Os fungicidas, baseado no espectro de ação, podem ser classificados em sítio-específicos ou multissítios. Fungicidas sítio-específicos são ativos contra um único ponto da via metabólica de um patógeno ou contra uma única enzima ou proteína necessária para o fungo. Uma vez que esses fungicidas são específicos em sua toxicidade, eles podem ser absorvidos pelas plantas e tendem a ter propriedades sistêmicas (McGrath, 2004).
Dentre os principais modos de ação sítio-específicos, utilizados no controle de doenças na cultura da soja, destacam-se os fungicidas metil benzimidazol carbamato (MBC), os inibidores da desmetilação (IDM), os inibidores de quinona externa (IQe) e os inibidores da succinato desidrogenase (ISDH). Como resultado dessa ação específica, os fungos são mais propensos a se tornarem resistentes a tais fungicidas porque uma única mutação no patógeno pode reduzir a sensibilidade ao fungicida.
Na cultura da soja, populações do fungo Corynespora cassiicola resistentes a MBC, IQe (Xavier et al., 2013; Teramoto et al.,2017; FRAC, 2019) e de Phakopsora pachyrhizi menos sensíveis a IDM, IQe e ISDH têm sido relatadas (Schmitz et al., 2014; Klosowski et al., 2016; Simões et al., 2018).
Fungicidas multissítios afetam diferentes pontos metabólicos do fungo e apresentam baixo risco de resistência, tendo um papel importante no manejo antirresistência para os fungicidas sítio-específicos (McGrath, 2004). Em razão da menor sensibilidade de fungos aos fungicidas sítio-específicos na cultura da soja, fungicidas multissítios têm sido avaliados em experimentos cooperativos para aumentar as opções de controle de doenças na cultura.
O objetivo dos experimentos cooperativos é a avaliação da eficiência de controle no alvo biológico. Para isso são utilizadas aplicações sequenciais de fungicidas. No entanto, isso NÃO CONSTITUI UMA RECOMENDAÇÃO DE CONTROLE. As informações devem ser utilizadas dentro de um sistema de manejo, priorizando sempre a rotação de fungicidas com diferentes modos de ação para atrasar o aparecimento de resistência do fungo, adequando o manejo a época de semeadura, cultivar, tamanho da propriedade e logística de aplicação, condições climáticas e incidência de doenças na região e na propriedade.
Nos experimentos cooperativos da safra 2018/19 foram realizados dois protocolos com fungicidas multissítios, avaliando os fungicidas isolados e associados com o fungicida sítio-específico Fusão EC®, Ihara (metominostrobina + tebuconazol). O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados sumarizados dos experimentos realizados na safra 2018/19, para controle da ferrugem-asiática na cultura da soja.
Material e Métodos
Foram conduzidos 24 experimentos por 16 instituições na safra 2018/19 (Tabela 1).
O primeiro protocolo foi realizado com os fungicidas multissítios isolados (Tabela 2) e o segundo com os fungicidas em associação com metominostrobina + tebuconazol 79,7+119,62 g i.a. ha-1 (Fusão EC, Ihara) (Tabela 3). Além de fungicidas multissítios, o fungicida fluazinan, sítio-específico, foi incluído nos protocolos. O fungicida piraclostrobina + epoxiconazol + fluxapiroxade 65+40+40 g i.a./ha, (Ativum, BASF), foi utilizado como padrão de controle.
Vários fungicidas avaliados (Tabela 2) apresentam registro no MAPA para o controle de patógenos da soja: Cercospora kikuchii (tratamentos 5, 6, 14, 18 e Tabela 3 – tratamentos 15 e 16), Septoria glycines (tratamentos 2, 4, 5, 6 e 18), Corynespora cassiicola (tratamentos 6, 17 e 18), Phakopsora pachyrhizi (tratamentos 2, 4, 6, 17 e 18), Sclerotinia sclerotiorum (tratamentos 16 e 17), Erysiphe diffusa (tratamentos 2, 4 e 18), Rhizoctonia solani (tratamento 18) e Pseudomonas savastanoi pv. glycinea (tratamento 14 e Tabela 3 – tratamento 15). Todos os fungicidas não registrados na cultura da soja ou para o alvo biológico P. pachyrhizi apresentam Registro Especial Temporário (RET III).

