As pragas agrícolas, assim como as plantas daninhas e as doenças, são adversários constantes do produtor brasileiro. Independente da cultura em questão, o aspecto fitossanitário é um dos principais fatores limitantes à obtenção de altas produtividades, demandando altos custos de controle por parte dos agricultores. No caso específico da soja, o sistema produtivo brasileiro exige um número maior de aplicações de defensivos, comparado a países como EUA e Argentina. Quais são os motivos por trás desse cenário?
O primeiro e mais importante fator está relacionado ao clima do Brasil, que é predominantemente tropical, com algumas áreas subtropicais (região Sul). Condições de alta temperatura aceleram o ciclo de desenvolvimento dos insetos-praga, resultando em várias gerações durante uma safra e elevando a pressão populacional ao longo do ciclo da cultura. Já em países de clima temperado, a ocorrência de invernos rigorosos funciona como um regulador natural de pragas, suprimindo as populações durante a entressafra.
A sobrevivência das pragas durante a entressafra é potencializada pela ocorrência de um segundo fenômeno: as chamadas pontes verdes. Dadas as dimensões continentais do país e a ampla variedade de condições locais, é possível cultivar soja no Brasil em pelo menos três sistemas diferentes: como primeira safra de verão, antecedendo o cultivo do milho (região Centro-Oeste); como segunda safra de verão ou “safrinha”, sucedendo o cultivo do milho (locais mais quentes da região Sul); e como safra única de verão, utilizando cultivares de ciclo mais longo (locais de temperatura mais amena na região Sul).
Figura 1. Principais sistemas de cultivo de soja no Brasil.
Créditos da imagem: Henrique Pozebon
Naturalmente, a abrangência desses sistemas de cultivo altera-se de uma safra para outra, além de sofrer desdobramentos em outros sistemas adicionais (por exemplo, em sucessão com algodão). De qualquer forma, essa ampla distribuição temporal da cultura aumenta a oferta de alimento disponível para as pragas. Algumas espécies, como a mosca-da-haste (Melanagromyza sojae) e o tamanduá-da-soja (Sternechus subsignatus), ocorrem apenas em soja (espécies monófagas) ou em culturas aparentadas, como o feijão (espécies oligófagas). Estas pragas são favorecidas pela sobrevivência de soja voluntária nas lavouras (plantas guaxas ou tigueras), um problema que se intensificou com as cultivares resistentes a herbicidas.
Já outras espécies, como as lagartas Spodoptera frugiperda e Helicoverpa armigera, alimentam-se de diversas culturas, sendo denominadas polífagas. Em especial, atacam tanto a soja quanto o milho, as duas principais culturas de verão no Brasil; e em muitos casos, são capazes de sobreviver também em cultivos de inverno, como aveia e trigo. Nesse caso, temos as chamadas pragas de sistema, que permanecem ativas na lavoura durante o ano todo; é o caso do percevejo barriga-verde (Diceraeus furcatus e Diceraeus melacanthus). Portanto, a ocorrência de plantas voluntárias na lavoura após a colheita fornece uma ponte verde para as pragas monófagas e oligófagas, enquanto o plantio sucessivo de culturas hospedeiras funciona como uma ponte verde para as espécies polífagas.
Figura 2. Detalhamento dos principais sistemas de cultivo de soja no Brasil.
Créditos da imagem: Henrique Pozebon
Associando-se a extensa área cultivada com soja no Brasil (e países vizinhos), as condições climáticas propícias à proliferação de pragas e doenças, e o cultivo intensivo com duas ou mais safras de verão, temos como resultado um cenário de alta pressão fitossanitária. Hoje, um típico sojicultor já semeia sua lavoura programando três ou quatro aplicações de inseticidas e fungicidas, além dos respectivos tratamentos de sementes e as limpezas da área com herbicidas (Figura 3). Em contrapartida, um produtor norte-americano não costuma realizar mais do que uma aplicação de cada um desses três grupos de defensivos; como consequência, seus custos operacionais são muito menores.
Figura 3. Típico programa de aplicação de defensivos em soja no sul do Brasil.
Créditos da imagem: Henrique Pozebon
Obviamente, a figura acima é um esquema bastante simplificado do posicionamento das aplicações em soja, havendo variações de acordo com a região de cultivo e a safra em questão. Na prática, cada lavoura é um universo à parte, onde a ocorrência de pragas e doenças ao longo do ciclo de desenvolvimento não costuma seguir um padrão fixo. De fato, é fundamental que as aplicações não sejam calendarizadas dessa forma, mas sim ponderadas de acordo com a real necessidade da cultura. Ainda assim, essa representação nos ajuda a compreender a difícil realidade enfrentada pelos sojicultores brasileiros.
Portanto, a produção agrícola em um país tropical/subtropical é uma verdadeira faca de dois gumes. A possibilidade de realizar duas safras de verão, com cultivos subsequentes no inverno/entressafra, coloca o Brasil em vantagem em relação a países de clima temperado, onde muitas vezes uma única cultura permanece na lavoura durante o ano todo. Ao mesmo tempo em que diversifica a renda do produtor brasileiro, esse sistema intensivo de cultivo também multiplica a ocorrência de pragas, doenças e plantas daninhas, demandando um manejo fitossanitário mais rigoroso e assertivo. Ou seja, é necessário que o produtor brasileiro especialize-se cada vez mais para manter uma produção financeiramente rentável e ambientalmente sustentável.
Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM