O grande problema da ureia

A ureia é o fertilizante de nitrogênio mais popular do mundo. Seu epicentro de produção e consumo está nos dois gigantes asiáticos: China e Índia. Devido ao seu impacto na produção de diferentes culturas, os fertilizantes desempenham um papel central em qualquer estratégia de segurança alimentar. Consequentemente, em 2019, 36% da produção mundial foi exportada, ficando os 64% restantes para o abastecimento do mercado interno dos países produtores de alimentos.

Um quarto da ureia mundial é produzida na China, que, além de ser uma consumidora muito importante desse fertilizante, é também o segundo maior exportador mundial. O novo plano quinquenal do gigante asiático visa conseguir uma dupla circulação em sua economia. Ou seja, desdobrar a dinâmica interna da economia chinesa a partir da dinâmica externa.

A crise do coronavírus apenas aprofundou o foco no mercado interno da República Popular da China. Não satisfeitos com isso, severos controles sobre o uso de energia têm limitado a produção de ureia chinesa, o que afeta não só as exportações, mas também corre o risco de colocar em risco o seu próprio abastecimento interno.

Nesse contexto, 2021 começou com a China dando sinais de estar muito mais focada no atendimento da sua demanda interna de ureia, deixando as exportações em segundo plano. Consequentemente, o mercado internacional de ureia iniciou o ano com escassa disponibilidade de ureia para comercialização, segundo a Ingeniería Fertilizantes – IF. Soma-se a esses sinais de alta a alta dos preços internacionais das commodities agrícolas, que atingiu o maior nível desde 2013.

À medida que o ano avançava, as vacinas começaram demonstrar seus efeitos e as economias retomaram gradativamente as atividades e a mobilidade de seus habitantes. Assim, uma série de rupturas nas cadeias de valor globais começou. Essas cadeias de  suprimentos por serem historicamente muito eficientes praticamente não têm estoque de mercadorias, portanto, qualquer aumento inesperado na demanda tem um impacto direto sobre os preços.

Além disso, como bem destacou o Prêmio Nobel de Economia Michael Spence, a demanda reprimida pela pandemia foi desencadeada antes que o coronavírus tivesse desaparecido completamente. Com muitas restrições físicas e sanitárias, a oferta de produtos não pode responder na mesma magnitude a essa mudança na demanda. Nesse contexto, a ureia passou a ter forte demanda e a produção internacional não conseguiu abastecê-la integralmente.

A partir de março, começaram as especulações com a compra de ureia pela Índia, maior importador e consumidor mundial. A autossuficiência alimentar da maior democracia do mundo é uma questão fundamental para sua estabilidade política e econômica. A China historicamente desempenhou um papel importante no fornecimento de ureia à Índia.

No entanto, a Índia deparou-se com poucas ofertas e aumentos de preços de seu principal fornecedor. Além disso, o país liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi começou a atrasar sua demanda por ureia esperando uma queda de preço que não ocorreu, o que está obrigando a Índia a comprar não só mais tarde, mas mais caro, segundo o IF.

Para piorar a situação, a saída progressiva da pandemia tem desencadeado aumentos significativos nos custos de frete marítimo, que alcançaram seu máximo em 11 anos. Como destaca o IF, em meados do ano, os volumes de cargas disponíveis começaram a ficar escassos nos navios Handysize, geralmente utilizados para o transporte de fertilizantes, o que contribuiu ainda mais para a alta dos preços. No entanto, o recente declínio no Índice Seco do Báltico, um indicador-chave de custo para o transporte a granel, fornece oxigênio e pode ser uma boa indicação para a resolução dos gargalos logísticos que vêm ocorrendo na pós-pandemia.

Nos últimos meses, os preços da energia começaram a subir, com particular ímpeto na União Europeia, que é fortemente dependente do gás importado da Rússia. O país dos czares é o principal exportador mundial de ureia, que tem o gás como principal insumo a ser produzido. Com os preços do gás subindo, os preços da ureia na Rússia também subiram. Nesse contexto, esta semana foram impostas cotas à exportação de fertilizantes da Rússia, com o objetivo de garantir o abastecimento interno do principal exportador mundial de trigo.

Para complicar ainda mais esse quadro, com esses custos crescentes de energia, muitas fábricas de fertilizantes na União Europeia estão produzindo abaixo da capacidade ou estão diretamente fechadas. Dessa forma, a demanda por ureia na UE não pode ser atendida e o bloco europeu passa a demandar crescentes importações do Norte da África. Consequentemente, os preços de exportação da ureia produzida no Egito e na Argélia aumentaram fortemente, com impacto direto em toda cadeia.

O grande problema da Ureia condiciona um contexto atravessado por múltiplas variáveis. Os altos preços da energia, as turbulências no mercado de frete marítimo, a crescente demanda por fertilizantes, as políticas de segurança alimentar e aspectos protecionistas, em um contexto de profunda incerteza, só continuam a impulsionar os preços da ureia.



Fonte: Adaptado de Bolsa de Comércio de Rosário

Autores: Guido D’Angelo, Emilce Terré.

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