Novas técnicas de edição genética exigem que revisitemos conceitos e o nosso arcabouço regulatório, a exemplo da Lei de Proteção de Cultivares (LPC).

*Por Alexandre Nepomuceno, Chefe-geral do Centro Nacional de Pesquisa de Soja (CNPS), da Embrapa Soja

A Lei nº 9.456, conhecida como Lei de Proteção de Cultivares (LPC), completou 25 anos de existência neste ano. A sua implementação foi uma das responsáveis por assegurar os direitos relativos à propriedade intelectual no desenvolvimento de variedades vegetais comerciais no Brasil. Ela possibilitou a regulamentação, o investimento em inovação e o crescimento do mercado nacional de se- mentes, garantindo ao produtor rural sementes e mudas de qualidade. Essa foi uma das forças que fez o agronegócio brasileiro se tornar um dos setores mais pujantes e a base da economia no País.

Entretanto, ao longo desses 25 anos, novas tecnologias na área de Genética surgiram e mudaram os mercados brasileiro e mundial de sementes. O desenvolvimento das plantas geneticamente modificadas (GM) em meados da década de 1990 foi uma delas. Desde então, e até hoje, os transgênicos ou as plantas GM agregam uma série de características de interesse, em especial a resistência a insetos e a tolerância a herbicidas.

A adoção global de culturas GM aumentou centenas de vezes nas últimas duas décadas, trazendo muitos benefícios para toda a agricultura, mas com um especial peso no setor de produção de sementes. Por exemplo, as tecnologias associadas aos organismos geneticamente modificados (OGMs) tornaram-se fundamentais para a produção de alimentos de maneira sustentável. Sem elas, o sistema de plantio direto não seria viável na amplitude com que é utilizado hoje no Brasil dada a sua imensa sinergia com as plantas transgênicas resistentes a herbicidas.

Chegada da técnica de edição de genomas CRISPR

As estruturas regulatórias que foram criadas em cada país para avaliar a biossegurança dos OGMs, entretanto, encare- ceram e prolongaram em demasia o processo de liberação comercial deles. Isso acabou estabelecendo requisitos muito complexos e, várias vezes, desnecessários para a avaliação de risco. Na prática, o uso de OGMs limitou-se a poucas empresas que podem arcar com os custos de uma liberação comercial. Outro efeito causado por essa regulamentação excessivamente complexa foi o de limitar o uso da tecnologia a poucas culturas de grande retorno econômico, como as commodities agrícolas.

Porém, a evolução tecnológica não parou nos transgênicos. Nos últimos dez anos, foi desenvolvida a técnica de edição de genomas Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR – ou, em português, Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas). Esta é uma ferramenta de manipulação de DNA mais precisa, rápida e barata quando comparada a técnicas anteriores de edição gênica (zinc fingers, TALENs, meganucleases etc.).

Um dos diferenciais nos Organismos Editados (OEs) é a possibilidade de alteração do DNA da espécie-alvo sem a necessidade de inserção do DNA de outras espécies que existe no caso dos transgênicos. Isso é especialmente verdade quando a edição do genoma é feita utilizando estratégias de “mutações sítio-dirigidas”, que se assemelham a mutações que ocorrem naturalmente.

Nesse contexto, muitos países têm considerado os OEs, utilizando essas estratégias como convencionais. Ou seja, trata-se de organismos que sofreram mutações semelhantes às que já ocorrem na natureza ou que foram obtidos por outras técnicas já consagradas de produção de variabilidade genética, a exemplo do melhoramento clássico e da indução de mutações por radiações ionizantes ou agentes químicos.

Necessidade de modernização da LPC

Alinhado a essas nações, por meio da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o Brasil estabeleceu a Resolução Normativa nº 16 (RN16), que regulamentou o uso da edição gênica, aqui denominada de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP). A RN16 prevê que as solicitações de análise sejam encaminhadas à CTNBio por meio de uma carta-consulta e sejam avaliadas caso a caso. A depender do tipo de edição gênica realizada, o organismo em questão poderá não ser considerado como GM, ou seja, será categorizado como um organismo convencional.

As oportunidades de um organismo que, mesmo tendo o seu genoma editado por meio da introdução de uma determinada característica de interesse, seja considerado convencional são enormes. Começando pela redução dos custos, por não ser necessário passar por um processo de desregulamentação complexo, diferenciando-se do que ocorre com os OGMs. A biossegurança fica preservada, pois há uma pré-análise das agências regulatórias.

Mas o principal ganho é do ponto de vista tecnológico. Há agregação de valor e possibilidade de solução de desafios antes difíceis, que levavam décadas para ser resolvidos, ou mesmo problemas outrora impossíveis de ser resolvidos via melhoramento clássico. Por meio da técnica CRISPR, a custos mais razoáveis e com a rapidez que o agronegócio necessita, esses obstáculos podem ser superados agora.

Entretanto, a LPC, quando implementada, não previa essa evolução tecnológica na edição de genomas, que, a depender da técnica utilizada, impossibilita saber se a(s) mutação(ões) introduzida(s) fora(m) feita(s) pelo ser humano ou pela natureza. Nesse sentido, a LPC deve ser modernizada para que o investimento científico e tecnológico feito no desenvolvimento de uma nova variedade comercial com base nessas tecnologias seja recompensado. Do contrário, o uso dessa ferramenta tão importante para produzir variabilidade genética, trazendo novas soluções a problemas e agregando valor a produtos do agronegócio, não terá todo o seu potencial explorado.

Fonte: Assessoria de Imprensa CropLife Brasil



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