A pecuária exerce extrema relevância no Brasil desde a sua colonização até os dias atuais. A instauração das primeiras cabeças de gado no Rio Grande do Sul (RS) advém de meados de 1682 (Marco Fialho, 2023), com a chegada dos jesuítas e suas tropas originárias na margem Oeste do Rio Uruguai. Essa iniciativa marcou a fundação dos Sete Povos e o primeiro ciclo pecuário: o ciclo do couro.
Segundo o Boletim CiCarne (Embrapa, 2021), o Brasil é o 2º maior produtor de carne bovina do mundo, com um volume de 14,34% da produção, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que é detentor de 17,09% da produção total. Entre as unidades da federação, o Rio Grande do Sul possui, atualmente, o sétimo maior rebanho do Brasil, representando cerca de 5% do plantel nacional.
Nas últimas décadas, porém, nota-se uma diminuição das áreas utilizadas para a pecuária bovina na região Sul do Brasil, devido ao arrendamento completo destes territórios para a implementação de sistemas que, pela crença popular, propiciam maior rentabilidade por área cultivada. Notoriamente, é o caso da cultura da soja que segue ganhando cada vez mais espaço nas terras agricultáveis do estado Rio-Grandense.
Em geral, os avanços mais expressivos da sojicultura ocorreram em direção ao sudoeste e ao sudeste do Estado, em substituição de áreas de pastagem e de outras lavouras temporárias, como o milho, por exemplo. Somado a isso, o abandono da atividade pecuária pela falta de retorno financeiro e a baixa produção média do RS por hectare produzido – que gira em torno de 60kg a 70kg de peso vivo/hectare/ano – tornam-se questões significativas a serem analisadas.
Entretanto, é visível a magnitude da cadeia produtiva de grãos tanto para o sistema brasileiro, em configuração de aporte ao PIB nacional, como para o sistema agronômico, na rotação de culturas e sistemas. Deste aspecto último, deriva o propósito da condução de áreas de Integração Lavoura Pecuária (ILP), que é conceituado como um sistema de uso contínuo das terras agrícolas na qual se alterna, na mesma área, o estabelecimento de pastagens (azevém, aveia, centeio, etc.), direcionada à alimentação de rebanhos, e de espécies graníferas (soja, milho, arroz, etc.). Tudo isso com o intuito de engrandecer a propriedade rural em dois aspectos principais: financeiro e agronômico.
Em síntese, a ILP traz ao produtor rural a oportunidade da diversificação da renda da propriedade, por tratar-se de uma quebra do efeito sazonal que é a safra de grãos, principalmente para aquele que não possui silo para armazenamento, além de não depender exclusivamente do mercado e das condições climáticas do ano em questão.
Vale ressaltar que o melhoramento genético das raças bovinas aperfeiçoou a seleção de características desejáveis por meio de cruzamentos entre raças já existentes, no intuito de aumentar a rusticidade, o desempenho, a eficiência e a qualidade do animal, juntamente com a resistência a doenças e parasitas, o que resulta em melhores resultados financeiros e metodológicos ao produtor. Somado a isso, as novas tecnologias das culturas de grãos como o aumento da produtividade, as modernas arquiteturas das plantas e os materiais com diferentes ciclos de produção, tem sido um atrativo gigantesco para aqueles que estão ou querem iniciar no sistema de produção de grãos.
O manejo das áreas de ILP no RS pode ser abordado, em geral, sob 3 olhares distintos: pastagem anual de inverno e cultura de grãos no verão; pastagem anual de verão e cultura de grãos no inverno; e pastagens perenes em áreas por maiores períodos para, posteriormente, ocorrer a rotação com culturas de grãos.
Como fatores positivos desta integração, pode-se citar o aumento da reciclagem de nutrientes, tendo em vista que os nutrientes das pastagens consumidos pelo animal, quase em totalidade, é devolvido ao sistema em forma de dejetos, ou seja, ocorre uma redistribuição de nutrientes na área. Há também grande produção de palha para a cultura de grãos subsequente, haja vista que os animais não consomem em totalidade a forragem disponível. Esse consumo de forragem por parte do animal favorece o crescimento radicular destas espécies, o que pode levar a melhora na estrutura física do solo.
No entanto, a presença dos animais na área acrescenta mais um fator a ser manejado. O excesso de carga animal (Peso Vivo/hectare) é um dos fatores que mais explicam a baixa produção pecuária, por quesitos como: mau aproveitamento da forragem, tendo em vista que os animais estarão comendo apenas colmo, em vez de folhas; pode trazer a compactação do solo na área pelo pisoteio animal; há um baixo GMD (Ganho Médio Diário) por animal e por área. Para o pleno funcionamento do sistema, o planejamento forrageiro necessita ser desempenhado com afinco, pois é a partir deste que pode-se chegar no resultado desejado.
Existem aspectos importantes a serem observados como a escolha da espécie vegetal adequada para o local, pois há forrageiras, por exemplo, que exigem melhores condições de fertilidade de solo. Assim como há outras que são mais resistentes a solos hidromórficos. Ademais, é necessário respeitar a altura de resíduo de pastejo das diferentes espécies forrageiras, ou seja, manter matéria verde sobre o solo, para evitar a compactação, melhorar o consumo dos animais e evitar a compactação e a introdução de espécies daninhas na área.
No que tange às culturas, há estudos que mostram que se a integração seguir de forma coordenada e respeitosa às interações ambientais, as produções de grãos podem ser iguais ou até maiores quando comparadas a sistemas sem a integração. Assim, possuindo o sistema de plantio direto na área pode-se trazer benefícios como a introdução de matéria orgânica no solo pelo não revolvimento no momento de semeadura da cultura, além de diminuir os custos da pastagem posterior pelo aproveitamento parcial da adubação feita para a cultura de grãos.
Evidencia-se, portanto, que o sistema de Integração Lavoura-Pecuária intensifica a utilização das terras no Rio Grande do Sul, contribuindo com vantagens financeiras e biológicas. Vale ressaltar que para o bom funcionamento da atividade é necessário seguir um planejamento técnico com pilares fundamentais como a escolha das terras com aptidão para a atividade, a fertilização da área, o adequado planejamento forrageiro, a utilização de plantio direto e a introdução de genótipos melhorados na propriedade rural.
Sobre o autor: Gustavo Pires Luft é acadêmico do 8° semestre de agronomia, Bolsista do grupo PET Agronomia e Integrante do Laboratório de Ecologia de Pastagens Naturais – LEPAN Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Referências bibliográficas:
Citadas:
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Consultadas:
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