O manejo fitossanitário da soja passa por constantes alterações, apresentando cenários distintos de acordo com a região de cultivo. Entretanto, pelo menos um grupo de pragas ocorre de forma generalizada em todo o país: os percevejos, insetos sugadores capazes de afetar tanto a produtividade quando a qualidade dos grãos. Dentre as diversas espécies de percevejos encontradas no Brasil, destacam-se em importância econômica o percevejo-marrom (Euschistus heros), o percevejo-barriga-verde (Diceraeus spp.), o percevejo-verde-pequeno (Piezodorus guildinii) e o percevejo-verde (Nezara viridula).
Figura 1. Proporção de espécies de percevejos da soja no Brasil, nas safras 2012/13 e 2013/14.
Créditos da imagem: Henrique Pozebon. Fonte dos dados: Jérson V. C. Guedes.
Conforme exemplificado na figura acima, têm-se verificado no Brasil um aumento gradativo na ocorrência do percevejo-marrom (E. heros), em detrimento das outras espécies, possivelmente devido ao maior grau de resistência desse percevejo a inseticidas. Para saber mais sobre a dinâmica e capacidade de dano das diferentes espécies de percevejos da soja, clique aqui.
Em muitos casos, o manejo de percevejos é dificultado pela adoção de um nível de controle (NC) demasiadamente elevado, baseado em pesquisas científicas de duas décadas atrás, quando recomendava-se o controle a partir de uma infestação de dois percevejos por metro de fileira. Atualmente, a quantidade de grãos de soja produzidos por área e o seu valor de comercialização permitem um controle mais rigoroso da praga, de acordo com o estádio fenológico da cultura e o grupo de maturação da cultivar utilizada (Tabela 1). Dessa forma, evitam-se aplicações tardias e ineficazes, quando já existem elevadas densidades populacionais de ovos, ninfas e adultos.
Tabela 1. Níveis de controle dos percevejos da soja (nº de percevejos/m de linha). Os valores devem ser reduzidos pela metade para produção de sementes.
Fonte: Guedes et al. (2012), adaptado de Gamundi et al. (2008).
Outro fator complicador é a calendarização das pulverizações de inseticidas de acordo com as aplicações de fungicidas, sem considerar a real população da praga. Adicionalmente, observa-se uma tendência de redução do número de ingredientes ativos disponíveis no mercado brasileiro, com destaque para a proibição de alguns inseticidas organofosforados; além da demora no lançamento de novos inseticidas e falta de associação de ferramentas químicas com medidas culturais e biológicas. Frente a esse cenário, impera a necessidade de se revisar e atualizar o manejo de percevejos da soja, começando pela amostragem correta e assertiva das populações infestantes.
Amostragem de percevejos
A amostragem é forma mais confiável de se aferir a densidade e a distribuição das populações de pragas, e sua ausência resulta em aplicações preventivas e/ou aleatórias de inseticidas, juntamente com outros defensivos. Embora útil do ponto de vista operacional, a prática de calendarização não é recomendada, pois contraria um princípio fundamental do Manejo Integrado de Pragas (MIP): aplicar métodos de controle apenas a partir do momento em que a população da praga atinja níveis que causem danos econômicos à cultura. Esse preceito visa proteger, inclusive, a lucratividade do produtor, uma vez que o produto final da lavoura precisa “pagar” pela sua própria proteção.
Para a amostragem de percevejos da soja, recomenda-se o uso do pano-de-batida vertical, com duas tomadas em uma fileira de soja (1 m). Devem ser amostrados no mínimo seis pontos para áreas de até 10 ha, oito pontos para áreas de 11 ha a 30 ha e dez pontos para áreas de 30 ha a 100 ha (Figura 2). Áreas de extensão superior devem ser subdivididas em talhões de 100 ha (GUEDES et al., 2006). Com regra geral, a amostragem de 20 pontos ou mais por lavoura (independentemente do tamanho da área) propicia uma estimativa relativamente precisa da densidade populacional de percevejos (STÜRMER, 2012).
Figura 2. Exemplo de caminhamento para amostragem em área de soja de 75 hectares (10 pontos amostrais).
Créditos da imagem: Jérson V. C. Guedes.
