Nas últimas duas safras (2020/21 e 2021/22), os produtores de soja têm se deparado com um novo adversário em suas lavouras: os tripes. Considerada até então uma praga secundária, sua importância tem aumentado nas lavouras de soja devido à ocorrência prolongada de déficits hídricos, que favorecem a proliferação da praga e tornam as plantas mais suscetíveis ao seu dano.
Os tripes, assim como os ácaros, são pragas típicas de períodos de estiagem. Nessas condições, seus danos tornam-se mais perceptíveis, devido à perda acentuada de água pelas plantas de soja. Além disso, o menor conteúdo de água nos tecidos foliares faz com que o inseto realize um número maior de ataques para suprir sua necessidade alimentar.
Como identificar?
Os tripes são insetos raspadores-sugadores, com alta diversidade (cerca de duas mil espécies no mundo todo) e colorações variadas (marrom, branca, amarelada ou preta). Duas espécies predominam em soja no Brasil: Frankliniella schultzei (tripes-marrom) e Caliothrips phaseoli (tripes-carijó). As populações sul-americanas de C. phaseoli são frequentemente tratadas como uma espécie diferente: C. brasiliensis.
As diferentes espécies assemelham-se em termos de características morfológicas (Figura 1). Os adultos medem 1 mm a 3 mm de comprimento e são mais escuros. Possuem quatro asas longas e franjadas. As ninfas (ou larvas) medem cerca 0,5 mm, possuem coloração mais clara e são encontradas na face inferior das folhas. Ocorrem três fases (ínstares) ninfais, atingindo a fase adulta entre oito e nove dias.
Figura 1. Frankliniella schultzei (tripes-marrom, à esquerda) e Caliothrips phaseoli (tripes-carijó, à direita).
Fonte:thysanoptera.com
As fêmeas depositam seus ovos no interior das folhas de soja (postura endofítica). Embora a maioria dos tripes reproduzam-se por via sexuada, algumas espécies apresentem reprodução partenogenética (sem necessidade de cópula). Essa caracaterística, aliada ao curto ciclo de desenvolvimento de ovo a adulto (10 a 15 dias), possibilita uma rápida infestação das lavouras e dificulta o seu manejo.
Danos e monitoramento
Semelhantemente aos ácaros, os tripes não sugam diretamente a seiva das plantas: eles raspam as folhas de soja para perfurar as células e ingerir o conteúdo extravasado. Como resultado, surgem pequenas áreas de coloração prateada nas folhas (mosqueados), reduzindo a área fotossinteticamente ativa das plantas. Além disso, podem atacar diretamente as vagens. A perda de água pelas lesões leva à queda prematura das folhas, acelerando o ciclo da cultura.
Embora importante, esse dano direto não impacta significativamente a produtividade da soja. O principal dano associado aos tripes é a transmissão de tospovírus, ocasionado a chamada queima-do-broto-da-soja. Os sintomas dessa infecção incluem plantas atrofiadas, com brotamento excessivo e broto apical encurvado para baixo. Em condições severas, as perdas de produtividade podem se aproximar de 100 % (MOSCARDI et al., 1980).
De forma geral, apenas os adultos de tripes são capazes de transmitir o vírus, pois é necessário um período de incubação no interior do inseto vetor para que este se torne infectivo. O tripes-marrom (F. schultzei) é mais eficiente na transmissão do tospovírus, em relação às demais espécies de tripes. Por isso, a identificação e o controle dessa espécie devem ser particularmente rigorosos. Como a inoculação do patógeno nas plantas ocorre em um curto período de tempo, a rapidez de ação é fundamental.
Figura 2. População de tripes ao longo do ciclo da soja, com e sem irrigação.
Fonte: Gamundi e Perotti (2009).
Como citado anteriormente, a ocorrência de tripes é mais importante em épocas de estiagem, quando o monitoramento deve ser intensificado. A precipitação hídrica, além de tornar as plantas de soja mais tolerantes ao ataque, também pode ocasionar a morte das formas juvenis do inseto, auxiliando na supressão da população infestante.
O monitoramento deve iniciar nas bordas das lavouras, onde o solo é mais compactado pela passagem de maquinário. Geralmente, os tripes são detectados primeiro em manchas de solo com menor fertilidade. A capacidade de vôo dos adultos é limitada, de forma que sua dispersão ocorre principalmente pelo vento.
Quando e como controlar?
A principal dificuldade no controle de tripes está ligada ao comportamento da praga na planta, devido à sua concentração no terço inferior (baixeiro). Além disso, parte do ciclo de vida do inseto ocorre no solo (ninfas maiores), dificultando ainda mais o seu manejo. Segundo estudos conduzidos na Argentina, o controle deve ser realizado a partir de 20 tripes por folíolo de soja (GAMUNDI; PEROTTI, 2009).
A planta daninha cravorana (Ambrosia polystachya) serve como hospedeiro de tospovírus na natureza e, portanto, deve ser eliminada da lavoura ou áreas próximas. A época de semeadura da cultura também pode ser programada para evitar que a fase de enchimento de grãos coincida com períodos de menor disponibilidade hídrica, que correspondem aos meses de dezembro e janeiro no Sul do Brasil.
Em relação ao controle químico, atualmente há 26 inseticidas químicos registrados para o controle de tripes no Brasil. Produtos formulados à base de acefato (organofosforado), clorfenapir (pirazol) e imidacloprido (neonicotinoide) apresentam boa eficácia de controle para essa praga. A principal limitação do controle químico não está associada à eficiência dos produtos, mas sim à alta capacidade de reinfestação da praga e à necessidade desta ser controlada antes de realizar a transmissão do vírus.
Produtos com ação translaminar, como clorfenapir, são os mais indicados para o controle de tripes. Ao serem aplicados na superfície superior das folhas, esses inseticidas são capazes de translocar para o lado inferior, onde ninfas e adultos estão localizados em maior número. Deve-se atentar para o momento de aplicação, dose, intervalo adequado e número máximo de aplicações recomendadas na bula pelo fabricante.
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Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
Referências:
GAMUNDI, J. C.; PEROTTI, E. Evaluación de daño de Frankliniella schultzei (Try-bom) y Caliothrips phaseoli (Hood) en diferentes estados fenológicos del cultivo de soja. Para mejorar la producción, v. 42, p. 1-5, 2009.
MOSCARDI, F.; CORRÊA-FERREIRA, B.S.; ALMEIDA, A.M.R. Distribuição de tripes e incidência da “queima do broto” em lavouras de soja no Paraná. In: EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Soja. Resultados de pesquisa de soja 1979/80. Londrina: EMBRAPA-CNPSo, p. 172-174, 1980.
THEKKE-VEETIL, T. et al. Soybean thrips (Thysanoptera: Thripidae) harbor highly diverse populations of arthropod, fungal and plant viruses. Viruses, v. 12, n. 12, p. 1376, 2020.