Inseticidas são ferramentas essenciais na proteção de culturas agrícolas, inclusive da soja. Os ingredientes ativos disponíveis atualmente são classificados pelo Comitê de Ação contra Resistência a Inseticidas (IRAC) em cerca de 30 grupos diferentes, cada qual apresentando um modo de ação distinto. Inseticidas dotados de novos modos de ação surgem no mercado apenas a cada cinco ou dez anos, denotando a importância de prevenir-se o surgimento de resistência em pragas por meio da rotação de modos de ação nas lavouras.

Além da classificação por modos de ação, os inseticidas podem ser agrupados em quatro grandes categorias, de acordo com o processo biológico que é afetado no inseto: sistema nervoso e muscular, crescimento e desenvolvimento, respiração celular e sistema digestivo. Juntamente com os processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção do inseticida no organismo do inseto, os modos de ação determinam a eficácia de controle dos diferentes ingredientes ativos. Há ainda inseticidas que não se encaixam nessa classificação por atuarem simultaneamente em mais de um sítio, ou cujo sítio de ação ainda é desconhecido.

Esse é o sexto artigo de uma série de textos abordando os diversos grupos químicos de inseticidas e seus distintos modos de ação. Hoje, falaremos sobre as diamidas, inseticidas neuromusculares pertencentes ao grupo 28 (moduladores de receptores de rianodina). Essa classificação é fornecida pelo IRAC, de acordo com o sítio de ação primário de cada inseticida. Para conhecer os inseticidas pertencentes aos grupos 6 (moduladores alostéricos dos canais de cloro mediados pelo glutamato) e 9 (moduladores de canais TRPV dos órgãos cordonotais), acesse o texto anterior clicando aqui: https://maissoja.com.br/como-funcionam-os-inseticidas-avermectinas-e-piridinas/

No segundo artigo dessa série, vimos como os canais de íons são ativados por moléculas neurotransmissoras e possibilitam o transporte de íons inorgânicos (Na+, K+, Ca2+ e Cl) através das membranas celulares (Figura 1). O glutamato, um tipo de neurotransmissor, está ligado ao processo de excitação e contração muscular dos insetos, que ocorre através de canais de cálcio intracelulares denominados receptores de rianodina. Os receptores receberam seu nome de um alcalóide vegetal, a rianodina, pelo qual demonstram alta afinidade. Estão presentes em grande número na membrana do retículo sarcoplasmático das células musculares, atuando como mediadores da liberação de cálcio induzida por cálcio.

Figura 1. Canais de íons são ativados por neurotransmissores, conduzindo íons através da membrana plasmática das células.

Fonte: SALGADO, V. L. (2013). Confira a imagem original clicando aqui.

A Figura 2 ilustra o processo de contração muscular dos insetos por meio da liberação de íons cálcio (Ca2+) nos receptores de rianodina. Primeiro, um impulso nervoso (originado de um estímulo sensorial externo) percorre o sistema nervoso central e ocasiona a liberação de moléculas de glutamato no terminal nervoso-muscular, onde neurônios e células musculares se comunicam (1). A ativação dos receptores de glutamato na membrana celular causa um influxo de íons de sódio (Na+) e polariza positivamente o meio intracelular, consequentemente ativando os canais de cálcio tipo-L, dependentes de voltagem positiva (2).

Em seguida, íons de cálcio (Ca2+) entrando através dos canais tipo-L ligam-se e ativam os receptores de rianodina, na membrana sarcoplasmática (3). Ao serem ativados, os receptores de rianodina liberam mais íons Ca2+ (presentes no interior do retículo sarcoplasmático), que por sua vez ativam mais receptores de rianodina, criando uma reação em cadeia de liberação de cálcio (4). Os íons Ca2+ ligam-se aos filamentos contráteis do citoplasma e causam seu encurtamento (5). O processo de contração é encerrado por proteínas que bombeiam os íons Ca2+ para fora do citoplasma, de volta ao retículo sarcoplasmático ou para os espaços extracelulares.

Figura 2. Processo de contração muscular mediado pelos receptores de rianodina.

Fonte: SALGADO, V. L. (2013). Confira a imagem original Clicando aqui.

As diamidas são capazes de ativar os receptores de rianodina, induzindo uma contração muscular ininterrupta que rapidamente leva o inseto à morte. Trata-se de um modo de ação relativamente novo: a flubendiamida foi desenvolvida em 2007 pela Bayer, enquanto o clorantraniliprole foi introduzido pela DuPont em 2008. Ambos os ingredientes ativos apresentam amplo efeito sobre lepidópteros (ou seja, lagartas desfolhadoras), em diversas culturas agrícolas. Já o ciantraniliprole, lançado pela DuPont em 2012 como uma diamida de segunda geração, apresenta também ação sistêmica contra insetos sugadores, além do tradicional efeito sobre desfolhadores.

Embora as diamidas normalmente demonstrem eficácia contra pragas resistentes a outros grupos químicos, relatos de resistência em populações de traça-das-crucíferas (Plutella xylostella) surgiram logo após o início da sua comercialização, em diversos países da Ásia. A resistência às diamidas é conferida por uma mutação no sítio de ligação dos receptores de rianodina. Casos de resistência já foram reportados também em populações de Liriomyza na Flórida e Scirophaga na Indonésia.

As diamidas são praticamente não-tóxicas para vertebrados terrestres e aquáticos, quando utilizadas de acordo com as recomendações de bula. Insetos benéficos também são pouco afetados. Ciantraniliprole demonstra alta toxicidade para abelhas quando aplicado durante o vôo destas, mas o resíduo seco apresenta impacto mínimo. Embora haja toxicidade para certos invertebrados aquáticos, o potencial de bio-acumulação das diamidas é irrisório.

Portanto, as diamidas representam uma ferramenta eficaz e segura no manejo de pragas agrícolas, especialmente daquelas pertencentes à ordem Lepidoptera. Com esse grupo, encerramos o estudo dos inseticidas atuantes no sistema neuromuscular dos insetos. Na próxima semana, entenderemos o funcionamento dos inseticidas que afetam o crescimento e desenvolvimentos dos insetos, começando pelo Grupo 7: mímicos do hormônio juvenil.

A reprodução desse texto, ou partes dele, deve ser precedida de autorização dos autores e acompanhada de citação da seguinte fonte: POZEBON, H.; ARNEMANN, J. A. Como funcionam as diamidas? Portal Mais Soja. 2021. Disponível online.

Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM



REFERÊNCIAS:

SALGADO, V. L. 2013. BASF Insecticide Mode of Action Technical Training Manual. Disponível em:https://agriculture.basf.com/global/assets/en/Crop%20Protection/innovation/BASF_Insecticide_MoA_Manual_2014.pdf

IRAC. 2018. Mode of Action Classification Scheme.
Disponível em: https://www.irac-online.org/documents/moa-structures-poster-english/?ext=pdf

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