Este trabalho será publicado na revista Cultura Agronômica nos próximos meses pelos autores: Thais Pollon Zanatta, Daniele Cristina Fontana, Stela Maris Kulckzinsky, Marcos Vinícius Marques Pinheiro e Juliano Cesar da Silva.
O trigo (Triticum aestivum L.) é uma das principais culturas alimentares, sendo cultivado em diversos ambientes e regiões geográficas, onde aproximadamente 90% da produção de trigo está concentrado na região Sul do Brasil (CONAB, 2019). No entanto, a ocorrência de doenças contribui para a limitação da produtividade do trigo, sendo favorecidas pelo excesso de chuvas, com períodos longos e frequentes de molhamento foliar e por temperaturas elevadas.
A doença giberela, causada pelo fungo Gibberella zea está entre as doenças com maior potencial de danos em cereais de inverno, e de ocorrência nas principais regiões tritícolas do mundo (DEL PONTE et al., 2015). No Brasil, em um período de mais de duas décadas foram estimados em média de 18,62% de danos na produtividade (CASA et al., 2011). Outros danos ocorrem na qualidade do produto final principalmente devido a presença de micotoxinas produzidas pelo fungo (TRALAMAZZA et al., 2016), e o seu acúmulo nos grãos de trigo representam riscos de toxicidade aos seres humanos e animais.
Dentre as práticas de manejo, o uso dos fungicidas tem sido intensificado, sendo atualmente considerada uma das principais táticas no manejo de G. zeae em trigo, juntamente com o uso de cultivares com menor susceptibilidade (GILBERT; HABER, 2013). O controle da doença através de pulverizações de produtos químicos, na maioria das vezes torna-se ineficiente em virtude de vários fatores, como desuniformidade na emergência das espigas e das anteras (principal alvo de proteção), dificuldade de distribuição uniforme das gotas nas anteras e, em algumas vezes, atraso na aplicação devido às condições climáticas quando as infecções já estão estabelecidas (SPOLTI; DEL PONTE, 2013). Estes fatores, aliados ao uso contínuo dos mesmos produtos tem proporcionado risco de surgimento de populações fúngicas resistentes, principalmente no caso de fungicidas sistêmicos, em que apresentam um sítio de ação específico (LUCAS et al., 2015).
Para que o controle de doenças seja eficiente, recomenda-se a utilização de ferramentas do manejo integrado; dentre as quais se destaca a utilização de acibenzolar-metil salicílico (ASM), um indutor de resistência análogo ao ácido salicílico (AS) (MEDOZA et al., 2018). Este indutor atua na indução da biossíntese de enzimas envolvidas na formação de compostos de defesa vegetal, e proteínas relacionadas a patogenicidade (OLIVEIRA et al., 2016). No entanto, a eficiência e o posicionamento de ASM para controle da G. zeae na cultura do trigo na região Sul do Brasil não está totalmente elucidada.
Dessa forma, o trabalho teve como objetivo determinar a época, dose e número de aplicações ideais de ácido metil salicílico (ASM) para controle de Gibberella zea durante a antese e sua influência sobre as características agronômicas da cultura do trigo.
O experimento foi conduzido na área experimental da Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – RS. Segundo a classificação de Köppen, o clima é do tipo 3, subtropical úmido, com precipitação média anual de 2100 mm. O solo da região, de acordo com a EMBRAPA, é classificado como alossoférrico típico de Latossolo Vermelho. O experimento foi realizado durante o ano de 2015.
O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados (DBC), em esquema fatorial triplo 2x3x4, sendo duas cultivares de trigo (BRS 374 e SINUELO), três épocas de aplicação de Acibenzolar-S-Metil [1 – Início do florescimento (Início), 2 – Florescimento completo na parte apical da espiga (1/2), 3 – Florescimento completo na parte basal da espiga (Início + 1/2)] e quatro doses (0,0; 12,5; 25 e 37,5 g ha-1), acrescido do controle químico, com três repetições, sendo cada unidade experimental constituída de cinco linhas de semeadura, espaçadas 0,17 m entre si, e 3,5 m de comprimento.
O experimento foi avaliado após 120 dias da semeadura quanto ao tamanho da espiga, peso da espiga, número de grãos por espiga, número de espiguetas estéreis por espiga, incidência e severidade de G. zeae, peso de mil grãos e produtividade.
