Produtores que vão plantar a próxima safra de verão ou a segunda safra com milho em todo o País devem ficar atentos a um grave problema que ainda não tem medidas curativas: os enfezamentos pálido e vermelho do milho, doenças que podem provocar perdas de mais de 70% na produtividade das lavouras. Mas uma série de recomendações da Embrapa e parceiros, que precisam ser seguidas em escala local e regional, podem minimizar os prejuízos na cultura.

O tema foi abordado pelo supervisor de Transferência de Tecnologia (TT) da Embrapa Cerrados (DF), Sérgio Abud, em Prosa Técnica promovida pela Emater-DF em parceria com a Embrapa no Parque Ivaldo Cenci, no PAD-DF, Distrito Federal, no dia 24 de setembro. Cerca de 60 técnicos e produtores do DF e Entorno acompanharam a apresentação.

“Estamos numa região com muitos cultivos de milho o ano todo e, considerando o potencial de dano dos enfezamentos, podemos ter problemas muito sérios se não começarmos a dar uma atenção especial à questão da cigarrinha-do-milho”, alertou Abud.

Ele acrescentou que a ocupação das áreas com lavouras de diferentes culturas ao longo do ano fornece alimento para diversas pragas e favorece sua multiplicação. Portanto, é necessário manter o equilíbrio agroecossistêmico em nível regional manejando de forma integrada o complexo de pragas do sistema de produção, e não apenas uma praga isoladamente.

Entre as medidas inadequadas de manejo da lavoura que oferecem alto risco de infestação por pragas estão o plantio dos mesmos cultivos nas mesmas áreas; o uso das mesmas variedades em grandes áreas, ano após ano, gerando forte pressão de seleção de indivíduos mais resistentes; o cultivo de transgênicos (Bt) sem áreas de refúgio ou manejo da resistência a pragas; o uso inadequado de inseticidas, com misturas de produtos e aplicações calendarizadas, que levam à perda da eficácia dos princípios ativos; e a exploração intensiva de culturas hospedeiras suscetíveis, formando a chamada “ponte verde” no campo.

Doenças são vasculares e sistêmicas

Os enfezamentos do milho são causados por bactérias (espiroplasma e fitoplasma) pertencentes à classe dos Mollicutes, que são transmitidas pela cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis). O espiroplasma (Spiroplasma kunkelli) causa o enfezamento pálido, enquanto o fitoplasma (Maize bushy stunt phytoplasma) causa o enfezamento vermelho.

“A cigarrinha causa um dano direto, porque ela suga a seiva do milho, e um dano indireto como vetor dos molicutes. Mas o grande problema são os enfezamentos, então temos que ter atenção especial sobre os molicutes. A cigarrinha é consequência por transmiti-los, mas não é o problema”, pontuou Abud.

As doenças são vasculares e sistêmicas: os molicutes se concentram no floema da planta, estrutura responsável pela circulação da seiva elaborada (composta por nutrientes), obstruindo-o e causando desordens fisiológicas, nutricionais e bioquímicas nas plantas de milho. “Não temos produtos para controlar os molicutes. Quando eles se instalam nas plantas, não há o que fazer”, disse o supervisor de TT da Embrapa Cerrados.

Os sintomas das doenças são mais severos na fase de produção, polinização e formação dos grãos, quando o metabolismo da planta se intensifica. O momento exato da ocorrência vai depender da época em que a planta foi infectada, da cultivar de milho utilizada e das condições ambientais (em períodos mais quentes, o metabolismo da planta é mais intenso).

No enfezamento pálido, aparecem estrias cloróticas esbranquiçadas, que se estendem da base para o ápice das folhas de forma paralela às nervuras, além de encurtamento de internódios e da redução da altura da planta devido à obstrução da circulação de seiva elaborada. Também pode ocorrer o avermelhamento, que evolui para a seca das folhas. Já no enfezamento vermelho, o avermelhamento das folhas é mais intenso, com seca a partir das margens das folhas, ocorrência de brotos axilares, aumento do perfilhamento e proliferação de espigas; algumas cultivares podem não apresentar avermelhamento, mas as folhas ficam com clorose (produção insuficiente de clorofila) e começam a secar.

Em ambos os enfezamentos, ocorre a má formação de raízes, levando ao acamamento e ao tombamento das plantas, muitas vezes até por doenças oportunistas de raiz causadas por outros patógenos. De acordo com a severidade, as espigas podem sofrer uma leve redução da produção até praticamente não terem grãos formados. Abud explicou que não é possível diferenciar os dois enfezamentos visualmente no campo – somente com teste molecular –, e as plantas podem apresentar ambas as doenças.

