Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na última quarta-feira, 9 de julho, que qualquer produto brasileiro será sobretaxado em 50% a partir de 1 de agosto. A notícia pegou de surpresa a indústria, o comércio e analistas de mercado, que não anteviram nova investida tributária do republicano contra o país. Há poucos dias, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que equipes das duas nações estavam em negociação para firmar um acordo, ainda na esteira do tarifaço inicial de abril, que havia reservado ao Brasil alíquota de 10%. O Portal SNA cobriu, na ocasião, o impacto global do pacote protecionista americano e seus desdobramentos, com a devida ênfase na agropecuária nacional.
Em carta endereçada ao presidente Lula, Trump alegou que o Brasil possui superávit em sua relação comercial com os EUA, e saiu em defesa ao ex-presidente Jair Bolsonaro, criticando o Judiciário. O conteúdo da mensagem vazou para a imprensa antes de ser formalmente recebido e assimilado pelos canais oficiais, o que causou forte mal estar diplomático. O encarregado da embaixada americana em Brasília, que está sem um titular, foi chamado duas vezes ao Itamaraty para dar explicações ao governo brasileiro.
Para além dos atritos políticos, fato é que a nova taxação, caso entre em vigor, atingirá negativamente as cadeias produtivas agropecuárias. Por isso mesmo, a reação do setor foi imediata e forte, com diversas entidades exigindo uma reação que preconize a cautela e não eleve ainda mais as tensões crescentes entre os dois países. Mais importante do que embates partidários ou ideológicos, há uma parceria comercial longeva e fecunda, que precisa sobreviver a sobressaltos institucionais, assim como os trabalhadores que dela dependem.
No agronegócio, Brasil e Estados Unidos são concorrentes no mercado mundial de alguns produtos, como soja e algodão. Em outros, são parceiros comerciais. Os americanos são o segundo maior destino das exportações do setor, como mostram as estatísticas do Ministério da Agricultura. Em 2024, foram 9,43 milhões de toneladas de produtos, que geraram uma receita de US$ 12,09 bilhões. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do agro brasileiro, atrás apenas da China.
Diversas cadeias produtivas podem ser impactadas e manifestam receio
Alguns segmentos tendem a ficar mais vulneráveis. É o caso da carne bovina, que vem num ano bom de vitórias importantes, como abertura de novos mercados na Ásia e certificação de país livre de febre aftosa, outorgada ao Brasil pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA). A Associação Brasileira das Exportadoras de Carne declarou que o aumento da tarifa atrapalha o comércio e afeta negativamente o setor produtivo.
A ABIEC informou que é importante que questões geopolíticas não se transformem em barreiras ao abastecimento global. Só no primeiro semestre deste ano, os frigoríficos do Brasil exportaram 181,4 mil toneladas aos norte-americanos, em negócios que renderam US$ 1,04 bilhão, a um preço médio de US$ 5,73 mil por tonelada, segundo a associação.
O setor de suco de laranja, que tem os Estados Unidos como principal cliente para suas exportações, disse ter sido foi pego de surpresa com o anúncio das tarifas. A Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) declarou que a medida afeta não apenas o Brasil, mas toda a indústria de suco dos Estados Unidos, que emprega milhares de pessoas e tem o país como principal fornecedor externo há décadas. Na prática, as exportações podem ser inviabilizadas, com graves consequências para o mercado interno brasileiro.
A indústria de açúcar do Nordeste do Brasil, que também tem nos Estados Unidos um importante destino, manifestou preocupação. Para o setor, a tarifa pode inviabilizar exportações e gerar desemprego. Atualmente, as empresas têm cota de 150 mil toneladas por safra, que rendem até R$ 600 milhões. Ainda não há clareza no setor produtivo nordestino se a taxação vai afetar as cotas estabelecidas pelos Estados Unidos.
Os exportadores de café também avaliam que a tarifa de 50% vai onerar toda a cadeia, além do consumidor americano. Com a taxação, a alíquota vai superar os 60%, segundo fontes do mercado. Em declaração oficial, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) observou que o Brasil é o principal fornecedor de café para os EUA, respondendo por cerca de 30% das importações americanas. A entidade afirmou ainda que tem buscado construir uma agenda positiva com os EUA, por meio de contatos com parceiros como a National Coffee Association (NCA), que representa o segmento no país.
Cobrança por resposta, mas com cautela
O tom crítico aos Estados Unidos da reunião de cúpula dos BRICS, realizada no último final de semana no Rio de Janeiro, pode ter levado Trump a subir o tom para obter resultados mais vantajosos na negociação com o Brasil. Cabe salientar que ele também enviou cartas semelhantes a outros países com os quais não encontrou consenso após o tarifaço original, mas nenhum deles recebeu alíquota tão pesada. No evento, que o Portal SNA cobriu, declarações dirigidas ao governo americano, num grupo que é integrado por alguns de seus aliados e também adversários, por parte do governo brasileiro, tiveram repercussão.
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reagiu com preocupação à decisão de Trump de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. “A nova alíquota produz reflexos diretos e atinge o agronegócio nacional, com impactos no câmbio, no consequente aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras. Diante desse cenário, a FPA defende uma resposta firme e estratégica: é momento de cautela, diplomacia afiada e presença ativa do Brasil na mesa de negociações”, diz um trecho da nota oficial divulgada.
O momento parece refletir algo que o Portal SNA já abordou, que é a tendência de gestores públicos de muitos países e diferentes inclinações políticas deixarem as paixões ditarem seu processo decisório, em detrimento dos interesses nacionais. Que as autoridades brasileiras saibam conduzir bem o diálogo, bem respaldadas que são por entidades já aqui citadas, cujas manifestações serviram de base para esta reportagem, além do corpo diplomático do Itamaraty.
Esta matéria seguirá sendo atualizada.
As informações deste texto foram reunidas a partir de declarações disponibilizadas publicamente pelos citados.
Fonte: SNA