Inseticidas são ferramentas essenciais na proteção de culturas agrícolas, inclusive da soja. Os ingredientes ativos disponíveis atualmente são classificados pelo Comitê de Ação contra Resistência a Inseticidas (IRAC) em cerca de 30 grupos diferentes, cada qual apresentando um modo de ação distinto. Nos primeiros seis artigos dessa série, abordamos o funcionamento dos inseticidas de ação neuromuscular. Hoje, iniciaremos o estudo de outro grande grupo de inseticidas: os reguladores de crescimento e desenvolvimento. Para isso, precisamos compreender primeiro como funciona o processo fisiológico de crescimento dos insetos.
Os insetos não possuem esqueleto ósseo interno. Seus músculos fixam-se ao tegumento externo (ou seja, sua “pele”), denominado exoesqueleto. Essa estrutura serve também para proteger os órgãos internos do inseto. O tegumento é composto por uma camada de células epidérmicas sobre uma membrana basal, a partir da qual emerge a cutícula. Esta, por sua vez, apresenta três camadas sucessivas: a mais externa, denominada epicutícula, é fina, cerosa e impermeável, evitando a perda excessiva de água pelo inseto; a intermediária, denominada exocutícula, é rígida devido à interligação de fibras e minerais, sendo predominante em besouros; e a mais interna, denominada endocutícula, é resistente mas flexível, sendo característica de lagartas. As fibras protéicas que compõem a exocutícula e a endocutícula são entremeadas por longas cadeias de quitina, um polissacarídeo nitrogenado (C8 H13 O5 N) que lhes confere a rigidez (Figura 1).
Figura 1. Representação das camadas sucessivas que compõem a cutícula dos insetos, depositadas sobre a epiderme. Fibras de quitina entremeiam-se à exocutícula e à endocutícula, mas estão ausentes na epicutícula.Fonte: SALGADO, V. L. (2013). Confira a imagem original clicando aqui.
Os insetos crescem através de mudas periódicas, passando por diferentes fases: ovos eclodem e geram um inseto imaturo, que pode passar por vários estágios imaturos subsequentes antes de emergir como um adulto. Como o exoesqueleto não pode ser expandido, o inseto precisa abandoná-lo e substituí-lo por um exoesqueleto maior a cada muda.
Esse processo de troca de tegumento é denominado ecdise e pode ser comparado ao ato de colocar um casaco sobre uma blusa, para então remover a blusa. Primeiro, a epiderme se separa da cutícula e se expande por divisão celular, simultaneamente secretando um fluido digestivo inativo no espaço sub-cuticular recém formado. Essa substância, denominada fluido da ecdise, contém enzimas capazes de degradar as camadas da cutícula que contém quitina (endocutícula e exocutícula, conjuntamente chamadas de procutícula).
Após ser digerida, a procutícula é reabsorvida através de poros na nova cutícula secretada pela epiderme. A única camada que não é re-absorvida é a mais externa (epicutícula); esta será rompida pelo inseto ao longo da chamada linha de ecdise e abandonada, constituindo o que popularmente chamamos de “cascas” dos insetos. As cascas das cigarras são um exemplo comum. Após livrar-se da cutícula velha, o inseto engole grandes quantidades de ar para expandir a nova cutícula antes que ela endureça e escureça, processo este que pode levar algumas horas; em algumas espécies, o inseto também come a própria cutícula velha para recuperar os nutrientes. A Figura 2 ilustra as seis etapas típicas da ecdise.
Figura 2. Processo de mudança de tegumento (ecdise) em insetos.Fonte: SALGADO, V. L. (2013). Confira a imagem original clicando aqui.
A ecdise pode envolver mudanças de tamanho e também de forma, como de larva para pupa ou pupa para adulto; nesse caso, é denominada metamorfose. Esse processo é regido por dois hormônios sob controle do sistema nervoso: o esteróide ecdisona, produzida pela glândula protorácica, e o hormônio juvenil, produzido por um par de glândulas cerebrais denominadas corpora allata. Picos de ecdisona induzem o processo de muda no inseto, enquanto a presença do hormônio juvenil em altas concentrações preserva as características imaturas do inseto durante a muda. Portanto, a produção de hormônio juvenil precisa ser interrompida durante a metamorfose, para que o inseto passe à sua forma adulta. Posteriormente a produção é retomada, uma vez que esse hormônio regula também a maturidade sexual das fêmeas.
