No esforço por uma agricultura mais segura, sustentável e eficiente, os bioprotetores vêm ganhando protagonismo como solução estratégica para o controle de doenças em plantas. Mais do que substituir agrotóxicos, esses produtos baseados em organismos vivos — como fungos, bactérias, vírus e até ácaros — atuam de forma inteligente, protegendo as culturas agrícolas sem agredir o meio ambiente, a saúde dos agricultores e dos consumidores.
Diferentemente dos chamados “fungicidas ou biofungicidas”, que pressupõem a morte do patógeno, os bioprotetores atuam por outros mecanismos, como competição, parasitismo, antibiose e indução da resistência da planta. Por isso, o termo bioprotetor tem sido cada vez mais defendido por especialistas como o mais apropriado para englobar os diversos tipos de ação desses organismos. Em vez de eliminar o agente causador da doença, muitos bioprotetores fortalecem as defesas naturais da planta, competem por nutrientes e espaço estabilizando o ambiente e prevenindo o surgimento de novos surtos.
A definição mais aceita de controle biológico de doenças considera a redução das atividades determinantes da doença por meio da ação de organismos vivos, excluindo-se o homem. Esse controle pode ocorrer de forma natural, conservacionista, clássica (introdução de inimigos naturais) ou aumentativa (aplicação em larga escala). Em qualquer uma dessas abordagens, os bioprotetores desempenham papel central.
Eles podem incluir microrganismos avirulentos, plantas melhoradas geneticamente, organismos antagonistas de patógenos e até produtos naturais derivados desses seres vivos. Seu uso pode ser integrado a práticas culturais, com o objetivo de criar ambientes mais favoráveis à planta e menos propícios à doença. Em muitos casos, os bioprotetores não “matam” o patógeno, mas interferem na sua reprodução ou impedem que ele cause danos à planta.
Mercado aquecido: avanço acelerado no uso de bioprotetores
O mercado global de produtos de biocontrole movimentou US$ 8,2 bilhões em 2023 e deve atingir US$ 25,7 bilhões até 2030, segundo a consultoria Research and Markets. O Brasil lidera esse crescimento. Dados da empresa Kynitec mostram que a área potencial tratada com agentes de biocontrole passou de 35 milhões de hectares na safra 2021/2022 para 58 milhões em 2023/2024 — alta de mais de 29% em cinco anos.
O destaque vai para os bionematicidas, responsáveis por 47% da área tratada, à frente dos bioinseticidas (36%) e biofungicidas (17%). Em culturas como soja, milho e algodão, o uso de bionematicidas já supera o de produtos químicos. Em 2015, eles representavam apenas 6% do mercado nacional. Em 2022, atingiram 75%, enquanto os nematicidas químicos despencaram de 94% para 25%. Apesar do avanço, os bioprotetores ainda representam apenas 4% do total de produtos fitossanitários utilizados no Brasil, o que revela um enorme potencial de expansão.
Entre os agentes de biocontrole mais importantes e amplamente comercializados estão os fungos: Trichoderma spp., Beauveria bassiana, Metarhizium anisopliae, Isaria fumosorosea, Clonostachys rosea e as bactérias: Bacillus subtilis, Bacillus amyloliquefaciens, Bacillus licheniformis, Bacillus methylotrophicus, Bacillus velezensis e Bacillus thuringiensis.
Esses organismos combatem patógenos do solo e da parte aérea, com diferentes modos de ação. Trichoderma, por exemplo, age por parasitismo, competição, antibiose e estímulo à defesa da planta. Já as espécies de Bacillus se destacam pela capacidade de formar biofilmes, produzir metabólitos antimicrobianos e induzir resistência sistêmica.
No Brasil, Trichoderma responde por cerca de 17% da área tratada com bioprotetores e Beauveria, por 16%. O grupo mais abrangente, no entanto, é o das espécies de Bacillus, que cobrem aproximadamente 25% da área protegida.

Novos agentes e tecnologias ampliam fronteiras
Nos últimos anos, pesquisadores passaram a explorar agentes não tradicionais como bioprotetores, incluindo Micovírus: vírus que infectam fungos e reduzem sua virulência. Já são utilizados em países como a China para o controle do crestamento do castanheiro, bacteriófagos: vírus que atacam bactérias específicas, sem afetar seres humanos ou animais. Têm potencial para o controle de doenças bacterianas em plantas, ácaros predadores e micófagos: como Orthotydeus lambi e Ricoseius loxocheles, que atuam no controle de oídio da videira e ferrugem do cafeeiro, respectivamente. A criação desses organismos em laboratório e o desenvolvimento de formulações compatíveis com defensivos agrícolas são desafios que precisam ser superados para ampliar seu uso comercial.
O desenvolvimento de um novo bioprotetor exige um processo rigoroso de seleção, envolvendo etapas como avaliação da cultura e da doença-alvo, isolamento de organismos antagonistas no ambiente de interesse (por exemplo, semiárido brasileiro), testes de eficácia em laboratório e campo, produção massal e formulação estável e integração ao sistema produtivo. Essa abordagem permite selecionar agentes adaptados às condições locais e às necessidades específicas dos agricultores. O caso do controle do mofo-branco da soja com Trichoderma e Bacillus ilustra a importância de integrar o bioprotetor ao manejo agrícola, incluindo culturas subsequentes.
Política pública impulsiona bioinsumos e inovação
Criado em 2020, o Programa Bioinsumos do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) tem papel fundamental na ampliação do uso de bioprotetores no país. O programa promove produtos e tecnologias de origem biológica que favoreçam o crescimento das plantas, melhorem a saúde do solo e contribuam para a sustentabilidade dos sistemas agropecuários.
Segundo o decreto que criou o programa, bioinsumos são produtos ou tecnologias de origem vegetal, animal ou microbiana que interferem positivamente no crescimento e defesa das plantas, e que podem ser utilizados na produção, armazenamento e beneficiamento de alimentos.
De acordo com Wagner Bettiol, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para consolidar o uso de bioprotetores no Brasil, como desenvolver bioherbicidas para reduzir o uso de químicos no controle de plantas daninhas, ampliar a diversidade de microrganismos disponíveis comercialmente, produzir fungos em sistemas mais sustentáveis (como fermentação líquida), desenvolver produtos adaptados às mudanças climáticas e que aumentem a eficiência do uso de nutrientes, abrir coleções microbianas públicas para empresas e pesquisadores desenvolverem novos produtos, investir em formação técnica e científica de profissionais da cadeia dos bioinsumos.
“A substituição de agrotóxicos por bioprotetores não é apenas uma tendência de mercado — é uma resposta à demanda por práticas agrícolas mais conscientes, seguras e resilientes. Ao proteger as plantas sem comprometer o meio ambiente, os bioprotetores restabelecem o equilíbrio dos agroecossistemas, reduzem a exposição de trabalhadores rurais a produtos tóxicos e oferecem alimentos mais seguros aos consumidores”, explica Bettiol.
“Com ciência, políticas públicas e inovação trabalhando em conjunto, o Brasil tem tudo para seguir como líder mundial no desenvolvimento e uso de bioprotetores. E, mais do que isso, tem a oportunidade de construir uma agricultura com menos veneno e mais vida”, conclui Bettiol.
O estudo completo pode ser acessado aqui.
Fonte: Cristina Tordin – Embrapa Meio Ambiente