Controle químico de percevejos
Entre as dificuldades enfrentadas no controle químico de percevejos, podemos citar a tolerância das espécies aos inseticidas, o elevado potencial reprodutivo, o hábito alimentar agressivo e a sua distribuição agregada. Também interferem no manejo as particularidades dos sistemas produtivos, proporcionando culturas hospedeiras (abrigo e alimento) em diferentes épocas do ano. Pensando na cultura da soja, o controle torna-se mais difícil à medida que se aumenta a densidade de plantas, o índice de área foliar e o período reprodutivo das cultivares modernas, o qual varia de 25 dias (cultivares precoces) a 50 – 65 dias (cultivares de ciclo tardio). Por fim, aspectos operacionais como início tardio do controle e erros de aplicação, dificultam ainda mais o manejo assertivo dos percevejos.
O percevejo-marrom apresenta maior tolerância aos inseticidas, incluindo os ingredientes ativos endosulfan, monocrotofós e metamidofós, tendo contribuído para a proibição de comercialização dos dois últimos. A suspensão desses inseticidas reduziu o leque de alternativas disponíveis ao produtor, elevando as chances de ocorrerem falhas no controle. Os inseticidas piretroides, como bifentrina e lambda-cialotrina, apresentam efeito de choque sobre percevejos, mas também impactam negativamente os inimigos naturais da praga (parasitoides e predadores). Hoje, as possibilidades de controle químico de percevejos restringem-se às associações de piretroides + neonicotinoides, bem como ao uso de acefato.
Embora essas formulações não apresentem grandes inovações (modificando-se tão somente os ingredientes ativos associados), sua utilização apresenta eficácia quando adotadas no momento adequado, ou seja, no início do crescimento das populações de percevejos. Cabe destacar que as espécies de percevejos apresentam diferentes graus de tolerância às doses dos inseticidas, sendo o percevejo-marrom mais difícil de controlar que o percevejo-verde-pequeno e que o percevejo-verde, exceto quando se utiliza acefato (Figura 3). A reação aos inseticidas também relaciona-se com as fases de vida dos percevejos, sendo que ninfas de primeiro, segundo e terceiro ínstar apresentam menor movimentação e alimentação, o que dificulta o seu controle.
Figura 3. Doses de registro e percentual para controle de cada espécie de percevejo.
Fonte: Guedes et al. (2012).
Considerações finais
O manejo de percevejos deve ser atualizado em face da nova realidade econômica da cultura da soja e dos novos conhecimentos obtidos acerca dessa praga. Essa nova visão deve ser sistêmica, ou seja, considerando também as demais pragas da soja e a diversidade de condições de cultivo encontradas no país. Impera a necessidade de se racionalizar os programas de manejo, adotando-se métodos de amostragem mais rápidos e eficazes, reavaliando o nível de controle em função das espécies de percevejos e das cultivares de soja utilizadas, retomando o manejo localizado das populações (bordaduras, beira de matos e reboleiras) e, sobretudo, combatendo o uso aleatório e indiscriminado de inseticidas na cultura. Dessa forma, é possível continuar produzindo soja de forma rentável, sustentável e eficiente.
Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
REFERÊNCIAS:
CORRÊA-FERREIRA, B.S.; PANIZZI, A.R. Percevejos da soja e seu manejo. Londrina: Embrapa Soja, 1999. 45 p. (Embrapa Soja. Circular Técnica, 24).
GAMUNDI, J.C., SOSA, M.A. Caracterización de daños de chinches en soja y criterios para la toma de decisiones de manejo. In: TRUMPER, E.V. & ELSTAIN, J.D. Eds. Chinches fitófagas en soja. Revisión y avances en el estudio de su ecología y manejo. Buenos Aires: INTA, 2008. p. 129-148.
GUEDES, J.V.C. et al. Capacidade de coleta de dois métodos de amostragem de insetos-praga da soja em diferentes espaçamentos entre linhas. Ciência Rural, v. 36, n. 4, p. 1299-1302, 2006
GUEDES, J.C.; ARNEMANN, J.A.; BIGOLIN, M.; PERINI, C.R.; CAGLIARI, D.; STACKE, R.F. Percevejos: revisão necessária. Revista Cultivar, v. 14, p. 22-24, 2012.
STÜRMER, G.R. Capacidade de coleta de três métodos de amostragem e tamanho de amostra para lagartas e percevejos em soja. 118 p. Dissertação (Mestrado em Agronomia) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2012.