Quando se trata de recuperar solos degradados, o tempo é um dos maiores obstáculos: a natureza consegue regenerar uma camada de solo de um centímetro de espessura em aproximadamente 300 anos. Com métodos artificiais, atributos químicos do solo geralmente podem ser restaurados em questão de anos, mas aspectos biológicos ou físicos demandam décadas. Com a promessa de encurtar esse prazo, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão desenvolvendo um produto inspirado na geoquímica e tipologia de argilas do solo à base de MOFs (do inglês, Metal-Organic Frameworks), que tem a capacidade de recuperar funções ecossistêmicas do solo e, consequentemente, aumentar a fixação de gás carbônico (CO2).
A pesquisa liderada pela professora Liane Rossi, do Instituto de Química da USP, é realizada no âmbito dos projetos do Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI) — centro de pesquisa financiado pela Shell e pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). A iniciativa é desenvolvida em conjunto com o professor José Marques Júnior da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e pesquisadores de duas startups, a Quanticum (oriunda da UNESP) e MOFTech (oriunda da USP).
Características únicas — “As MOFs são materiais avançados produzidos a partir da combinação entre metais e moléculas orgânicas. Desta forma, é possível utilizar em sua estrutura os mesmos elementos encontrados nos minerais que ajudam a fixar o CO2 no solo, como ferro e magnésio. Além disso, as MOFs possuem estrutura semelhante a uma ‘esponja’, porém, cerca de 1 milhão de vezes menor que a cabeça de um alfinete”, explica o químico Dagoberto Silva, pesquisador e CEO da MOF-Tech. “Essa característica permite a esses materiais capturar, armazenar e liberar, sob condições programadas, outras substâncias de interesse agrícola que contenham macro [potássio, nitrogênio e fósforo] ou micronutrientes [zinco e boro] — necessários para o pleno desenvolvimento da planta”, acrescenta.
Segundo ele, a chave para a recuperação do solo está na biodegradação do produto. “As MOFs acabam se decompondo sob a ação da luz solar e de microorganismos, liberando os componentes naturais do solo e os eventuais compostos químicos armazenados nela.” Outra grande vantagem da tecnologia é que ela pode ser aplicada tanto na forma sólida, como um pó, quanto na líquida (spray), com as MOFs dispersas em água.
Regeneração rápida — “Este conjunto de características possibilitará, com as MOFs, regenerar um solo que já foi degradado, aumentando a absorção de fósforo e nitrogênio, ajustando o seu pH, entre outras propriedades importantes para a produtividade”, afirma Rossi. “Essa renovação do solo pode demorar décadas com as técnicas existentes atualmente. Com a nossa, conseguiremos obtê-la em questão de meses, já que é um produto que se decompõe com facilidade — outro ponto positivo na preservação do meio ambiente”, complementa.
O projeto teve início no final de 2022 e já foi desenvolvido um protótipo do produto, que foi sintetizado em laboratório e testado em unidades experimentais (casas-de-vegetação). “Estamos estudando novas formulações para potencializar os ganhos ao solo e à atmosfera, além de acelerar o processo produtivo. Os testes em larga escala serão realizados em unidades de pesquisa de campo”, detalha Rossi.
Os estudos agronômicos serão feitos pela Faculdade de Ciências Agronômicas e Veterinárias da UNESP, de Jaboticabal, e pela Quanticum, que é especializada em diagnóstico e mapeamento da saúde de solos tropicais.
Mercado promissor — As MOFs são a classe de materiais que mais cresce na química atualmente. Sua estrutura porosa ajustável vem sendo explorada por diversas áreas de aplicação, como energia renovável, catálise, sensores e biomedicina. Estudos apontam que é um mercado que crescerá 12% ao ano ao longo dos próximos dez anos. O projeto da USP será o primeiro voltado para a aplicação de MOFs em agricultura, e seu potencial de mercado é enorme.
De acordo com o último relatório Global Land Outlook, do secretariado da Convenção de Combate à Desertificação da ONU, 40% do solo do planeta está degradado, o que põe em risco não só a segurança alimentar e hídrica. A degradação do solo também está associada às mudanças climáticas, pois o solo estoca naturalmente o CO2, um dos principais gases de efeito estufa.
Segundo a Agência Internacional de Energia, as emissões globais de CO2 atingiram um nível recorde em 2021. Foram 36,3 bilhões de toneladas emitidas, um aumento de 6% comparado ao ano anterior. De acordo com o IPCC é necessário reduzir em 45% as emissões até 2030 para evitar um aumento de 1,5 ºC na temperatura global.
Sobre o RCGI — O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da FAPESP e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs — Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa — 19, no total — estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores. Saiba mais.
Fonte: Assessoria de Imprensa RCGI