“O solo tem memória”. Essa frase muito citada em trabalhos da literatura agronômica, evidencia que o solo guarda a memória do manejo realizado ao longo dos anos. A partir disso, a capacidade das plantas em acessar a água disponível no solo depende de quantas camadas de solo foram ocupadas por raízes ao longo do ciclo e de como essas camadas foram ocupadas. Assim, o que determina a capacidade das plantas acessarem a água é a profundidade do sistema radicular e a quantidade de raízes que a planta aloca em cada camada.
Há uma variação desses fatores ao longo do ciclo ocasionada pelas características morfológicas da espécie vegetal que são afetadas pelo conteúdo de água do solo, fatores químicos e físicos do solo. O quadro 1 mostra que a CAD é uma balizadora de enraizamento, visto que quanto maior a profundidade de raízes no perfil de solo, maior é a CAD.
A oferta de água para a planta em solo arenoso com bom crescimento de raízes (até 80 cm) pode ser maior que a de um solo argiloso com restrição ao crescimento de raízes (50 cm), mesmo que a CAD do arenoso seja bem menor que a do argiloso. Isso mostra que o manejo visando aumentar a oferta de água para as plantas deve promover o aprofundamento de raízes no solo sempre que possível. Sob outra ótica, em solos rasos como os Neossolos Litólicos, o risco de deficiência hídrica é grande devido a limitação natural na CAD.
Tabela 1. Relação da profundidade de enraizamento (cm) com a CAD (mm) de solos arenosos e argilosos.
Tipo de solo | Areia
(%) |
Silte
(%) |
Argila
(%) |
Profundidade
(cm) |
CAD
(mm) |
Arenoso | 65 | 25 | 12 | 50 | 95 |
Arenoso | 65 | 25 | 12 | 80 | 153 |
Argiloso | 24 | 25 | 51 | 50 | 122 |
Argiloso | 24 | 25 | 51 | 80 | 195 |
A produtividade sofre impacto expressivo com relação a acessibilidade à água. Plantas com raízes pouco profundas (próximas à superfície) exploram camadas que mais rapidamente perdem água por evaporação (o solo seca “de cima para baixo”) e, portanto, são mais susceptíveis ao déficit hídrico. Battisti & Sentelhas (2017) mostram que plantas de soja com mais de 50% do sistema radicular alocado em profundidades maiores que 30 cm são capazes de atingir produtividade superior a 7.000 kg ha-1, enquanto plantas que concentram 70% das raízes até os primeiros 30 cm do solo não produzem mais de 4.000 kg ha-1 (Figura 2).
Figura 1. Distribuição das raízes de soja em lavouras com produtividade > 7.000 (esquerda) e < 4.000 kg ha-1 (direita). Profundidade das camadas em cm.

Essa maior concentração de raízes nos primeiros centímetros de solo pode estar associada a limitações químicas e físicas do solo, como baixa saturação por bases, elevada acidez e elevada saturação por alumínio, as quais restringem o crescimento de raízes em camadas mais profundas.
Fisicamente, a elevada resistência mecânica da camada pode restringir o aprofundamento e proliferação das raízes. Em solos que realizam o plantio direto, é comum a presença de camada compactada iniciando de 5 a 10 cm abaixo da superfície e com espessura entre 7 e 15 cm (Reichert et al., 2007). A redução do conteúdo de água na camada compactada em períodos de déficit hídrico pode elevar a resistência mecânica para além da pressão de penetração que as raízes conseguem exercer, restringindo o crescimento e o aprofundamento do sistema radicular.
Ainda não há um diagnóstico amplo e sistematizado sobre o quanto as raízes são impedidas de crescer por limitações impostas pelo solo nas lavouras brasileiras de soja. O regime de precipitações mascara a relação entre profundidade de enraizamento e produtividade, visto que quando há boa disponibilidade e distribuição de chuva ao longo do ciclo, a produtividade de grãos geralmente não é afetada mesmo que a acessibilidade à água tenha ficado restrita às camadas mais superficiais do perfil de solo por limitações ao aprofundamento de raízes.
Mulazzani et al., (2022) (dados não publicados) em estudo para o Rio Grande do Sul, com 12 cenários de compactação e 30 anos, obteve que a compactação causou menos de 5% de redução na produtividade da soja em anos com acumulado de chuva > 750 mm e com intervalo entre chuvas menor que 2 semanas. Por outro lado, em anos com acumulado de chuva < 590 mm e com intervalo entre chuvas maiores que 2 semanas na fase reprodutiva e/ou 3 semanas na fase vegetativa, a redução de produtividade foi maior que 70%.
Quanto ao efeito da redução da profundidade de enraizamento na produtividade da soja, no mesmo estudo, a redução da profundidade de enraizamento de 90 para 50 cm causou uma redução de produtividade acumulada em 30 anos de 24.000 kg ha-1. Um levantamento de lavouras de soja na Argentina de 2009 a 2020, realizado pela Universidad Nacional de Entre Ríos – Argentina, mostra a relação entre profundidade de enraizamento, capacidade de armazenamento de água do solo e produtividade (Figura 2). O aprofundamento radicular permite à planta acessar um maior volume de água no perfil do solo, com menor deficiência hídrica durante o ciclo e consequentemente maior produtividade.
Figura 2. Relação entre profundidade de enraizamento, capacidade de armazenamento de água no solo e produtividade de grãos em lavouras de soja na Argentina entre 2009 a 2020.

Portanto, investir na fertilidade e qualidade do solo só trás benefícios ao produtor, visto que investindo no solo, ele retornará com produtividade.
Referências Bibliográficas
ECOFISIOLOGIA DA SOJA: VISANDO ALTAS PRODUTIVIDADES / EDUARDO LAGO TAGLIAPIETRA… [ET AL.]. 2. ED. SANTA MARIA: [S. N.], 2022.