A capacitação dos pequenos, médios e grandes produtores, das populações originárias e tradicionais e das comunidades urbanas é o maior desafio para que a produção de alimentos no Brasil, seja agrícola, aquícola ou forestal, se torne resiliente e adaptada às mudanças climáticas, segundo concluíram os participantes da programação vespertina da edição Cerrado dos Diálogos pelo Clima, realizada na segunda-feira (26) em Cuiabá (MT).
Na palestra técnica, o pesquisador Giampaollo Pellegrino, integrante do Portfólio Clima, Recursos Naturais e Transformação Ecológica, da Embrapa, observou que a aceleração das mudanças é chamada hoje de “emergência climática’, com redução das janelas de plantio e das chuvas. “Para uma agricultura dependente do clima, precisamos reduzir o déficit hídrico, diversificar a produção, buscar novos modelos de produção e alternativas de insumos. Nosso desafio está em como transitar de uma situação de vulnerabilidade para uma condição de oportunidade de produção mais sustentável”, disse.
Para Pellegrino, felizmente, a pesquisa agrícola brasileira, nos últimos 50 anos, sempre preocupada com a conservação dos recursos naturais, criou considerável estoque de tecnologias que buscam a resiliência e sustentabilidade dos sistemas de produção, a ponto de se poder imaginar uma intensificação produtiva sustentável e uma agricultura regenerativa.
Ele lembrou tecnologias como o aprimoramento genético das espécies vegetais e animais, os sistemas agroflorestais e os sistemas integrados, o plantio direto, os cultivos sombreados, os métodos de recuperação de pastagens degradadas e de manejo florestal, o tratamento de dejetos agrícolas, a oferta de bioinsumos para substituir insumos de base fóssil e o BioAS, que monitora a saúde dos solos.
Pellegrino observou que todas essas tecnologias constituem um conjunto de boas práticas agrícolas e dão base a políticas públicas como o Zoneamento de Risco Climático (Zarc), que induz o uso de outras tecnologias, e o Plano ABC+, com métodos de adaptação e mitigação, que precisam chegar a todos envolvidos em sistemas de produção de alimentos, o que requer um grande esforço de capacitação.
“Mas precisamos também de uma atitude de prontidão, com um sistema de alertas contra a desmobilização de tecnologias comprovadamente efetivas, como o terraceamento contra erosões, que vem sendo abandonado por quem adotou o plantio direto. A intensificação sustentável precisa das duas’, concluiu.
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Mesa-redonda
Na mesa-redonda sobre resiliência e adaptação de sistemas alimentares, representantes de diferentes instituições governamentais, que operam no Cerrado, confirmaram o desafio da capacitação para a agricultura sustentável. A mediação foi do chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agrossilvipastoril, Rafael Pitta.
Cleiton Gauer, do Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), advertiu sobre a falta de mão de obra rural de todos os tipos, mas, sobretudo, sobre o descompasso entre a tecnologia existente e a prática tecnológica da produção local.
Janaina Diniz, da Universidade de Brasília (UnB), observou que, em razão dos custos, o que se pratica é a “tecnologia possível”, e que é preciso formar os jovens para a transição para a moderna tecnologia de resiliência e sustentabilidade.
Quêner dos Santos, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), lembrou que a atividade pesqueira, “que tem a menor pegada de carbono e maior impacto na segurança alimentar e na criação de trabalho e renda para as populações que vivem dos sistemas aquáticos”, recebe menos de 1% dos investimentos em capacitação e desenvolvimento tecnológico.
Thaís Oliveira, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), registrou que há 21 milhões de domicílios que dependem de capacitação para mitigar sua condição de insegurança alimentar, sobretudo os que vivem nos “desertos alimentares”, localidades sem comércio que ofereça alimentos saudáveis, que não sejam ultraprocessados.
Por fim, Saulo de Sousa, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), observou que a capacitação é crucial pois existe uma dificuldade em explicar a todos os diferentes usuários rurais e urbanos, desde a dona de casa até o produtor rural que irriga, o Índice de Segurança Hídrica (ISH). “Sem entender o ISH, todos percebem a emergência hídrica de maneira diferente e não conseguem contribuir na mesma direção”, disse.
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Roda de conversa
Na “roda de conversa” que se seguiu à mesa-redonda, lideranças dos centros de pesquisa da Embrapa, que operam no bioma Cerrado, apresentaram problemas e soluções que levarão à COP30.
Caroline Giacometti, da Embrapa Hortaliças, citou a importância da horticultura na questão da sustentabilidade, “percebida pela maioria”, dado o uso intensivo de defensivos e fertilizantes, e citou iniciativas em busca da sustentabilidade, tais como sistemas integrados de hortaliças e fruteiras, resgate das hortaliças não convencionais e a busca de cultivares mais tolerantes ao aquecimento.
Danielle de Bem, da Embrapa Pesca e Aquicultura, falou sobre as pesquisas de genética adaptativa para peixes nativos, em busca de maior resistência a doenças e ao estresse climático, e de sanidade e biossegurança no meio aquático.
Sebastião Pedro da Silva Neto, da Embrapa Cerrados, ressaltou que a região se apresenta como a maior oportunidade de restauração ambiental, pois reúne a maior área de produção de grãos, fibras e pecuária, e a maior extensão de pastagens degradadas, “que não produzem, não sequestram carbono e não permitem a infiltração da água” na intensidade desejada.
Flávio Wruck, da Embrapa Agrosilvipastoril, observou que espalhar o conhecimento que gera sustentabilidade no bioma esbarra em questões de comunicação e que a melhor maneira de resolver isso é deixar o produtor ser o protagonista dessa ação, “pois é ele que usa a linguagem adequada”. Para Wruck, também é importante precificar os ganhos ambientais que o produtor não enxerga, “como o sequestro de carbono, a infiltração da água e a aeração dos solos”.
Por fim, Luis Chitarra, da Embrapa Algodão, lembrou a importância do algodão no sistema de produção soja-milho-algodão, que mantém o solo com cobertura vegetal e quebra o ciclo de vida de insetos-praga nas culturas.