Durante o período de cultivo do experimento, verificaram-se condições variáveis de precipitação e temperatura, sendo as maiores precipitações ocorridas nos meses de junho a julho e outubro a novembro, coincidindo com as fases iniciais e finais do desenvolvimento do trigo. Também foi possível observar condições adversas de temperatura na estação inverno, ocorrendo temperaturas elevadas, com média da temperatura instantânea de 21 ºC, a partir do mês de agosto; e a média das máximas alcançando 34 ºC, mesmo período em que se observou florescimento das cultivares de trigo. Considerando o ciclo das cultivares de trigo, o período de florescimento ocorreu na primeira quinzena de setembro, ocorrendo temperaturas mínimas e máximas elevadas e precipitação com média de 50 mm neste mês, considerada baixa para a cultura (Figura 1).Figura 1. Dados meteorológicos de precipitação diária (mm), umidade do ar máxima e mínima, e temperaturas máximas, mínimas e instantâneas durante o cultivo das cultivares de trigo (Triticum aestivum), BRS 374 e Sinuelo, de junho a novembro de 2015. Fonte: INMET, (Frederico Westphalen – A854) Estação meteorológica automática de Frederico Westphalen – RS.
Pela análise de variância foi possível observar significância para as variáveis tamanho da espiga, número de grãos por espiga e peso de mil sementes, sendo significativas apenas para o fator cultivar, já as variáveis produtividade, incidência e severidade de G. zea foram significativas isoladamente para os fatores cultivares e doses. Já o número de espiguetas estéreis apresentou significância isoladamente para os fatores cultivares e épocas de aplicação (Figura 2).
Para as variáveis número de grãos por espiga, peso de mil sementes (Figura 2A) e produtividade (Figura 2B), a cultivar BRS 374 (31,33; 25,85; 970,8, respectivamente) foi superior significativamente quando comparado a Sinuelo (24,99; 20,29; 667,61, respectivamente). Contudo, a cultivar BRS 374 proporcionou os maiores percentuais de incidência e severidade de G. zeae (27,67 e 2,97%, respectivamente), quando comparado a Sinuelo (12,78 e 2,00%, respectivamente) (p<0,05). Para as variáveis tamanho da espiga e número de espiguetas estéreis por espiga, a cultivar Sinuelo apresentou superioridade quando comparado a BRS 374.
A produtividade de trigo verificada para a cultivar BRS 374 foi de 970,8 kg ha-1, sendo superior estatisticamente à cultivar Sinuelo que alcançou produção de apenas 667,61 kg ha-1 (Figura 2B). Embora o fator épocas de aplicação de ASM não tenha influenciado a incidência e severidade de G. zeae, este interferiu no número de espiguetas estéreis por espiga. Os maiores valores de esterilidade das espiguetas foram verificados na aplicação realizada no início do florescimento (10,58) não diferindo significativamente da aplicação na metade do florescimento (10,51). Os menores valores foram verificados para a aplicação realizada no início + ½ do florescimento 9,41), diferindo estatisticamente da aplicação no início, demonstrando maior proteção quando realizou-se duas aplicações de ASM nas plantas (Figura 2C).
Figura 2. Tamanho de espiga (cm), número de grãos por espiga, número de espiguetas estéreis por espiga, peso de mil sementes (gramas), incidência e severidade (%) de Gibberella zea (A), e produtividade (kg ha-1) (B) para as cultivares Sinuelo e BRS 374; número de espiguetas estéreis por espiga para as épocas do florescimento (início, ½ e início + ½) (C), submetidas à aplicações de ASM durante a antese.
A ocorrência de G. zea foi responsiva às doses de ASM aplicadas, sendo verificada na maior dosagem (37,5 g ha-1) a menor incidência e severidade da doença (Figura 3A, 3B). A maior produtividade foi alcançada na dose de 12,5 g ha-1 de ASM (Figura 3C).
Figura 3. Porcentagem de severidade (A) e incidência (%) (B) de Gibberella zea em grãos de trigo e produtividade (kg ha-1) (C) de trigo submetido a doses de ASM (0.0; 12.5; 25.0 e 37.5 g ha-1) durante a antese.
Na análise complementar, quando se comparou a melhor dose de ASM para cada variável em relação ao fungicida, não foram verificadas diferenças significativas.
A menor incidência e severidade de G. zeae observada na cultivar Sinuelo é explicada pelas suas características genéticas, por ser moderadamente suscetível à giberela (BIOTRIGO GENÉTICA, 2012). Contudo, a maior suscetibilidade à giberela foi observada na cultivar BRS 374, sendo que, segundo Cairão et al., (2013), é suscetível a giberela.