De acordo com a classificação do IRAC, existem sete grupos de inseticidas reguladores de crescimento. Os mímicos do hormônio juvenil e os mímicos da ecdisona ativam os respectivos receptores desses hormônios, enquanto os quatro grupos de inibidores da síntese de quitina impedem a formação da nova cutícula durante a muda de tegumento. Já o grupo mais recente de reguladores de crescimento não afeta diretamente os processos de muda e metamorfose, mas inibe a síntese de lipídios (ácidos graxos), moléculas essenciais para o crescimento dos insetos.
Inicialmente abordaremos os mímicos do hormônio juvenil, inseticidas pertencentes ao Grupo IRAC 7. Esse grupo inclui importantes ingredientes ativos, como piriproxifen, fenoxicarbe, hidroprene, metoprene e quinoprene. Essas moléculas imitam a ação do hormônio juvenil nos insetos, ligando-se aos seus receptores e inibindo a expressão de genes necessários para formar estruturas adultas durante o processo de muda. Portanto, esses inseticidas não controlam insetos adultos, nem estágios larvais iniciais, cuja muda não gera estruturas novas. Por outro lado, o processo de metamorfose (ou seja, muda do inseto imaturo para adulto) é severamente afetado, resultando em uma muda incompleta que leva o inseto à morte.
Em alguns casos, a ecdise ocorre mesmo sob efeito do inseticida; entretanto, a alta concentração de hormônio juvenil impede que as estruturas adultas se desenvolvam, e o inseto passa para mais um estágio imaturo, que não ocorreria de forma natural. Embora a praga permaneça viva, ela não será capaz de se reproduzir, impedindo o aumento da população infestante. Piriproxifen, por exemplo, apresenta alta eficiência de controle sobre mosca-branca, além de possuir efeito ovicida. Usos não-agrícolas dos mímicos do hormônio juvenil incluem controle de larvas de mosquitos, pulgas em animais domésticos e moscas em bovinos.
A resistência aos mímicos do hormônio juvenil, quando presente, ocorre por metabolização do ingrediente ativo pelas enzimas monoxigenases P450 e glutationas S-transferases (GSTs) no organismo do inseto. Os inseticidas pertencentes a esse grupo são relativamente não-tóxicos para mamíferos e moderadamente tóxicos para invertebrados aquáticos. Os perfis de persistência no ambiente variam entre os ingredientes ativos, mas a maioria apresenta baixa solubilidade em água e baixo risco de lixiviação.
Portanto, os mímicos do hormônio juvenil são ferramentas eficientes e seletivas para o controle de pragas agrícolas. Como o seu efeito restringe-se às fases imaturas, não exercendo controle sobre insetos adultos, recomenda-se sua aplicação no início da infestação pela praga. Na próxima semana, entenderemos o funcionamento de outro importante grupo de inseticidas reguladores de crescimento: as benzoiluréias, capazes de inibir a síntese de quitina nos insetos.
A reprodução desse texto, ou partes dele, deve ser precedida de autorização dos autores e acompanhada de citação da seguinte fonte: POZEBON, H.; ARNEMANN, J. A. Como funcionam os inseticidas reguladores de crescimento? Portal Mais Soja. 2021. Disponível online.
Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
REFERÊNCIAS:
SALGADO, V. L. 2013. BASF Insecticide Mode of Action Technical Training Manual. Disponível em: https://agriculture.basf.com/global/assets/en/Crop%20Protection/innovation/BASF_Insecticide_MoA_Manual_2014.pdf
IRAC. 2018. Mode of Action Classification Scheme.
Disponível em: https://www.irac-online.org/documents/moa-structures-poster-english/?ext=pdf
[…] fim, utilizar esses reguladores permite um melhor controle de pragas nas plantações. Por conta desses fatores, o uso de reguladores de crescimento é uma estratégia […]