A maior ocorrência de chuvas na região sul do Brasil, decorrente da influência do fenômeno El Niño, pode criar um ambiente propício para o desenvolvimento de doenças na cultura da soja, principalmente se tratando de doenças fúngicas, como por exemplo, a ferrugem-asiática, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi.
A ferrugem-asiática é considerada a doença mais severa que incide sobre a cultura da soja. Sua ocorrência depende da ocorrência do chamado “triângulo da doença”, composto pelo hospedeiro (soja), patógeno (fungo) e por um ambiente propicio à disseminação da doença. Nesse sentido, as condições que o fenômeno El Niño provoca tendem a potencializar a ocorrência da doença.
O agente causal da ferrugem asiática é um fungo biotrófico que sobrevive em soja verde e outros hospedeiros, podendo infectar uma ampla variedade de hospedeiros, abrangendo 41 espécies distribuídas em 17 gêneros da família Fabaceae. Os principais hospedeiros incluem a soja (Glycine max), a soja perene (G. sojae), o kudzu (Pueraria lobata) e o feijão caupi (Vigna unguiculata). Além disso, recentemente, foram identificadas como hospedeiras desse patógeno a corda de viola (Ipomoea nil) e o leiteiro (Euphorbia heterophylla) (Rodrigues, 2019).
A incidência da ferrugem-asiática é influenciada pela frequência de chuvas ao longo do ciclo de desenvolvimento da cultura e temperaturas elevadas, onde temperaturas entre 18° e 26,5° C são favoráveis para que ocorra a infecção, sendo necessária a disponibilidade de água livre na superfície da folha, com o mínimo de seis horas e o máximo de infecção ocorrendo entre 10 e 12 horas de molhamento foliar (Henning et al., 2014).
O ciclo da ferrugem asiática tem início com a disseminação dos esporos, que funcionam como sementes do fungo. Esses esporos são produzidos nas plantas hospedeiras durante a entressafra, transportados pelo vento e depositam nas folhas da planta de soja. Em condições propicias, os esporos germinam e o fungo penetra na folha, distinguindo-se das demais ferrugens por sua capacidade de penetrar diretamente, rompendo a epiderme.
Sob condições ideais de temperatura, aproximadamente cinco dias após a penetração, é possível observar os primeiros sintomas. Após mais quatro a seis dias, surgem as urédias (saliências) e começam a liberar novos esporos, cada urédia continua a produzir esporos por um período de aproximadamente 21 dias. Esses esporos podem iniciar novas infecções na mesma lavoura ou, através do vento se disseminar para outras lavouras. Ao final do ciclo da cultura, o fungo passa a sobreviver em plantas voluntárias e outros hospedeiros, concluindo seu ciclo reprodutivo (Seixas & Godoy, 2005).
De acordo com informações do Consórcio Antiferrugem (2023), as semeaduras tardias, com o aumento da janela de semeadura, causadas pelo excesso de chuvas no Sul e menor volume de chuvas no Centro-Oeste, amplia a probabilidade de aumento na severidade da doença. Esse fenômeno é atribuído ao crescimento da presença de inóculo do fungo, tornando a cultura mais suscetível à infecção da ferrugem-asiática. Aliada a isso, de acordo com Godoy (2023), tem-se observado a presença precoce de incidência da doença, em comparação com safras anteriores, sendo evidenciada pela coleta de esporos em diferentes regiões em lavouras comerciais confirmando casos de ocorrência de ferrugem-asiática.
Figura 1. Casos de ocorrência de ferrugem em soja, presença de esporos e ferrugem-asiática em soja voluntária (18/12/2023).

Até o momento foram registrados no país 91 casos de ocorrência de ferrugem na safra 2023/2024, sendo que 11 dessas ocorrências foram registradas no Rio Grande do Sul. Ao compararmos esse mesmo período com a safra anterior (2022/2023), podemos observar um cenário bastante diferente, onde havia sido registrado apenas nove casos de ocorrência da doença, destacando uma significativa alteração na incidência da doença entra as duas safras (Consórcio Antiferrugem, 2023). A safra 2022/2023 foi influência pelo fenômeno climático La Niña, que se caracteriza pelo resfriamento das águas do oceano pacífico, resultando em chuvas fortes na região Norte e Nordeste do Brasil, ao mesmo tempo em que provoca secas na região Sul.
Figura 2. Comparativo de ocorrências de ferrugem-asiática por Estado – Safra 2022/2023 (esquerda) e 2023/2024 (direita), no período de 01/11 a 18/12.

Godoy (2023) destaca a importância de adotar medidas de proteção nas lavouras, principalmente em regiões onde a presença da ferrugem-asiática já foi relatada. Quando identificada a presença de esporos próximas a região de cultivo, o controle deve ser iniciado preventivamente ou nos primeiros sintomas da doença.
