O objetivo deste trabalho foi realizar um diagnóstico das características técnicas das aplicações aéreas feitas no Brasil, como largura e uniformidade da faixa de deposição, altura e velocidade de voo e configurações da barra de aplicação através do sistema IFD® (Inspeção da Faixa de Deposição®).
Autores: FERNANDO K. CARVALHO1, RODOLFO G. CHECHETTO1, ALISSON A. B. MOTA1, ULISSES R. ANTUNIASSI2.

Introdução
O Brasil possui a segunda maior frota de aviões agrícolas do mundo, e a pulverização aérea representa uma ferramenta importante para a agricultura no controle de pragas, doenças, plantas daninhas, dentre outras atividades. Seu uso ocorre em culturas de grande importância nutricional e econômica, como arroz, citrus, algodão, banana e soja (ANTUNIASSI, 2015). Dentre os aspectos mais importantes nas aplicações destacam-se a uniformidade e a largura da faixa efetiva de deposição (FD). A falta de uniformidade bem como faixas de deposição muito largas ou estreitas, geram grande variação da dose dos produtos aplicados no campo, que degrada a qualidade da aplicação e gera perdas. Em geral, a uniformidade é medida pelo coeficiente de variação (CV, %) (PARKIN; WYATT, 1982), e deve ser menor do que 20%. A ASABE (American Society of Agricultural and Biological Engineers) possui uma norma para avaliar o padrão de deposição e calibração de equipamentos de aplicação aérea (ASAE S386.2, 2018). Segundo essa norma, os métodos que podem ser utilizados para essas avaliações são aqueles com base na análise do depósito de gotas em papeis hidrossensíveis e lâminas de vidro, ou pela avaliação do depósito sobre fios.
A norma ainda informa que devem ser anotadas as condições meteorológicas e de voo, como altura, direção do voo e do vento. Os maiores limitantes para o uso dos dois primeiros métodos referem-se à dificuldade de posicionamento da linha de coletores conforme o sentido do vento, que deve ser de proa, e a posterior análise individual de cada coletor. Por outro lado, sistemas que utilizam fios são semiautomáticos e permitem agilidade no processo. Nos Estado Unidos tais sistemas são usados desde a década de 80, mas no Brasil sua utilização iniciou-se apenas no ano de 2017, o que explica a deficiência de informações sobre as aplicações aéreas brasileiras. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi avaliar as características de aplicações aéreas feitas no Brasil, como largura e uniformidade da faixa de deposição, altura e velocidade de voo e configurações da barra de aplicação através do sistema IFD (Inspeção da Faixa de Deposição).
Material e Métodos
Foram realizadas 36 análises da faixa efetiva de deposição (FD) em 24 aeronaves em 4 estados brasileiros, durantes os anos de 2017 e 2018, em eventos denominados “clínicas de aeronaves”. Algumas aeronaves foram avaliadas com mais de uma configuração do sistema de pulverização (configurações das barras com pontas hidráulicas e atomizadores rotativos), o que resultou no maior número de análises comparado ao número de aviões. Desta forma, foram avaliadas 3 aeronaves em Goiás (3 análises), 2 em Mato Grosso do Sul (3 análises), 12 em Mato Grosso (16 análises) e 7 em São Paulo (14 análises). Destas análises, 5 foram feitas em 3 aeronaves 188 Ag Truck (Cessna, Wichita, KA, EUA), 14 em 10 aeronaves AirTractor modelos 401B, 402B, 502B e 802A (Air Tractor Inc., Olney, TX, EUA), e 17 configurações de 11 aviões EMB Ipanema 201A, 202A e 203A (Embraer, Botucatu, SP).
