Por Argemiro Luís Brum

Neste final de fevereiro, as cotações da soja em Chicago recuaram. O primeiro mês cotado chegou a US$ 10,22/bushel a quinta-feira (27), contra US$ 10,45 uma semana antes. Registre-se também um recuo no farelo e no óleo de soja naquela Bolsa, com o primeiro perdendo 7,4% de seu valor nos últimos 16 dias úteis nos EUA, enquanto o óleo perdeu 5,4% nos últimos sete dias úteis.

Nos EUA, por ocasião do tradicional Fórum Outlook de fevereiro, o USDA informou que a área a ser semeada com soja recuaria para 34 milhões de hectares, contra 35,3 milhões no ano anterior, enquanto o mercado esperava um corte maior. Já para o milho, a área deverá passar de 36,7 milhões para 38,05 milhões de hectares, ficando acima da expectativa do mercado. A área de trigo também foi estimada maior, passando de 18,7 para 19,02 milhões de hectares, ficando levemente acima da média das expectativas do mercado. De forma geral, estes números, que não são os definitivos, “vieram acima da média das estimativas projetadas pelo mercado, porém, dentro do intervalo entre as projeções máximas e mínimas”, fato que ajudou às baixas nas cotações.

Já no Brasil, com o Real se desvalorizando para a casa dos R$ 5,83 por dólar, os preços se mantiveram estáveis, com leve viés de alta em algumas regiões. A média gaúcha fechou a semana em R$ 125,40/saco, enquanto as principais praças locais praticaram R$ 124,00. Nas demais regiões do país os preços médios oscilaram entre R$ 103,00 e R$ 124,50/saco.

Até o início da presente semana a colheita nacional de soja teria alcançado 37,6% da área semeada, contra a média histórica de 36,9% para o período. Com as chuvas diminuindo no Centro-Oeste a colheita acelerou nos últimos dias (cf. Pátria AgroNegócios).

Enquanto isso, a produção final de soja continua sendo estimada no intervalo entre 166 e 171 milhões de toneladas, dependendo da estimativa que se faz da quebra no Sul do país. Enquanto a consultoria AgRural aponta 168,2 milhões de toneladas neste momento, a Hedgepoint Global Markets indica 171,5 milhões de toneladas, justificando que as perdas no Sul serão compensadas por melhoria na produtividade nas demais regiões produtoras do país. Vamos esperar o final da colheita para conferirmos esta expectativa positiva, porém, consideramos que as perdas no Sul do país, especialmente no Rio Grande do Sul, e também no Mato Grosso do Sul, são muito fortes para serem plenamente compensadas pelas demais regiões produtoras nacionais.

Por sua vez, segundo a Secex, as exportações de soja diminuíram o ritmo em fevereiro, estando 29% abaixo do registrado em todo o mês de fevereiro do ano passado. Até a terceira semana do corrente mês, o país havia exportado 3,7 milhões de toneladas de soja em fevereiro, contra um total de 6,6 milhões em todo o mês de fevereiro do ano passado. Lembrando que a colheita começou mais tarde neste ano.

Enfim, chamar novamente a atenção para algo que há alguns anos preocupa, mas que pouco se fala aqui no país. Abordamos isso no comentário passado, a partir de um estudo divulgado pela agência Reuters nos EUA.

Segundo o referido estudo, o Brasil, maior produtor e exportador de soja do mundo, “aumentou o plantio da oleaginosa por 18 anos consecutivos, numa sequência impressionante e inigualável no setor. Mas por quanto tempo mais o Brasil pode continuar aumentando a área antes de potencialmente entrar em uma situação de excesso de oferta?”

Os Estados Unidos enfrentaram um cenário semelhante há alguns anos. Por volta de 2000, os Estados Unidos eram responsáveis por pelo menos 50% das exportações mundiais anuais de soja, e o Brasil fornecia pouco menos de 30%. O Brasil assumiu o posto de maior exportador de soja em 2012-13, após uma série de três anos de quebra de safra nos Estados Unidos, e foi nessa época que se observou alguns dos maiores aumentos anuais na área de soja do Brasil. A partir daí, nosso país jamais deixou de ser o principal exportador, e atualmente responde por cerca de 57% das exportações, enquanto a participação dos EUA caiu para 28%.