O cenário atual apresenta condições bastante favoráveis para o desenvolvimento da doença nesta safra, visto que a ocorrência de precipitações é um fator importante por facilitar a deposição dos esporos, ao mesmo tempo em que promove condições de molhamento (Seixas et al., 2020). Diante dessa situação, torna-se essencial adotar medidas preventivas para evitar possíveis perdas de produtividade que podem ser ocasionadas pela doença, que tem potencial de reduzir em até 90% na produtividade da cultura, caso as medidas de controle não sejam tomadas. Nesse sentido, o monitoramento e identificação da doença em estádios iniciais são importantes para o controle eficiente, o qual deve ser realizado de forma integrada, através de diferentes estratégias de manejo.
A menor sensibilidade do fungo P. pachyrhizi aos fungicidas pertencentes aos grupos dos inibidores da desmetilação (IDM – trazóis), inibidores da quinona externa (IQe – estrobilurinas) e inibidores as succinato desidrogenase (ISDH – carboxamidas), principais grupos de fungicidas utilizados no controle da doença torna o manejo da doença um desafio ainda maior (Godoy et al., 2023).
O Comitê de Ação à Resistência a Fungicidas (FRAC-2023), reforça a necessidade de implementar práticas como a rotação de ingredientes ativos do mesmo mecanismo de ação ou grupo químico nos programas de controle da doença, rotacionar entre fungicidas com diferentes mecanismos de ação, aplicando-os sempre em associação com fungicidas multissítios.
A aplicação preventiva deve ser realizada seguindo as doses e intervalos recomendados pelos fabricante, utilizando tecnologia de aplicação e volume de calda adequados para a distribuição dos fungicidas de forma eficiente nas plantas. Além disso, algumas medidas importantes como não plantar soja safrinha, respeitar o vazio sanitário e eliminar plantas voluntárias devem ser seguidas. Realizar o plantio na época recomendada, optando por cultivares de ciclo mais curto e com tolerância à doença, além da prática de rotação de culturas.
De acordo com Seixas et al. (2020), o atraso na aplicação, após identificados os sintomas iniciais pode resultar em reduções na produtividade, especialmente se as condições climáticas favorecem o avanço da doença. O número e a frequência de aplicações necessárias são determinados conforme o estádio em que a doença foi identificada na lavoura, pelo efeito residual dos produtos utilizados e pelas condições climáticas.
Referências:
CONSÓRCIO ANTIFERRUGEM. Parceria público-privada no combate à ferrugem asiática da soja, 2023. Disponível em: < http://www.consorcioantiferrugem.net/#/main >, acesso em: 18/12/2023.
FRAC – BR. RECOMENDAÇÕES PARA O USO DE TRIAZOIS E TRIAZOLINTIONE NO MANEJO DE DOENÇAS EM SOJA. Comitê de Ação à Resistência a Fungicidas. Holambra – SP, 2023. Disponível em: < https://www.frac-br.org/_files/ugd/6c1e70_d271fc6fa373483aa6986840e82e42fe.pdf >, acesso em: 18/12/2023.
GODOY, C. V. et al. EFICIÊNCIA DE FUNGICIDAS PARA O CONTROLE DA FERRUGEM-ASIÁTICA DA SOJA, PHAKOPSORA PACHYRHIZI, NA SAFRA 2022/2023: RESULTADOS SUMARIZADOS DOS ENSAIOS COOPERATIVOS. Embrapa, circular técnica, 195. Londrina – PR, 2023. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/doc/1154837/1/Circ-Tec-195.pdf >, acesso em: 18/12/2023.
GODOY, C. V. FERRUGEM DA SOJA NA SAFRA 23/24. Embrapa, Soja Radar da Tecnologia, 2023. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=dW2xPK1z5qs&t=24s >, acesso em: 18/12/2023.
HENNING, A. A. et al. MANUAL DE IDENTIFICAÇÃO DE DOENÇAS DE SOJA. Embrapa, documentos, 256, ed. 5. Londrina – PR, 2014. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/105942/1/Doc256-OL.pdf >, acesso em: 18/12/2023.
RODRIGUES, L. K. FERRUGEM ASIÁTICA DA SOJA. Promip, 2019. Disponível em: < https://promip.agr.br/ferrugem-asiatica-da-soja/ >, acesso em: 18/12/2023.
SEIXAS, C. D. S. et al. MANEJO DE DOENÇAS. Tecnologias de Produção de Soja, sistemas de produção. 17, cap. 10. Londrina – PR, 2020. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/223209/1/SP-17-2020-online-1.pdf >, acesso em: 18/12/2023.
SEIXAS, C. D. S.; GODOY, C. V. FERRUGEM ASIÁTICA DA SOJA. Consórcio Antiferrugem, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2005. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/56144/1/ID-26146.pdf >, acesso em: 18/12/2023.
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