A pesquisa foi realizada utilizando-se o método de espectrofotometria de fio introduzido no Brasil em 2017 pela AgroEfetiva® e denominado de IFD – Inspeção da Faixa de Deposição®. A metodologia tem base na norma ASAE S386.2, 2018, e é utilizada nas clínicas de aeronaves realizadas nos EUA. Para a coleta de dados (Figura 1), a aeronave sobrevoava um fio de poliéster de 1 mm de diâmetro e 46 m de comprimento, aplicando água e corante, com vento de proa, conforme indicação da norma citada, sendo o fio recolhido a cada voo. O fio era posicionado a 0,5 m de altura, com auxílio de dois tripés (Manfrotto, modelo 57B), sendo que em um ficava o carretel com fio novo (protegido em um recipiente com volume de 12 L) e no outro o fio era preso em uma carretel de metal (12 cm de diâmetro) para o recolhimento, acionado por uma furadeira (DeWALT). Durante cada passagem da aeronave era registrada a altura utilizando uma régua graduada e uma mira holográfica (CBC, modelo Red Dot 1 x 30), velocidade do voo, direção do vento, do voo e condições meteorológicas (Kestrel Instruments). Ao todo eram realizados três voos sobre o centro do fio por configuração da aeronave.
Depois de 1 min da aplicação, cada fio era recolhido e as três repetições analisadas em um espectrofotômetro de fio, logo após a coleta em campo, o qual era equipado com um software que gerava uma média. Com isso, o próprio software calculava o Coeficiente de Variação (CV) para várias larguras de faixa de deposição, menores e maiores do que a faixa praticada, a qual era informada pela equipe técnica responsável pela aeronave. O processo terminava com a indicação da melhor largura da FD em função da uniformidade indicada pelo CV para os sentidos vai e vem (back-to-back) e carrossel. Para apresentação dos resultados neste trabalho foram utilizadas as médias do CV desses sentidos de aplicação. As características das faixas de deposição foram analisadas “in-loco”, e quando necessário foram feitas sugestões para a melhoria da deposição e otimização da faixa útil da aeronave, e a análise refeita a título de validação das sugestões propostas. As faixas foram consideradas adequadas quando o CV era menor do que 20% e não apresentavam falhas ou acúmulo de depósito na FD. De posse de todas as informações, foi feita uma análise exploratória dos dados e distribuição de frequência para alguns parâmetros.
Figura 1. Sistema de coleta de dados para a Inspeção da Faixa de Deposição (IFD). (Fonte: AgroEfetiva, 2019).
Resultados e Discussão
O principal problema observado nas FD foi o acúmulo ou falha no depósito de gotas sob a fuselagem da aeronave, observado em 31% dos casos (Figura 2). Este problema ocorre em função do vórtice criado pela hélice, sendo que quando não há posicionamento adequado dos bicos, pode haver deposição desuniforme. Apenas em 24% das avaliações iniciais das aeronaves foram obtidas faixas uniformes, com CV menor do que 20% e sem falhas ou acúmulo de depósito.
Figura 1. Percentual de aeronaves com faixas uniformes e desuniformes, com indicação dos problemas encontrados.
A menor média de largura de faixa praticada foi para a aeronave 188 AgTruck, com 16,8 m, seguido por aquela obtida para os EMB Ipanema 201A, 202A e 203A, com 19,3 m e AirTractor 401B, 402B e 502B e 802A, 28,5 m (Figura 3A). Estes valores referem-se às médias praticadas nas aplicações para cada marca de aeronave (em alguns casos representadas por diversos modelos) antes da realização do IFD, segundo as respostas fornecidas pela equipe técnica das aplicações. Após as análises e ajustes propostos, a média no ganho em largura de faixa considerando todas as marcas avaliadas foi de 5,8% (Figura 3B). Outra vantagem importante foi a redução do CV das aplicações, que após as análises ficaram próximas a 16,5% entre os modelos de aeronaves (Figura 3C). Em média, o ganho em uniformidade com base no CV foi de 17,5%. Parkin e Wyatt (1982) demonstraram que os prejuízos na produtividade são maiores do que os ganhos em economia operacional na medida que o CV aumenta além do recomendado para as aplicações. O CV pode chegar a valores abaixo de 15%, em alguns casos 10%, sendo que quando mais baixo melhor. Para isto, ajustes e validações precisam ser feitos até a obtenção do valor desejado. Ainda foram avaliadas a altura de voo, que para as aeronaves AirTractor foi, em média, 4,8 m, maior do que para as aeronaves Ipanema e AgTruck, ambas com média de 3,5 m.