No Brasil, os danos observados na produtividade em um período de mais de duas décadas (1984 a 2010) foram estimados em média de 18,62%, mas com grande variação entre os anos (CASA et al., 2011). A intensidade da perda na produção é determinada, geralmente, pela época em que ocorre a infecção da doença e pelo órgão afetado na planta. No caso deste trabalho, constatou-se diferença quanto à suscetibilidade à G. zea em função dos materiais testados e não em função da época de aplicação.
O controle químico da doença giberela é realizado eficientemente através de aplicações de um fungicida composto por trifloxistrobina+tebuconazole, como verificado por Casa et al., (2007), reduzindo significativamente a incidência de G. zea. Para este fungicida, Casa et al., (2007) comprovaram que aplicações realizadas no início do estádio fenológico da floração apresenta bons percentuais de controle da doença (redução de 53,2 a 64,6% da severidade). A aplicação no início da antese condiciona aos produtos sistêmicos maior circulação pela planta durante o tempo, e aos preventivos proporciona um período de proteção para a planta antes que ocorra a infecção.
O sucesso no controle da giberela também está associado ao fato das pulverizações atingirem maior número de anteras, sendo que muitas vezes pode ocorrer desuniformidade na emissão das anteras no início, e maior uniformidade na metade da antese, justificando, dessa forma, a superioridade da eficiência quando se realizam duas aplicações (início + metade) do ativador de plantas ASM.
No presente trabalho, constatou-se que duas aplicações de ASM (início + ½ do florescimento) são eficientes na redução do número de espiguetas estéreis por espiga. Contudo, ressalta-se que o ASM não tem ação direta sobre o fungo, mas sim induz mecanismos bioquímicos e estruturais envolvidas no processo, como a produção de substâncias de defesa da planta, promovendo defesa do vegetal à infecções; não apresentando risco de aquisição de resistência por parte do fungo. É ideal que produtos que ativem os mecanismos de defesa da planta sejam aplicados preventivamente, pois uma planta injuriada necessita de maiores taxas metabólicas para manutenção e respiração, resultando muitas vezes em redução do desempenho.
O ácido salicílico (AS) atua na manifestação da SAR (do inglês “resistência sistêmica adquirida”), um mecanismo de defesa induzível que confere resistência a um amplo espectro de patógenos (OLIVEIRA et al., 2016). Pesquisas com plantas com genes mutantes mostram que o AS regula os mecanismos de resistência através da SAR (resposta de hipersensibilidade), atuando na expressão de genes responsáveis pelo acúmulo de espécies reativas de oxigênio no apoplasto, ocasionando síntese de lignina e morte celular das células vizinhas; além da síntese de compostos fenólicos (VLOT et al., 2009).
Espigas de trigo infectadas com G. zea acumulam elevados níveis de AS suprindo a defesa do trigo contra esse patógeno, fato que comprova a possível ação do ASM contra G. zea (DING et al., 2011), corroborando com os dados deste experimento. Dessa forma, quando aplicado na forma exógena é capaz de induzir aumento da síntese do próprio AS nos tecidos vegetais (OLIVEIRA et al., 2016), promovendo síntese de substâncias de defesa antes que ocorra processo infectivo, fazendo com que a planta mantenha-se protegida, resultando em maior acúmulo de reservas destinadas para a produção em vez de ser destinadas à defesa contra patógenos.
Os indutores de resistência recomendados para o controle de doenças não afetam o meio ambiente devido à rápida degradação da molécula e também por proporcionar menor pressão de seleção na população do patógeno (OLIVEIRA et al., 2016). Neste sentido, para este experimento nas condições do Rio Grande do Sul no ano de 2015, as aplicações de ASM na cultura do trigo apresentaram resultados positivos, pois quando as doses do ASM foram comparadas com o fungicida trifloxistrobina+tebuconazole, para a incidência, severidade e produtividade, não ocorreram diferenças significativas, sugerindo inserção do ASM no manejo integrado de G. zea para a cultura do trigo. Essas informações podem modificar o atual cenário do manejo fitossanitário para a cultura do trigo, uma vez que os princípios ativos utilizados têm mostrado resultados inconsistentes para giberela.
CONCLUSÕES DO TRABALHO
- Duas aplicações de ASM, realizadas no início + ½ da antese condicionam menor número de espiguetas estéreis na cultura do trigo.
- A dose de 37,5 g ha-1 de ASM proporciona baixos percentuais de incidência e severidade de Gibberella zea em grãos de trigo, sugerindo inserção do ASM no manejo integrado da doença.
- A dose de 12,5 g ha-1 ASM condiciona a maior produtividade da cultura do trigo.
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