• América Latina e Caribe lideram o uso global de controle biológico aumentativo, com mais de 62 milhões de hectares tratados em 2024.
  • Agentes microbianos, como fungos, bactérias e vírus, superam os macrobiológicos em uso na região, com destaque para Brasil, Honduras e Paraguai.
  • Biocontrole avança especialmente em culturas como soja, cana-de açúcar, milho e algodão, mas menos de 4% das aplicações vão para as culturas voltadas à produção de alimentos.
  • Barreiras incluem lobby da indústria de pesticidas químicos, regulação complexa, dados pouco confiáveis e resistência cultural ao abandono do uso de produtos químicos.
  • Políticas públicas, nova geração de produtores e mercados exigentes impulsionam a expansão, mas há necessidade de maior integração com práticas agroecológicas.
  • No Brasil, a simplificação do registro, a disponibilidade de microrganismos confiáveis e relativamente baratos e os jovens produtores optando pelo biocontrole são fatores positivos.

A América Latina e o Caribe se consolidaram em 2024 como as regiões com maior área agrícola sob o controle biológico aumentativo no mundo, ultrapassando 62 milhões de hectares tratados, especialmente com agentes microbianos como fungos, bactérias e vírus, conforme estudo de pesquisadores da Holanda e Brasil. O avanço expressivo da prática — que consiste na liberação massiva de inimigos naturais de pragas — se dá sobretudo em culturas a céu aberto como soja, cana-de-açúcar, milho e algodão, e é impulsionado por políticas públicas, novas regulamentações de produtos biológicos, produção local e demanda por uma agricultura mais sustentável e livre de resíduos químicos.

De acordo com Joop van Lenteren, da Universidade de Wageningen, da Holanda, o protagonismo é liderado pelo Brasil, que ampliou sua área tratada com agentes de biocontrole de 22 milhões para mais de 56 milhões de hectares entre 2018 e 2024. Contudo, outros países também se destacam: Cuba, Trinidad e Tobago, Bolívia e República Dominicana apresentam altos índices proporcionais de adoção ao controle biológico, graças a programas estatais estruturados, incentivos à produção orgânica e regulação favorável.

Para ele, é interessante mencionar também a simplificação do registro (como no Brasil), a disponibilidade de microrganismos confiáveis e relativamente baratos e os jovens produtores optando pelo biocontrole são fatores positivos ao desenvolvimento do controle biológico nessas regiões.

“Cuba, por exemplo, mantém mais de 200 centros estatais de produção de agentes de controle biológico. A Colômbia também apresenta uso expressivo de agentes de controle biológico tanto em cultivo protegido quanto em campo aberto, com crescente integração entre agentes microbianos e macrobiológicos”, explica van Lenteren.
Para Wagner Bettiol, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, a mudança regulatória em países como o Brasil — que passou a registrar agentes biológicos por tipo de praga (por alvo), e não mais por cultura — reduziu o tempo de registro e com liberação para cerca de dois anos, bem abaixo da média europeia. Isso tem estimulado o registro de produtos. Atualmente, o país conta com mais de 600 produtos à base de agentes de controle biológico oficialmente aprovados. Além disso, ele comenta que 14% da produção de agentes de controle biológico no Brasil ocorre diretamente nas propriedades rurais (produção on-farm), o que reduz custos e dá mais autonomia ao produtor.

Contudo, Bettiol ressalta que a produção diretamente nas propriedades rurais deve ser realizada de forma adequada para garantir a qualidade dos organismos produzidos. Além disso, o agricultor sempre precisa ficar atento aos custos de produção dos bioagentes e realizar análises para avaliar a qualidade do que está sendo produzido.

“Os agentes microbianos têm se destacado pela facilidade de produção e aplicação em larga escala, além de menor custo e maior vida útil. Eles já superam os macrobiológicos (como insetos, nematoides e ácaros) em uso, especialmente no Brasil, Honduras, Nicarágua e Paraguai. Em contraste, países como Cuba, Bolívia e México ainda mantêm forte tradição no uso de agentes macrobiológicos”, destaca Vanda Bueno, professora da Universidade Federal de Lavras.

Apesar do crescimento, o uso dos agentes de controle biológico ainda é fortemente concentrado em culturas voltadas à indústria e alimentação animal: mais de 96% da área tratada corresponde a cultivos como soja para produção de ração e biodiesel, cana-de-açúcar para a produção de etanol, algodão para a produção de tecidos e florestas de eucaliptos e pinus para produção de celulose. Apenas 4% dos agentes de biocontrole produzidos são destinados à produção de alimentos de consumo direto como frutas, hortaliças e grãos básicos.

