocorrer esporulação desde 10 até 35°C. A liberação de esporos não é muito influenciada pela temperatura e normalmente ocorre na faixa de 15 a 35°C. Em relação à germinação, temperaturas compreendidas entre 25 e 28°C favorecem o processo. Quanto à umidade, a produção de conídios sobre as lesões tem início quando a umidade relativa atinge no mínimo 93%. Para a germinação, há necessidade de água livre, pois raramente o esporo germina sob condições de ar saturado. O desenvolvimento do micélio é favorecido pela umidade (BERGAMIN FILHO et al.; 1995).
A luz também pode ter influência sobre o micélio e os esporos. Embora o crescimento do micélio, a germinação de conídios e a elongação do tubo germinativo sejam processos inibidos pela luz, a alternância da mesma tem um papel importante sobre a produção de esporos. Estes começam a ser liberados tão logo escureça, alcançam um máximo em poucas horas e praticamente cessam na alvorada; sob condições de luz ou escuro contínuo a esporulação cai a níveis muito baixos, voltando a aumentar quando os períodos de luz e escuro novamente voltarem a se alternar (BEDENDO et al., 2005).
Sintomas
Os sintomas da brusone do arroz incluem lesões que podem ser encontradas em toda parte aérea da planta, incluindo folhas, colar das folhas, pescoço, panículas, pedicelos e sementes. Relatos recentes mostram que até as raízes podem ser infectadas. Entretanto, o sintoma mais comum e característico da brusone do arroz, lesões em forma de diamante, ocorre nas folhas, ao passo que lesões nas bainhas são raras (CORSI de FILIPPI et al.; 2015).
Nas folhas das cultivares suscetíveis, os sintomas típicos iniciam-se com pequenos pontos de coloração castanha, que evoluem para manchas elípticas, com extremidades agudas que quando desenvolvidas variam de 1 a 2 centímetros de comprimento por 0,3 a 0,5 centímetros de largura. Essas manchas crescem no sentido das nervuras, apresentando um centro cinza e bordos marrom-avermelhados, às vezes circundadas por um halo amarelado. O centro é constituído por tecido necrosado sobre o qual são encontrados as estruturas reprodutivas do patógeno (CORSI de FILIPPI et al.; 2015).
Figura 1: Sintoma de brusone em folhas de arroz

No colar da planta de arroz os sintomas de infecção consistem de uma área geral de necrose na junção dos dois tecidos. A infecção do colar pode matar toda a folha e pode se estender uns poucos milímetros para e ao redor da bainha. O fungo pode produzir esporos nessas lesões (BERGAMIN FILHO et al.; 1995).
No região do pescoço e das panículas ocorre geralmente a infecção nos nós pelo fungo e essa infecção leva a uma situação chamada de pescoço quebrado ou brusone do pescoço. A infecção do pescoço pode ser muito destrutiva, causando falhas no enchimento das sementes, conhecida como branqueamento, ou causando queda de toda a panícula como se estivesse podre (BERGAMIN FILHO et al.; 1995).
Figura 2: Sintoma de brusone do pescoço

Nas sementes o fungo tem sido frequentemente isolado de pedicelos das sementes. Sementes não são produzidas quando pedicelos são infectados, condição essa chamada de branqueamento. Sintomas de brusone nas sementes consistem de pontuações e manchas marrons e ocasionalmente lesões típicas em formato de diamantes que são geralmente vistas nas folhas. O processo e o período de tempo para ocorrer a infecção da semente pelo esporo do patógeno não está totalmente descrito, mas informações recentes mostram que o fungo pode infectar sementes pela infecção dos primórdios florais à medida que eles maturam nas sementes e acredita-se que este seja o principal meio de infecção da semente (CORSI de FILIPPI et al.; 2015).
A dimensão do bordo está diretamente relacionada com a resistência da variedade e com as condições climáticas, sendo estreita ou inexistente em variedades muito suscetíveis. As manchas individualizadas podem coalescer e tomar áreas significativas do limbo foliar; neste caso, aparecem grandes lesões necróticas, que se estendem no sentido das nervuras. A redução da área foliar fotossintetizante tem um reflexo direto sobre a produção de grãos. Quando a doença ocorre severamente nos estádios iniciais de desenvolvimento da planta, o impacto é tão grande que a queima das folhas acaba por levar a planta à morte (FONSECA et al.; 2015).
