Em tempos de fake news, é muito comum recebermos informações que não expressam a realidade dos fatos. A agricultura brasileira é muito afetada por essas informações fraudulentas, transformando a área agrícola e o produtor rural em vilões, na opinião de grande parte da população. Dentre essas falsas notícias podemos salientar: a agricultura é responsável pelo desmatamento de florestas nativas; o produtor rural é um agente poluidor do ambiente; os fertilizantes são tóxicos para a saúde humana; entre outras.
Será que a agricultura brasileira é responsável pelo desmatamento?
O último levantamento sobre a área com vegetação natural, realizado pelo Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR), revelou que a área rural dedicada à vegetação nativa atingiu 218 milhões de hectares. Isto significa que agricultores, pecuaristas, silvicultores e extrativistas preservam o equivalente a um quarto do território nacional (25,6%).
Os números foram coletados pela Embrapa Territorial (SP), a partir das informações mantidas no SiCAR pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Neste levantamento fica evidenciado que, em média, cada produtor rural estaria utilizando apenas metade de suas terras. A outra metade é ocupada com áreas de preservação permanente (às margens de corpos d’água e topos de morros), reserva legal e vegetação excedente.
O pesquisador Evaristo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial, chama a atenção para a distribuição desses espaços: “Eles estão extremamente conectados e recobrem todo o território nacional. As áreas preservadas pelos agricultores compõem um mosaico ambiental relevante e de grande dimensão com as chamadas áreas protegidas”. Estas são formadas pelas terras indígenas e as unidades de conservação integral, como parques nacionais, estações ecológicas e outras do gênero.
Em mapeamento detalhado realizado pela Embrapa Territorial, a área total destinada à preservação, manutenção e proteção da vegetação nativa no Brasil ocupa 66,3% do território. Nesse número estão os espaços preservados pelo segmento rural, as unidades de conservação integral, as terras indígenas, as terras devolutas e as ainda não cadastradas no SiCAR. Elas somam 631 milhões de hectares, área equivalente a 48 países da Europa somados.
Os dados do CAR permitem também avaliações regionalizadas da participação do segmento rural na preservação da vegetação nativa. A Embrapa Territorial fez esse trabalho para o Pará, a pedido da Federação da Agricultura e Pecuária daquele estado, a FAEPA. Os números são semelhantes aos nacionais: em média, 57,6% dos imóveis não são utilizados para atividades econômicas, mas destinados a áreas de preservação permanente, reserva legal, vegetação excedente e hidrografia.
Essas terras correspondem a 23% do território paraense. O estado ainda é caracterizado por extensas unidades de conservação e terras indígenas que, somadas e descontadas as sobreposições, ocupam mais de 45% do território paraense, cerca de 85,7 milhões de hectares.
O Pará está na chamada Amazônia Legal, onde o Código Florestal exige que 80% da propriedade seja reservada para vegetação nativa nas regiões com floresta. Mas o estado também tem áreas de cerrado e de campos gerais, em que a reserva legal pode ser de 35% e 20%, respectivamente. O Código ainda desobriga de recomposição florestal os produtores que abriram áreas anteriormente à publicação da lei, cumprindo as normas vigentes na época.
No Oeste da Bahia, a parcela dos imóveis rurais dedicada à preservação da vegetação nativa supera os 50%, em média, e atinge 52,1%, enquanto a exigência legal é de 20%. Isso equivale a 30,2% da área total da região preservada nos imóveis rurais. O Oeste baiano está no bioma Cerrado e compõe a região do MATOPIBA, acrônimo da área de expansão da agricultura no Brasil formada por partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
A mancha verde dos espaços reservados à preservação do Cerrado dentro das propriedades privadas recobre mais de quatro milhões de hectares nos 32 municípios, cujos dados do CAR foram avaliados pela Embrapa Territorial.
Por intermédio de dados da NASA, agência especial norte-americana, o Brasil utiliza apenas 7,6% de seu território com lavouras, somando 63.994.479 hectares. Em 2016, a Embrapa Territorial já havia calculado a ocupação com a produção agrícola em 7,8% (65.913.738 hectares). Os números da NASA datam de novembro de 2017, indicando percentual menor, mas segundo o chefe geral da Embrapa Territorial, Evaristo Miranda, doutor em Ecologia, é normal a pequena diferença de 0,2% entre os dados brasileiros e norte-americanos.
Os números da NASA, e também os da Embrapa, permitem entender que a agricultura brasileira não pode ser taxada de desmatadora. O estudo da NASA demonstra que o Brasil protege e preserva a vegetação nativa em mais de 66% de seu território e cultiva apenas 7,6% das terras. A Dinamarca cultiva 76,8%, dez vezes mais que o Brasil; a Irlanda, 74,7%; os Países Baixos, 66,2%; o Reino Unido 63,9%; a Alemanha 56,9%.
As áreas cultivadas variam de 0,01 hectare por habitante – em países como Arábia Saudita, Peru, Japão, Coréia do Sul e Mauritânia – até mais de 3 hectares por habitante no Canadá, Península Ibérica, Rússia e Austrália. O Brasil tem uma pequena área cultivada de 0,3 hectare por habitante, e situa-se na faixa entre 0,26 a 0,50 hectare por habitante, que é o caso da África do Sul, Finlândia, Mongólia, Irã, Suécia, Chile, Laos, Níger, Chade e México.