A lista de tratamentos (Tabelas 2 e 3), o delineamento experimental e as avaliações foram definidos com protocolo único, para a realização da sumarização conjunta dos resultados. O delineamento experimental foi blocos ao acaso com 18 (Tabela 2) e 21 tratamentos (Tabela 3) e, no mínimo, quatro repetições.
Cada repetição foi constituída de parcelas com, no mínimo, seis linhas de cinco metros. As aplicações iniciaram-se no pré-fechamento das linhas de semeadura, aos 52 dias (± 7 dias) após a semeadura, e os dois protocolos foram conduzidos na mesma área, em cada local.
Foram realizadas três a quatro aplicações, com intervalos médios de 15 dias (± 1,3 dias) entre a primeira e a segunda aplicação, 14 dias (± 1 dia) entre a segunda e a terceira e 15 dias (± 2 dias) entre a terceira e a quarta aplicação (20 experimentos).

Para a aplicação dos produtos foi utilizado pulverizador costal pressurizado com CO2 e volume de aplicação mínimo de 120 L/ha. Foram realizadas avaliações da severidade e/ou incidência das doenças no momento da aplicação dos produtos, da severidade periodicamente e após a última aplicação e da produtividade em área mínima de 5 m² centrais de cada parcela.
Para a análise conjunta, foram utilizadas as avaliações da severidade da ferrugem, realizadas entre os estádios fenológicos R5 (início de enchimento de grãos) e R6 (vagens com 100% de granação) e da produtividade.
Foram realizadas análises de variância exploratória para cada local. Além das análises exploratórias individuais, a severidade final, a correlação entre a severidade da ferrugem próxima ao estádio R6, a produtividade e a diferenciação entre os tratamentos nas análises individuais foram utilizadas na seleção dos experimentos que compuseram as análises conjuntas.
As análises conjuntas de severidade e de produtividade foram realizadas utilizando-se técnicas de modelos lineares generalizados mistos, os quais permitem a adoção de distribuições não-normais e a acomodação dos efeitos das interações entre locais e tratamentos por meio de alterações na estrutura da matriz de variâncias e covariâncias. Para identificar todos os tratamentos com prováveis efeitos semelhantes, foi utilizado o teste de comparações múltiplas de Tukey (p≤0,05).
Todos os modelos investigados foram obtidos usandose o procedimento glimmix, em rotinas implementadas no sistema SAS/STAT® software, Versão 9.4. Copyright© 2016 SAS Institute Inc.
Resultados
Na sumarização conjunta do protocolo com multissítios isolados, os experimentos dos locais 4, 19, 23 e 24 (Tabela 1) foram eliminados em razão da baixa severidade de ferrugem e/ou baixa correlação entre severidade e produtividade. Além desses, na análise do protocolo com multissítios em associação com metominostrobina + tebuconazol, o experimento do local 12 foi retirado das análises.
No protocolo com aplicação dos produtos isolados, o maior controle foi observado para o tratamento com fungicida sítio-específico piraclostrobina + epoxiconazol + fluxapiroxade 65+40+40 g i.a. ha-1 (T18 – 48%) (Tabela 4). Entre os multissítios, o maior controle foi observado para o tratamento com clorotalonil 1080 g/i.a./ha, Previnil (T2 – 44%), que se diferenciou das demais formulações de clorotalonil. As formulações com mancozebe apresentaram severidade semelhante, com controle variando de 36% (T6, T7 e T9) a 38% (T8). O menor controle foi observado para o tratamento com sulfato de cobre (T15 – 24%), sendo inferior aos demais fungicidas cúpricos. O tratamento com fluazinan apresentou controle superior (T16 – 36%) ao tratamento com fluazinan + tiofanato metílico (T17 – 32%).
A maior produtividade foi observada para o tratamento com o fungicida sítio-específico piraclostrobina + epoxiconazol + fluxapiroxade 65+40+40 g/i.a./ha (T18 – 2924 kg/ha) seguido de clorotalonil 1080 g/i.a./ha, Previnil (T2 – 2801 kg/ha), mancozebe 1080 g/i.a./ha, (T8 – 2711 kg/ha), mancozebe 1125 g/i.a./ha (T6 – 2704 kg/ha), oxicloreto de cobre + mancozebe 302,4+450 g/i.a./ha (T10 – 2689 kg/ha), oxicloreto de cobre + clorotalonil 630+600 g i.a./ha (T5 – 2683 kg ha-1) e fluazinan 500 g/i.a./ha (T16 – 2681 kg/ha). Todos os tratamentos apresentaram produtividade superior a testemunha sem fungicida. A redução média de produtividade, comparando o tratamento com a maior produtividade (T18 – 2924 kg/ha) e a produtividade do tratamento sem fungicida (T1 – 1938 kg/ha) foi de 34%. A correlação (r) da variável severidade com produtividade foi de -0,98 (p<0,001).