Essa concentração reflete um desafio estrutural da região: embora o controle biológico aumentativo represente uma alternativa sustentável aos pesticidas químicos sintéticos, ele ainda enfrenta obstáculos técnicos, econômicos e culturais. Um dos principais entraves é a influência persistente da indústria de produtos químicos, que moldou a mentalidade dominante no campo com a ideia de que “o único inseto bom é um inseto morto”.

Essa visão ainda predomina entre muitos produtores, agrônomos e consultores, dificultando a adoção do biocontrole — especialmente quando este exige conhecimento técnico ou adaptação no manejo do cultivo, comenta Bettiol.

Além disso, explica Vanda Bueno, os pesticidas químicos continuam sendo mais baratos em termos aparentes, graças a “subsídios ocultos” como a ausência de cobrança pelos impactos ambientais e de saúde pública que provocam. Especialistas estimam que, se esses custos fossem incorporados, os agrotóxicos custariam de duas a quatro vezes mais, tornando o biocontrole muito mais competitivo e rentável.

Outro gargalo é o regulatório. Embora alguns países da América Latina tenham avançado, ainda há uma grande fragmentação nas exigências para registro de produtos biológicos na região. Processos burocráticos, caros e lentos desestimulam empresas inovadoras e dificultam o acesso de pequenos produtores à tecnologia. A falta de taxonomistas especializados — essenciais para identificação de novos inimigos naturais — também é um obstáculo, agravado pela dispersão dos especialistas em instituições acadêmicas e museus.

O estudo que embasa essas conclusões também aponta falhas na coleta e padronização de dados sobre o uso do controle biológico na América Latina. Há variação entre países na forma de calcular a área tratada (alguns somam aplicações por safra, outros consideram a área física), além de resistência do setor privado em fornecer informações. “O problema se agravou após a aproximação de empresas de biocontrole com grupos de lobby como a CropLife, o que tornou mais difícil diferenciar entre o uso real de agentes biológicos e bioinsumos derivados (como toxinas), que não se enquadram tecnicamente como agentes de biocontrole, acredita van Lenteren.

Os autores do estudo apontam cinco fatores principais que orientam a decisão dos produtores sobre adotar (ou não) o controle biológico: disponibilidade de produtos, acessibilidade econômica, aplicabilidade em larga escala com equipamentos já existentes, confiabilidade dos resultados e simplicidade de uso. Quando esses critérios são atendidos — como no caso do Brasil com as espécies de Bacillus e de Trichoderma para o controle de doenças de plantas ou de Metarhizium anisopliae e de Beauveria bassiana no controle de pragas das plantas — a adesão tende a crescer rapidamente.

No campo político, países como Bolívia, Cuba, Peru e Jamaica impulsionam o controle biológico com diretrizes específicas, incentivos à produção local e até proibição de pesticidas químicos altamente tóxicos. A adoção do biocontrole também é estimulada por exigências de mercados internacionais, que valorizam produtos orgânicos e livres de resíduos — como ocorre no Peru, Costa Rica e República Dominicana, importantes exportadores de café, banana e cacau.

Há também uma mudança geracional em curso: agricultores mais jovens, com maior escolaridade e acesso a informação, tendem a ver o controle biológico como uma tecnologia moderna e estratégica, não como substituta pontual dos pesticidas.

O estudo aponta ainda que, para transformar o controle biológico em ferramenta estruturante de uma agricultura mais resiliente, será necessário ir além do controle direto de pragas. Será preciso integrar o controle biológico aumentativo a sistemas agroecológicos e práticas conservacionistas — como o controle biológico natural e o conservativo — que valorizam os inimigos naturais já presentes nos ecossistemas agrícolas.

“Em síntese, conclui Bettiol, o controle biológico aumentativo está em expansão acelerada na América Latina, com destaque global e potencial de transformar os sistemas produtivos. Mas para que esse avanço seja consolidado e beneficie toda a cadeia agroalimentar — inclusive os consumidores — será preciso enfrentar os desafios de regulação, capacitação, cultura agrícola e acesso a dados. O caminho para uma agricultura mais sustentável passa, cada vez mais, pelos micros e macros organismos do bem”.

O estudo, de Joop C. van Lenteren, Universidade de Wageningen, Holanda, Vanda Bueno, Universidade Federal de Lavras e Wagner Bettiol, Embrapa Meio Ambiente, está disponível aqui.



 

FONTE

Autor:Cristina Tordin/Embrapa Meio Ambiente

Site: EMBRAPA

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