O levantamento da NASA também dispõe de subsídios sobre a segurança alimentar no planeta, com a medição da extensão dos cultivos, áreas irrigadas e de sequeiro, intensificação no uso das terras com duas, três safras e até áreas de cultivo contínuo. Não entram nesses cálculos áreas de plantio florestal e de reflorestamento, que são as terras dedicadas ao plantio de eucaliptos. No Brasil contaram-se apenas as lavouras.
O desmatamento europeu é algo impressionante. Inicialmente, a Europa (sem a Rússia) era responsável por um pouco mais de 7% das florestas do planeta. Atualmente, a Europa detém apenas 0,1%. Isso representa a intensidade com que o continente europeu devastou suas reservas florestais. A soma da área cultivada da França (31.795.512 hectares) com a da Espanha (31.786.945 hectares) equivale à cultivada no Brasil (63.994.709 hectares).
A maior parte dos países utiliza entre 20% e 30% do território com agricultura. Os da União Europeia usam entre 45% e 65%. Os Estados Unidos, 18,3%; a China, 17,7%; e a Índia, 60,5%. Já o Brasil, ocupa apenas 7,6% de sua área total com agricultura. Será que podemos colocar a responsabilidade do desmatamento sobre os ombros da agricultura brasileira?
A agricultura brasileira é eficiente na produção de alimentos?
Nos últimos 40 anos, o Brasil saiu da condição de importador de alimentos para se tornar um grande provedor para o mundo. Foram conquistados aumentos significativos na produção e na produtividade agropecuárias. O preço da cesta básica, no Brasil, reduziu-se consideravelmente e o país se tornou um dos principais players do agronegócio mundial. Hoje, se produz mais em cada hectare de terra, aspecto importantíssimo para a preservação dos recursos naturais.
Com a instituição de políticas específicas para aumentar a produção e a produtividade agrícola, incluindo investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, extensão rural e crédito farto, o governo inicia o processo de modernização da agricultura brasileira para as décadas seguintes.
Entre os indicadores mais ilustrativos da trajetória recente da agricultura brasileira estão os números de produção e os índices de produtividade. Entre 1975 e 2017, a produção de grãos, que era de 38 milhões de toneladas, cresceu mais de seis vezes, atingindo 236 milhões, enquanto a área plantada apenas dobrou.
O mesmo incremento de produção e de produtividade foi conquistado na pecuária. O número de cabeças de gado bovino no país mais que dobrou nas últimas quatro décadas, enquanto a área de pastagens teve pequeno avanço. Em determinadas regiões houve até redução de terras destinadas ao pastejo.
No cultivo de árvores, houve expansão de 52% na área de florestas plantadas entre 1990 e 2014. Em 2016, as plantações de eucalipto foram responsáveis por fornecer 98,9% do carvão vegetal, 85,8% da lenha, 80,2% da madeira para celulose e 54,6% da madeira em tora para outros usos no Brasil. A madeira produzida por árvores cultivadas reduz a pressão por desmatamentos de florestas nativas.
A partir da década de 1990, demandas crescentes e políticas macroeconômicas de estabilização, como controle da inflação e taxas de câmbio mais realistas, impulsionaram ainda mais o crescimento do setor agrícola, que passou a ser o principal responsável pelosuperávit da balança comercial brasileira. Entre 1990 e 2017, o saldo da balança agrícola do País aumentou quase dez vezes, alcançando, neste último ano, US$ 81,7 bilhões, valores que têm contribuído para o equilíbrio das contas externas do país.
A organização e o intenso processo de modernização das cadeias produtivas do agronegócio fizeram com que os elos anteriores e posteriores às atividades agrícolas, como os de produção de insumos, processamento e distribuição, apresentassem importância cada vez maior no Produto Interno Bruto (PIB).
Em 2016, o agronegócio como um todo gerou 23% do PIB e 46% do valor das exportações. Em 2017, o setor foi responsável por 19 milhões de trabalhadores ocupados. A agroindústria e serviços empregaram, respectivamente, 4,12 milhões e 5,67 milhões de pessoas, enquanto 227,9 mil pessoas estavam ocupadas no segmento de insumos do agronegócio.
A trajetória recente da agricultura brasileira é resultado de uma combinação de fatores. O cenário para isto é um país com abundância de recursos naturais, com extensas áreas agricultáveis e disponibilidade de água, calor e luz, elementos fundamentais para a vida. Mas o que fez a diferença nestes últimos 50 anos foram os investimentos em pesquisa agrícola – que trouxeram avanços nas ciências, tecnologias adequadas e inovações -, a assertividade de políticas públicas e a competência dos agricultores.
Um fator fundamental que contribuiu para o ganho de produtividade na agricultura brasileira foi a correção e adubação de solos. As pesquisas apontaram os caminhos para otimizar o uso de corretivos e de fertilizantes, permitindo o plantio nos solos de Cerrados, até então considerados improdutivos.