As aeronaves AirTractor possuíam maior número de bicos (36 a 67) e atomizadores (10 a 12), comparado às aeronaves Ipanema, equipadas com 30 a 44 bicos hidráulicos e 6 a 10 atomizadores, e AgTruck, com 22 a 34 bicos hidráulicos e 8 atomizadores. Com relação à velocidade de voo, em média as aeronaves AirTractor voavam a 229 km h-1, Ipanema 191 km h-1 e AgTruck 189 km h-1. Este cenário ocorre porque as aeronaves AirTractor possuem em média maior envergadura das asas, além de que a maior parte delas (93%) eram turbo hélice, enquanto as aeronaves da Embraer e Cessna possuíam motor a pistão. Essas informações auxiliam em tomadas de decisão feitas nas atividades diárias no campo.
Figura 3. (A) Largura da faixa de deposição (m). (B) Ganho em faixa de deposição (%). (C) coeficiente de variação (%), antes e após as Inspeções das Faixas de Deposição (IFD). A “faixa esperada” refere-se àquelas que eram praticadas antes das análises.
As características observadas, como altura de voo, número de bicos e velocidade permitem adotar estratégias para escolha de bicos hidráulicos, atomizadores rotativos e adjuvantes, bem como planejar a eficiência operacional e práticas para aumentarem a qualidade e segurança das aplicações. Por exemplo, de acordo com Vieira et al. (2019) os componentes da calda com capacidade de reduzir a deriva das aplicações aéreas possuem relação com a velocidade de voo. Desta forma, um adjuvante utilizado como redutor de deriva para uma aeronave que voa a 190 Km h-1 não possuiu o mesmo efeito para uma que se deslocava a mais de 220 km h-1.
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Conclusões
As características observadas, como altura de voo, número de bicos e velocidade permitem adotar estratégias para a escolha e ajustes de bicos hidráulicos e atomizadores rotativos, adjuvantes, bem como planejar a eficiência operacional e práticas que aumentem a qualidade e segurança das aplicações. O IFD se mostrou um método prático para avaliar a largura e uniformidade das aplicações. Os resultados possibilitaram um aumento médio na FD de 5,8%, bem como maior uniformidade, com uma redução dos valores médios de CV para cerca de 16,5%. Como benefícios, estes ganhos em desempenho (maior FD) e qualidade (menor CV) proporcionam maior eficiência, menores custos e maior segurança nas aplicações.
Referências
AGROEFETIVA. Relatórios de pesquisas de 2016 a 2019. Botucatu, SP. Dados não publicados.
ANTUNIASSI, U.R. Evolution of agricultural aviation in Brazil. Outlooks on Pest Management. Burnham, v.26, p.12-15, 2015.
ASAE S386.2 FEB1988 (R2018). Calibration and distribution pattern testing of agricultural aerial application equipment. American Society of Agricultural and Biological Engineers. St. Joseph, Ml, 2018. 10p.
PARKIN, C.S.; WYATTT, J.C. The determination of flight-lane separations for the aerial application of herbicides. Crop Protection, Amsterdam, v.1, n.3, p.309-32. 1982.
VIEIRA, B. C. et al. Influence of airspeed and adjuvants on droplet size distribution in aerial applications of glyphosate. Applied Engineering in Agriculture. St Joseph: Amer Soc Agricultural & Biological Engineers, v. 34, n. 3, p. 507-513, 2018.
Informações dos autores
1Engenheiro Agrônomo, Pesquisador na AgroEfetiva, Botucatu/SP – Brasil, Fone (14) 981100151, fernando@agroefetiva.com.br;
2Engenheiro Agrônomo, Professor Titular, Dep. de Engenharia Agrícola, Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, Botucatu/SP.