O mercado de soja, assim como outros mercados, teve um ano bastante atípico em 2020. Segundo o analista de SAFRAS & Mercado, Luiz Fernando Gutierrez Roque, “não podia ser diferente”. A pandemia no novo coronavírus foi o principal fator para todos os mercados mundiais neste ano. “Alguns foram mais impactados, outros menos, mas todos sofreram influência deste fato inesperado e incomum”, comentou.
Na soja, o ano começou sem grandes novidades frente ao final de 2019. A guerra comercial entre Estados Unidos e China continuava no centro das atenções, enquanto, na América do Sul, a safra estava sendo consolidada.
No Brasil, a falta de chuvas trouxe problemas importantes para lavouras dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Grandes perdas foram registradas, principalmente na safra gaúcha. “Apesar disso, nos demais estados do país, o clima foi favorável e as produtividades médias surpreenderam, garantindo uma nova safra recorde para o país”, lembrou o analista. A mesma falta de chuvas que atingiu o RS também causou perdas importantes na Argentina.
Mesmo com uma safra recorde no Brasil e com as tensões entre EUA e China ainda elevadas – apesar da assinatura da fase 1 do acordo comercial –, os contratos futuros em Chicago continuavam pressionados. “Ao final de fevereiro, com a pandemia se alastrando pelo mundo, o lado financeiro começou a pesar”, pontuou.
A partir de então, as bolsas ao redor do mundo despencaram dia após dia, e os investimentos em renda variável – o que inclui a Bolsa de Chicago – migraram para ativos mais seguros. Chicago voltou a trabalhar próximo da linha de US$ 8,00 por bushel.
“Neste ambiente, o dólar voltou a mostrar sua força como ‘porto seguro’ para a economia mundial. A moeda norte-americana começou uma escalada frente a praticamente todas as outras moedas em meio ao pânico com o fechamento das economias ao redor do mundo. Isso trouxe suporte para os preços brasileiros, mesmo com a entrada de uma grande safra e com Chicago pressionado”, analisou.
Com a soja brasileira mais competitiva frente à norte-americana, cresceu a demanda global pelo produto nacional, principalmente por parte da China. “As exportações começaram a crescer a partir de março, e encerraram o primeiro semestre atingindo recordes. Os dados indicavam que a oferta brasileira estava sendo consumida em um ritmo mais rápido que o esperado. Os prêmios dispararam nos portos brasileiros e as cotações do mercado interno acompanharam a valorização da paridade”, Gutierrez lembra que, ainda no primeiro semestre, os preços internos bateram recordes, com as cotações superando a casa de R$ 100 por saca. O dólar acima de R$ 5,50 era outro fator fundamental para a valorização dos preços internos.
Com um volume recorde de soja exportada no primeiro semestre, o que se esperava era uma queda mais acentuada nas exportações no começo do segundo semestre. Ao contrário, o que se viu foi ainda um forte ritmo de embarques nos meses de julho, agosto e setembro, o que continuava “enxugando” a oferta brasileira.
“A partir daí, a briga entre mercado interno e exportação ficou mais acirrada. Os prêmios pagos internamente começaram a subir mais que os prêmios de exportação. Em resumo, de olho em suas necessidades para o restante do ano, as indústrias estavam pagando mais para impedir que o restante da oferta brasileira continuasse migrando para os portos. Tal fato levou a uma distorção nunca antes vista no mercado brasileiro. Os preços internos superaram – e muito – a paridade de exportação. A soja brasileira começou a ser precificada de “dentro pra fora”, e não mais baseada na paridade de exportação. As importações começaram a aumentar, com soja vinda principalmente do Paraguai. Com uma oferta cada vez mais enxuta, os preços chegaram a recordes inimagináveis, atingindo o ápice no início de novembro. Houve negócios no mercado disponível com valores superiores a R$ 180 por saca”, destacou o analista.
Já nos últimos dois meses do ano, com o avanço dos estudos em torno das vacinas ao redor do mundo e um lado financeiro mais “tranquilo” diante do provável fim da pandemia, o dólar começou a perder força. Os preços recuaram para patamares mais baixos, menos distorcidos, mas ainda elevados. Chicago, em contrapartida, voltou a trabalhar acima dos US$ 12,00 por bushel, patamar não atingido desde 2014.
“A soma de problemas produtivos na safra norte-americana, aumento da demanda chinesa pela soja dos EUA e problemas climáticos na América do Sul que colocam em xeque a nova produção de Brasil e Argentina levaram a uma forte valorização dos contratos futuros no último trimestre de 2020”, explicou.
Gutierrez considera o ano de 2020 “um ponto fora da curva” devido à pandemia e a todos os impactos que ela trouxe ao redor do mundo. “Não podemos esperar a repetição do que se viu neste último ano. Apesar disso, na soja, alguns fatores mudaram de patamar devido a questões fundamentais ligados à oferta e à demanda. Chicago começa a nova temporada em patamares bastante elevados, enquanto o dólar, apesar de longe de seu recorde, permanece em níveis elevados. Frente a isso, a nova temporada deve começar com preços ainda firmes”, finalizou.
Fonte: Agência SAFRAS