De fato, o uso de fertilizantes se tornou um elemento-chave (estima-se que apenas os fertilizantes nitrogenados sejam responsáveis pelo incremento de cerca de 40% na oferta de alimentos no mundo). O Brasil passou a consumir muito mais fertilizantes do que a quantidade produzida internamente.
A contribuição da pesquisa foi fundamental para desenvolver uma tecnologia para fixar o nitrogênio do ar nas raízes das plantas de leguminosas, principalmente para a cultura da soja, por meio de bactérias. Este processo é chamado de Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), presente hoje em 75% da área cultivada de soja e responsável por uma economia da ordem de R$ 2 bilhões por ano em compra de fertilizantes nitrogenados. A FBN contribui ainda para a redução do consumo de energia e das emissões de gases de efeito estufa.
O salto da produção é atribuído em boa parte a melhoria no uso de insumos com efeitos diretos sobre a produtividade. O consumo de fertilizantes passou de dois milhões de toneladas, em 1975, para 15 milhões de toneladas, em 2016.
As práticas agrícolas atuais estão contribuindo para a preservação ambiental?
A adoção de práticas conservacionistas, como por exemplo, a adoção do sistema de plantio direto, com o não revolvimento dos restos vegetais, realizando a rotação de culturas e preservando a palhada na superfície do solo, estamos contribuindo para que este sistema se torne equilibrado e sustentável. A palha sobre o sistema diminui a temperatura e preserva a umidade do solo, criando um clima mais favorável para o desenvolvimento de microrganismos benéficos.
Esta mesma palhada servirá futuramente como alimento a esses microrganismos, que irão promover a mineralização destes nutrientes contidos nos restos vegetais. Esta microbiota é reciclada cerca de 10 vezes mais rápido que a fração orgânica morta do solo. Com a reciclagem, serão fornecidos às plantas nutrientes disponíveis gradualmente.
A função do manejo de nutrientes, através da adubação, é fornecer um suprimento adequado de todos os nutrientes essenciais para uma cultura durante o período de crescimento. Se a quantidade de qualquer nutriente é limitante em qualquer momento, existe um potencial para perda da produção.
À medida que a produtividade das culturas aumenta, as quantidades de nutrientes exportados dos campos de produção onde as culturas são plantadas também aumentam, o suprimento de nutrientes do solo pode tornar-se deficiente, a não ser que a área receba suplementação desses nutrientes através da aplicação de fertilizantes.
Os fertilizantes precisam ser aplicados em todos os tipos de sistemas de produção das culturas com a finalidade de se obter níveis adequados de produtividades que fazem com que os esforços de produção sejam vantajosos.
Praticas modernas de adubação, introduzidas primeiramente na parte final dos anos 1800 e baseadas no conceito químico da nutrição de plantas, contribuíram de modo marcante para o aumento da produção agrícola e resultou, também, em melhor qualidade dos alimentos e das forragens. Além disso, os retornos econômicos obtidos pelos agricultores aumentaram substancialmente em decorrência do uso de fertilizantes na produção das culturas.
O uso de fertilizantes permite reduzir o desmatamento?
Em 1977, o Brasil produzia 46.319 toneladas de grãos em uma área de 37.319 ha. Em 2017 foram produzidas 237.671 toneladas de grãos em 60.890 ha. Em 1977 eram retiradas 1,27 toneladas para cada hectare.
Em 2017 esse valor passou para 3,90 toneladas para cada hectare. Isto revela o quanto a agricultura brasileira se tornou mais eficiente. Se o Brasil estivesse produzindo, atualmente, a mesma produtividade de 1977, haveria necessidade de abrir, ou desmatar, uma área aproximada de 160 milhões de hectares.
A avaliação dos dados de evolução da produção de grãos no Brasil é acompanhada de maneira muito próxima pelo consumo de fertilizantes. Isso permite atribuir ao uso de fertilizantes como um dos fatores tecnológicos que favoreceu o aumento de produtividade das culturas agrícolas brasileiras.
Podemos concluir que o manejo nutricional dos solos brasileiros, principalmente da região do Cerrado, é responsável pela maior produtividade das culturas, gerando a produção de alimentos, mas também contribuindo para a preservação de florestas, e, em consequência, para a preservação da fauna e da flora dos diversos biomas do Brasil.
Sobre a iniciativa Nutrientes para a Vida
A Nutrientes Para Vida (NPV) possui visão, missão e valores análogos à coirmã americana: Nutrients For Life. Seu objetivo é esclarecer e informar a sociedade sobre os benefícios dos fertilizantes (ou adubos) na produção dos alimentos, bem como sobre sua utilização adequada.
Atua somente com informações embasadas cientificamente, de modo a explicar claramente o papel essencial dos diversos tipos de fertilizantes na segurança alimentar e nutricional, além de seu efeito multiplicador na produtividade de culturas.
Autores: Valter Casarin, engenheiro agrônomo e diretor científico da iniciativa Nutrientes para a Vida (NPV) e Amanda Borghetti, acadêmica de Engenharia Agronômica na ESALQ/USP.
Fonte: Assessoria de Imprensa Acontece Comunicação e Notícias