Controle
As principais estratégias de controle utilizadas são o emprego de variedades resistentes, práticas culturais e aplicação de fungicida de maneira integrada. As sementes devem ser sadias e livres do patógeno, bem como a adoção de práticas quarentenárias, visando evitar a entrada do patógeno em novas áreas. Em áreas extensivas de arroz de sequeiro deve-se realizar um bom preparo do solo, com aração profunda, e o plantio deve ser feito com uniformidade e a 2 cm de profundidade. O uso balanceado de fertilizantes também contribui para o controle da brusone. Quando são realizadas adubações com altos teores de nitrogênio, cria-se um ambiente ainda mais favorável para o desenvolvimento da doença, resultando em perdas quantitativas e qualitativas de grãos (IRGA, 2007).
No controle da brusone são empregados fungicidas tanto no tratamento de sementes quanto em pulverizações da parte aérea. Recomenda-se o uso de produtos registrados para a cultura. NUNES et al. (2015) concluíram que a aplicação da mistura de fungicidas com os ingredientes ativos Trifloxistrobina + tebuconazol + Triciclazol proporciona maior rendimento de grãos, demonstrando haver resposta produtiva ao controle químico da doença.
O manejo integrado da brusone objetiva controlar a população do patógeno a níveis toleráveis, sem causar danos econômicos à cultura, mediante a adoção de um conjunto de medidas preventivas, de maneira não isolada, como a resistência genética da cultivar, práticas culturais e controle químico (Prabhu & Filippi 2006). A utilização de fungicidas no controle de doenças torna-se importante, quando o grau de resistência da cultivar é ineficaz.
No manejo integrado da brusone, o fungicida é um componente importante, devido à curta durabilidade da resistência vertical e ao aumento da susceptibilidade das cultivares com resistência parcial, tanto em arroz de terras altas quanto irrigado (Prabhu & Filippi 2006). A eficiência da proteção de plantas, pelo uso de fungicidas, está ligada a vários fatores e depende do fungicida utilizado, intervalo de aplicação, número de aplicações, tempo de aplicação, misturas utilizadas e qualidade e tecnologia da aplicação. O fungicida utilizado deve ser tóxico ao patógeno e ter grande estabilidade metabólica, mesmo nas condições mais adversas de clima. Deve ser de baixo impacto ambiental e não fitotóxico à planta, evitando, assim, danos ao meio ambiente (Azevedo 2001).
O manejo tem como objetivo estabelecer um balanço entre a doença e a cultura no campo e evitar ações desfavoráveis, como o uso indiscriminado de agroquímicos, com possíveis efeitos sobre microorganismos não alvos. Muitos fungicidas diminuem a atividade antagonista no filoplano, enquanto outros a aumentam. Por isto, um amplo conhecimento dos produtos utilizados é imprescindível para que um resultado eficaz e ecologicamente correto seja alcançado (Prabhu & Filippi 2006).
Segundo DUFFY et al. (2000) e SANJAY et al. (2008) a combinação de antagonistas e fungicidas pode ser um dos meios de se otimizar o seu uso, aumentando a sua eficiência e permitindo a inserção do controle biológico em um sistema de manejo integrado de doenças. Não se recomenda a pulverização com fungicidas na fase vegetativa (30 e 55 dias após a semeadura). Após esse período, as folhas adquirem resistência e a brusone não causa danos significativos.
No controle químico, tanto no sistema irrigado como no sistema de sequeiro, é importante o emprego de produtos aplicados como tratamento de sementes e em pulverização da parte aérea. Vários produtos têm sido utilizados. A escolha dos mesmos pode ser feita de acordo com a eficiência do fungicida, sua disponibilidade no mercado e economicidade. Dentre os produtos comumente recomendados estão o benomyl, blasticidin-S, carbendazin, carboxin, edifenphos, kasugamicina, kitazin, maneb, mancozeb, thiabendazol, triciclazol e pyroquilon (BERGAMIN FILHO et al.; 1995).
Estratégias de manejo
Os danos causados pela brusone em arroz de terras altas podem ser reduzidos significativamente através de práticas culturais, uso de fungicidas no tratamento de sementes e em pulverizações da parte aérea e pelo uso de cultivares moderadamente resistentes. São recomendadas uma série de medidas que compõem o manejo integrado de doença, desde o plantio até a colheita.
