Uma das características qualitativas mais avaliadas no trigo para a indústria de pães é a força de glúten (W). A força de glúten (expressa em 10-4 J): representa o trabalho de deformação da massa e indica a qualidade de panificação da farinha. O glúten é uma rede formada pelas proteínas insolúveis do trigo (gliadinas e gluteninas) quando se adiciona água à farinha. Essas proteínas formadoras de glúten são responsáveis fundamentalmente pelas propriedades funcionais da farinha de trigo (Miranda; Mori; Lorini, 2009).
Logo, além da conhecida variável, Peso Hectolitro (PH), o teor de proteínas dos grãos de trigo é uma variável utilizada para quantificar a qualidade dos grãos, sendo desejada em níveis superiores aos encontrados em trigos com outras finalidades, que não a panificação.
Segundo Instrução Normativa nº 7, de 15/08/01, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, publicada no Diário Oficial da União de 21/08/2001, o trigo é classificado seguindo cinco classes de trigo, sendo elas: Trigo Brando, Trigo Pão, Trigo Melhorador, Trigo para Outros Usos e Trigo Durum (Miranda; Mori; Lorini, 2009).
Conforme destacado por Mandarino (1994), o teor de proteína dos grãos de trigo pode variar em função da cultivar, sendo possível observar teores de proteína variando de 7% a 17%. O autor explica que a qualidade da proteína, assim como a quantidade, é função principalmente da composição aminoacídica e está ligada ao genótipo, sendo, portanto, hereditária e dependente da cultivar.
Em tese, uma das possíveis causas do baixo teor de proteínas observado em grãos de trigo, é a genética da cultivar, principalmente se tratando de matérias cujo foco é a produtividade e não a qualidade, contudo, com o melhoramento genético, as cultivares modernas tem conseguido conciliar as duas características (produtividade e qualidade). Sobretudo, as condições ambientais, assim como os tratos culturais e o processo de colheita podem exercer influencia sobre a qualidade dos grãos de trigo, especialmente no que diz respeito ao teor de proteínas.
Desconsiderando o fator genético, fatores meteorológicos (de clima) podem ser os principais responsáveis por reduzir a qualidade da proteína do trigo. Na região temperada do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sul do Paraná), os principais problemas estão relacionados ao excesso de umidade relativa do ar em setembro-outubro, as temperaturas elevadas na fase de enchimento de grãos, as chuvas na colheita, o granizo e a ocorrência de geadas no espigamento (Franceschi et al., 2009).
Além desses fenômenos meteorológicos, temperatura, fotoperíodo e vernalização podem exercer forte influencia sobre o desenvolvimento do trigo, alterando inclusive o tempo de duração de suas fases de desenvolvimentos. Contudo, a maior influência é dada principalmente pela temperatura e precipitações.
Como na safra 2022 de trigo, boa parte da região Sul do Brasil encontrava-se sobre forte influência do fenômeno La Niña, baixos volumes precipitados foram observados na maioria das regiões tritícolas do estado, descartando a hipótese da influência de elevadas precipitações sobre a redução da qualidade do trigo produzido. Sobretudo, assim como para a maioria das culturas agrícolas, o trigo apresenta temperaturas basais para o seu desenvolvimento, sendo considerada a temperatura basal ótima a de 16°C.
Conforme destacado por Franceschi et al. (2009), a partir desta temperatura ocorre redução do rendimento de grão na ordem de 3 a 4% a cada grau centígrado de aumento, fato que pode influenciar também a qualidade dos grãos produzidos, bem como qualidade proteica dos grãos. Logo, pode-se dizer que com o aumento das temperaturas médias a que o trigo é submetido, ocorre o declínio do acúmulo de proteínas, embora menos sensível em comparação ao declínio da produtividade em função da redução da deposição de amido.
Em algumas situações, em que a temperatura durante o enchimento de grão supera os 30°C, a relação positiva entre porcentagem de proteína e força da massa deixa de existir, podendo inclusive se tornar negativa. Mesmo em casos onde o estresse térmico não induz a significativa redução da porcentagem de proteína dos grãos, esse estresse pode induzir a redução no volume do pão e no volume de sedimentação (Franceschi et al., 2009).
Esse fator ajudar a explicar as possíveis causas do baixo teor de proteína observado no trigo da safra 2022, principalmente levando em consideração a influência do fenômeno La Niña e a ocorrência de anomalias climáticas negativas que indicaram chuvas abaixo da média histórica para o período, em especial para o Rio Grande do Sul.
Contudo, outro fator que pode interferir na porcentagem de proteína nos grãos é a fertilidade do solo. Levando em consideração que o nitrogênio, assim como o enxofre são alguns dos principais constituintes de proteínas, a redução da adubação nitrogenada do trigo, impulsionada principalmente ele elevado custo dos fertilizantes nitrogenados, pode em algumas situações, ser a causa dos grãos de baixa proteína, em especial em sistemas de produção cujos níveis de fertilidade do solo não atendem a demanda da cultura, para dada produtividade.
Conforme relata Finney et al. (1957), o aumento do conteúdo de nitrogênio nos grãos de trigo melhora a qualidade de panificação, uma vez que variações do conteúdo proteico da farinha afetam a força do glúten. Os baixos conteúdos de proteína ocorrem normalmente quando existe baixa fertilidade do solo e baixo conteúdo de nitrogênio em etapas posteriores à aparição do primeiro nó na planta (Franceschi et al., 2009).
De forma interligada, ambos os fatores assim como demais variáveis climáticas e de manejo podem contribuir para a redução do teor de proteína dos grãos de trigo, havendo maior necessidade de análise pontual, principalmente em lavouras cuja qualidade do trigo produzido ficou aquém das safras passadas.
Veja mais: Qualidade do trigo é tão importante quanto produtividade?
Referências:
FINNEY, K.F. et al. EFFECTS OF FOLIAR SPRYNG ON PAWNEE WHEAT WITH UREA SOLUTIONS ON YIELD PROTEIN CONTENT, AND PROTEIN QUALITY. Agronomy Journal. v.49, p.341-347, 1957.
FRANCESCH, L. et al. FATORES PRÉ-COLHEITA QUE AFETAM A QUALIDADE TECNOLÓGICA DE TRIGO. Ciência Rural, v.39, n.5, ago, 2009. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/cr/a/y9xP8kTRC4xpnKCNhSDpqDx/?format=pdf&lang=pt#:~:text=O%20nitrog%C3%AAnio%20e%20o%20enxofre,et%20al.%2C%201999). >, acesso em: 30/12/2022.
MANDARINO, J. M. G. ASPECTOS IMPORTANTES PARA A QUALDIADE DO TRIGO. Embrapa, Documentos, n. 60, 1993. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/58204/1/Documentos-60.pdf >, acesso em: 30/12/2022.
MIRANDA, M. Z.; DE MORI, C.; LORINI, I. QUALIDADE COMERCIAL DO TRIGO BRASILEIRO: SAFRA 2006. Embrapa, Documentos, n. 112, 2009. Disponível em: < http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/do/p_do112.pdf >, acesso em: 30/12/2022.
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