No protocolo com aplicação dos fungicidas associados ao fungicida metominostrobina + tebuconazol 79,7+119,62 g/i.a./ha (Fusão) todas as associações aumentaram a eficiência de controle em relação ao fungicida metominostrobina + tebuconazol sozinho (T2 – 49%) (Tabela 5). Os maiores controles foram observados para os tratamentos em associação com cloratolonil 1080 g i.a. ha-1, Previnil (T3 – 72%) e oxicloreto de cobre + clorotalonil 630 + 600 g/i.a./ha (T6 – 69%) seguido dos tratamentos com associações com cloratolonil 1080 g/i.a./ha (T5 – 69% e T4 – 68%) e oxicloreto de cobre + mancozebe 302,4 + 450 g/i.a./ha (T11 – 67%). O menor controle ocorreu para o tratamento em associação com sulfato de cobre 220 g/i.a./ha (T18 – 52%).
As maiores produtividades foram observadas para os tratamentos com as associações de metominostrobina + tebuconazol e os fungicidas multissítios: oxicloreto de cobre + mancozebe 302,4 + 450 g/i.a./ha (T11 – 3242 kg/ha), clorotalonil 1080 g/i.a./ha (T3 – 3218 kg/ha), mancozebe 1201,5 g i.a. ha-1 (T10 – 3196 kg/ha), mancozebe 1125 g/i.a./ha (T8 – 3182 kg/ha), mancozebe 1200 g/i.a./ha (T9 – 3136 kg/ha), mancozebe 1125 g i.a. ha-1 (T7 – 3135 kg ha-1), oxicloreto de cobre + clorotalonil 630 + 600 g/i.a./ha (T6 – 3130 kg/ha) e clorotalonil 1080 g/i.a./ha (T5 – 3115 kg/ha), sendo todas as produtividades semelhantes a produtividade do fungicida padrão piraclostrobina + epoxiconazol + fluxapiroxade 65+40+40 g i.a. ha-1 (T21 – 3170 kg/ha). A produtividade da associação com o fungicida fluazinan + tiofanato metílico 375 + 375 g/i.a./ha (T20 – 2871 kg ha-1) não diferiu da produtividade do fungicida metominostrobina + tebuconazol 79,7+119,62 g/i.a./ha isolado (T2 – 2767 kg/ha). A redução média de produtividade, comparando o tratamento com a maior produtividade (T11 – 3242 kg/ha) e a produtividade do tratamento sem fungicida (T1 – 2008 kg/ha) foi de 38%. A correlação (r) da variável severidade com produtividade foi de -0,96 (p<0,001).
Nos experimentos cooperativos os fungicidas são avaliados individualmente, em aplicações sequenciais, para determinar a eficiência de controle. Os experimentos são realizados em semeaduras tardias para aumentar a probabilidade de ocorrência da ferrugem nos experimentos, evitando o escape que ocorre nas primeiras semeaduras.
As informações devem ser utilizadas na determinação de programas de controle, priorizando sempre a rotação de fungicidas com diferentes modos de ação e adequando os programas à época de semeadura. Os resultados desse trabalho são de pesquisa e não devem ser utilizados como recomendação no campo. Os fungicidas multissítios podem ser uma ferramenta importante em programas de manejo da ferrugem-asiática na soja, sendo necessário o registro no MAPA para a sua utilização.
Referências
FRAC. Fungicide Resistance Action Committee – FRAC. Minutes of the 2019 QoI Working Group. Brussels, Belgium: FRAC, 2019. Disponível em: <https://www.frac.info/working-group/qoi-fungicides>. Acesso em: 9 jul. 2019.
KLOSOWSKI, A. C.; MAY DE MIO, L .L.; MIESSNER, S.; RODRIGUES, R.; STAMMLER, G. Detection of the F129L mutation in the cytochrome b gene in Phakopsora pachyrhizi. Pest Management Science, v. 72, p. 1211-1215, 2016.
MCGRATH, M. T. What are fungicides? The Plant Health Instructor. 2004. DOI: 10.1094/ PHI-I-2004-0825-01.