Algumas estratégias citadas na literatura referem-se à sistematização do solo, reduzindo o número de aplicações preventivas necessárias; a época de semeadura, efetuando-a o mais cedo possível no período recomendado, visto que a incidência da brusone nas folhas é baixa nos plantios do mês de outubro; diversificação de cultivares para minimizar os prejuízos com a brusone; tratamento de semente com fungicidas sistêmicos de efeito residual prolongado; densidade de semeadura adequada pois altas populações de plantas favorecem o aumento da brusone, e por fim, a irrigação propriamente dita, devendo iniciar de 15 a 20 dias após a emergência das plântulas evitando o atraso da irrigação e mantendo a lâmina sempre ao redor de 10 cm (CORSI de FILIPPI et al.; 2015).
O maior espaçamento entre linhas e a menor densidade de semeadura, não excedendo 80 sementes por metro linear, são aconselháveis, principalmente para arroz de terras altas. As cultivares diferem quanto à severidade de brusone nas folhas em relação à densidade de semeadura.
O uso de cultivares resistentes tem sido o método mais eficiente, econômico e de fácil adoção pelos produtores para o controle da doença. Porém, a alta variabilidade genética do fungo, ocasiona, em geral, a perda da resistência da maioria das cultivares algumas safras depois do lançamento. Devido a isto, busca-se, através do melhoramento genético, a seleção de genótipos resistentes à brusone para a contínua substituição das cultivares que se tornam suscetíveis. Para o programa de melhoramento genético é muito importante que as cultivares possuam resistência vertical associada a um bom nível de resistência horizontal (Prabhu & Filippi 2006). Resistência vertical ou monogênica é de curta duração, pois possui interação diferencial entre as cultivares e as raças do patógeno, e resistência horizontal é um tipo de resistência poligênica, bastante duradoura, pois não há interação entre as cultivares e o patógeno, porém, difícil de ser detectada (ISHIY, 1981).
Recomenda-se ao produtor que faça a utilização de sementes certificadas, cultivares resistentes, época de semeadura na janela recomendada, adubação equilibrada, biocontrole e controle químico (SOSBAI, 2016). Atualmente o controle da brusone é realizado principalmente por meio do uso de cultivares resistentes e aplicação de fungicidas (SOSBAI, 2016).
Conclusão
O arroz é atualmente um alimento básico para grande parte da população humana. Esta cultura pode ser atacada por doenças em todos os estádios vegetativos, as perdas podem ser de até 100% dependendo da severidade do ataque do patógeno, com isso é importante conhecer as doenças, as formas de ataque e a forma de disseminação das mesmas para que seja possível combater a presença do patógeno na cultura. Assim, cuidados são necessários para que a incidência de doenças na lavoura seja diminuída, através de métodos de controle, utilizando também medidas preventivas.
O desafio para a pesquisa continua sendo a produção de alimento de alta qualidade em uma grande e crescente escala, e a custos baixos, na presença vários patógenos que podem gerar danos econômicos consideráveis. Todas as estratégias e técnicas de manejo que têm sido geradas pela pesquisa têm sido empregadas para combater essas doenças do arroz, mas em algumas ainda com sucesso limitado, como é o caso da Brusone.
Referências
AGROFIT: Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons>. Acesso em: 08 jan.2020.
BALARDIN, R.S.; BORIN, R.C. Doenças na cultura do arroz irrigado. Santa Maria: [s.n], 2001. 48p.il.
BEDENDO, I.P.; PRABHU, A.S. Doenças do Arroz. In: KIMATI, H.; AMORIM, L.; REZENDE, J.A.M.; BERGAMIN FILHO, A.; CAMARGO, L.E.A. Manual de Fitopatologia. 4 ed. São Paulo: Agronômica Ceres, 2005. p. 79-90.
BERGAMIN FILHO, A.; KIMATI, H.; AMORIN, L. (ed.) Manual de fitopatologia. v.1, 3 ed., São Paulo: Agronômica Ceres, 1995. 919p.
Elaboração: Engenheira Agrônoma Andréia Procedi – Equipe Mais Soja.