“Uma década atrás, a demanda chinesa por soja estava crescendo, e os suprimentos mundiais de soja eram consistentemente superestimados como resultado. Os agricultores dos EUA, em 2017, aumentaram os hectares de soja semeados, ao redor de 8% acima do recorde do ano anterior. Eles quase repetiram esse feito em 2018, apesar dos níveis de estoque muito abundantes, porque a dinâmica do mercado, especificamente os preços elevados da soja em relação ao milho, exigia isso. Tal situação provavelmente produziria suprimentos onerosos por si só, mas acabou sendo muito mais desastroso quando os Estados Unidos e a China mergulharam em uma guerra comercial, em meados de 2018, provocada por Donald Trump em seu primeiro mandato como presidente dos EUA, sufocando as exportações daquele país. Para piorar a situação, houve a queda na demanda chinesa por soja devido ao surto de doenças em seus rebanhos de suínos.”

Como resultado, os estoques de soja dos EUA, em meados de 2019, subiram mais de 60% acima do recorde anterior, embora o mercado tenha sido resgatado de uma situação incontrolável de longo prazo por uma perda acentuada de área plantada devido ao clima em 2019.

As plantações de soja dos EUA nunca voltaram ao pico de 2017. Isso é especialmente verdade este ano, com os preços do milho excepcionalmente fortes em relação à soja, que muitos agricultores estão lutando para achar lucrativa. Desde o início de 2024, os futuros da soja em Chicago caíram quase 20%. Mas, precificados em reais brasileiros, os grãos caíram apenas 5% neste período, sinalizando para o agricultor brasileiro continuar produzindo safras maiores. O forte enfraquecimento do real ao longo de 2024 foi favorável aos produtores brasileiros, que vendem suas safras em dólares.

Mais de 70% das exportações anuais de soja do Brasil vão para a China, o maior comprador mundial. Ao longo de sua sequência de 18 anos, a área de soja do Brasil aumentou em 130%. Ao mesmo tempo, o consumo de soja da China aumentou 175%, embora as taxas de crescimento recentes não sejam tão fortes quanto eram há uma década. No entanto, o consumo global total de soja aumentou apenas 80% nos últimos 18 anos, destacando o grau cada vez maior em que a indústria de soja do Brasil depende da China. Obviamente essa estratégia funcionou até agora, mas é uma tendência confiável? A economia em arrefecimento da China permite algumas dúvidas.

A taxa de crescimento econômico anual da China vem desacelerando há quase duas décadas, e espera-se que essa redução continue ao longo desta década. Além disso, a população da China em 2024 caiu pelo terceiro ano consecutivo. E a China, nos últimos anos, tomou medidas para reduzir diretamente a demanda por soja e a dependência de importações, cortando as rações de farelo de soja na ração animal.

Esta não é exatamente a China que o mercado global de soja conheceu no passado, e a indústria de soja dos EUA está ciente desses acontecimentos desde a primeira guerra comercial, embora com certa relutância. Mas os riscos de longo prazo podem estar no Brasil, que ainda precisa descobrir em que momento sua produção, em constante crescimento, não encontrará mais suficientes consumidores, a começar pela possível redução na demanda chinesa (cf. Karen Braun, analista de mercado da Reuters).

Nosso alerta é que, se isso ocorrer (talvez o mais correto seja dizer quando isso ocorrer) a tendência será produzir menos, se adequando à demanda para não derrubar demais os preços. Nesse momento, as regiões brasileiras e seus produtores menos competitivos serão excluídas do mercado. Por enquanto, a aposta para impedir essa futura situação está na Índia e que ela venha a substituir ou complementar o que a China deixará de importar. Mas as características econômicas indianas são completamente diferentes das chinesas, o que exige muita atenção sobre o que pode estar vindo para o setor nos próximos anos.

Fonte: Informativo CEEMA UNIJUÍ, do prof. Dr. Argemiro Luís Brum¹

1 – Professor Titular do PPGDR da UNIJUÍ, doutor em Economia Internacional pela EHESS de Paris-França, coordenador, pesquisador e analista de mercado da CEEMA (FIDENE/UNIJUÍ).



 

FONTE

Autor:Dr. Argemiro Luís Brum/CEEMA-UNIJUÍ

Site: Informativo CEEMA UNIJUÍ

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