SCHMITZ, H. K.; MEDEIROS, C. A.; CRAIG, I. R.; STAMMLER, G. Sensitivity of Phakopsora pachyrhizi towards quinone-outsideinhibitors and demethylation-inhibitors, and corresponding resistance mechanisms. Pest Management Science, v. 70, p. 378-388, 2014.
SIMÕES, K.; HAWLIK, A.; REHFUS, A.; GAVA, F.; STAMMLER, G. First detection of a SDH variant with reduced SDHI sensitivity in Phakopsora pachyrhizi. Journal of Plant Diseases and Protection, v. 125, p. 21-26, 2018.
TERAMOTO, A.; MEYER, M. C.; SUASSUNA, N. D.; CUNHA, M. G. In vitro sensitivity of Corynespora cassiicola isolated from soybean to fungicides and field chemical control of target spot. Summa Phytopathologica, v. 43, n. 4, p. 281-289, 2017.
XAVIER, S. A.; CANTERI, M. G.; BARROS, D. C. M.; GODOY, C. V. Sensitivity of Corynespora cassiicola from soybean to carbendazim and prothioconazole. Tropical Plant Pathology, v. 38, p. 431-435, 2013.
Autores: Cláudia Vieira Godoy, engenheira-agrônoma, doutora, Embrapa Soja, Londrina, PR; Carlos Mitinori Utiamada, engenheiro-agrônomo, TAGRO, Londrina, PR;
Maurício Conrado Meyer, engenheiro-agrônomo, doutor, Embrapa Soja, Londrina, PR; Hercules Diniz Campos, engenheiro-agrônomo, doutor, Universidade
de Rio Verde, Rio Verde, GO; Ivani de Oliveira Negrão Lopes, matemática, doutora, Embrapa Soja, Londrina, PR; Alfredo Riciere Dias, engenheiro-agrônomo,
mestre, Fundação Chapadão, Chapadão do Sul, MS; Cláudia Barbosa Pimenta, engenheira-agrônoma, mestre, Emater-GO, Goiânia, GO; Fabiano Victor
Siqueri, engenheiro-agrônomo, Fundação Mato Grosso, Rondonópolis, MT; Fernanda Cristina Juliatti, engenheira-agrônoma, mestre, JuliAgro, Uberlândia, MG; Fernando Cezar Juliatti, engenheiro-agrônomo, doutor, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG; Fernando Favero, engenheiro-agrônomo, mestre, Centro de Pesquisa Agrícola Copacol, Cafelândia, PR; Ivan Pedro Araújo Júnior, engenheiro-agrônomo, Fundação Mato Grosso, Rondonópolis, MT; João Maurício Trentini Roy, engenheiro-agrônomo, Centro de Pesquisa Agrícola Copacol, Cafelândia, PR; José Fernando Jurca Grigolli, engenheiro agrônomo, doutor, Fundação MS para Pesquisa e Difusão de Tecnologias Agropecuárias, Maracaju, MS; José Nunes Junior, engenheiro-agrônomo, doutor, Centro Tecnológico para Pesquisas Agropecuárias – CTPA, Goiânia, GO; Lucas Navarini, engenheiro-agrônomo, doutor, Planta conhecimento/ha, Passo Fundo, RS; Luís Henrique Carregal Pereira da Silva, engenheiro-agrônomo, mestre, Agro Carregal Pesquisa e Proteção de Plantas Eireli, Rio Verde, GO; Luiz Nobuo Sato, engenheiro-agrônomo, TAGRO, Londrina, PR; Marcelo Giovanetti Canteri, engenheiro-agrônomo, doutor, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR; Mônica Paula Debortoli, engenheira-agrônoma, doutora, Instituto Phytus, Santa Maria, RS; Mônica Cagnin Martins, engenheira-agrônoma, doutora, Círculo Verde Assessoria Agronômica e Pesquisa, Luís Eduardo Magalhães, BA; Nédio Rodrigo Tormen, engenheiro-agrônomo, doutor, Instituto Phytus, Planaltina, DF; Ricardo Silveiro Balardin, engenheiro-agrônomo, Ph.D., Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS; Tiago Madalosso, engenheiro-agrônomo, mestre, Centro de Pesquisa Agrícola Copacol, Cafelândia, PR; Valtemir José Carlin, engenheiro-agrônomo, Agrodinâmica, Tangará da Serra, MT; Wilson Story
Venancio, engenheiro-agrônomo, doutor, CWR Pesquisa Agrícola Ltda., PR.
Fonte: Embrapa Soja