Cigarrinha tem alto potencial de proliferação e dispersão

Entre as 44 espécies de cigarrinhas que ocorrem na cultura do milho no Brasil, apenas a cigarrinha-do-milho é capaz de transmitir os molicutes que causam os enfezamentos do milho, além de um vírus que causa a doença conhecida como virose da risca. Ela é originária do México e atualmente se distribui em todas as regiões tropicais e subtropicais das Américas. O ciclo de vida varia de dois a três meses, sendo que a forma adulta tem longevidade até 77 dias. A fêmea coloca os ovos dentro da folha do milho, preferencialmente na nervura central, e é capaz de depositar de 400 a 600 ovos durante toda a vida.

A cigarrinha-do-milho pode estar presente em outras culturas, como sorgo, milheto, gramíneas forrageiras como a braquiária e o capim colonião, e plantas daninhas. No entanto, somente completa o ciclo de vida na cultura do milho.

A longevidade dos insetos adultos e a quantidade de ovos por fêmea são fatores, segundo Abud, que demonstram a gravidade dos enfezamentos quando a cigarrinha está infectada com os molicutes. “Se ela colocar 300 ovos viáveis e se cada descendente colocar mais 300, pensando num único ciclo da cultura do milho com quatro gerações do inseto, serão milhões de cigarrinhas. Se extrapolamos isso para uma região que planta milho verão, milho safrinha, milho semente, milho pamonha e milho verde, não dá para calcular o potencial”, estimou.

A transmissão dos molicutes pela cigarrinha-do-milho é do tipo persistente e propagativo. Ao sugar a seiva de uma planta contaminada, a cigarrinha adquire os molicutes. Os patógenos começam a circular e se multiplicar na cigarrinha. Durante cerca de três a quatro semanas, os insetos infectados passam pelo período latente, momento em que ainda não conseguem transmitir os patógenos. Após o período latente, quando o inseto visita outra planta (não contaminada) para novamente se alimentar, os molicutes concentrados na glândula salivar são injetados no floema e começam a se multiplicar.

A dispersão das cigarrinhas se dá entre plantios sequenciados. Na cultura de verão, normalmente a população, ainda reduzida, começa a se multiplicar, inclusive nas plantas tigueras (voluntárias) abandonadas após a colheita. Quando é plantado o milho mais tardio ou de segunda safra, a população do inseto, já muito maior, migra para essas áreas, onde as plantas são mais jovens. Nessas áreas, devido ao efeito de concentração de cigarrinhas, os problemas com enfezamentos são maiores. “Não podemos deixar tigueras e cultivos abandonados. Temos que, ao menos, reduzir a sucessão de cultivos para evitar a multiplicação dos molicutes”, apontou Abud.

Medidas buscam evitar a disseminação dos molicutes

Quanto ao manejo dos enfezamentos, ele salientou que nenhuma medida tomada de forma isolada é eficaz, sendo que nenhuma é 100% eficiente e que não há medidas curativas. “À medida em que os molicutes chegarem à planta, vai depender da resposta dessa planta ao clima, da cultivar e do momento da infecção para sabermos o tamanho do prejuízo”, reforçou, destacando a necessidade de controle da população de cigarrinhas na fase inicial para reduzir o efeito de concentração das cigarrinhas infectivas.

Abud detalhou uma série de medidas para reduzir os prejuízos causados pelos enfezamentos do milho, a saber:

  • Na entressafra:
    • Eliminar plantas de milho voluntárias (tigueras) e manter a lavoura no limpo.
  • Na semeadura:
    • Sincronizar o período de semeadura na região;
    • Evitar a semeadura do milho em proximidade de lavouras mais velhas com alta incidência de enfezamentos;
    • Diversificar e rotacionar cultivares de milho;
    • Usar híbridos com maior tolerância genética aos enfezamentos;
    • Usar sementes certificadas e tratá-las com inseticidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Tratar as sementes vai reduzir a transmissão dos molicutes na fase inicial da cultura.
  • Durante o cultivo:
    • Monitorar a presença da cigarrinha entre as fases VE (emergência) e V8 (oitava folha) do milho e aplicar inseticidas registrados para reduzir ao máximo a população de cigarrinhas;
    • Rotacionar os modos de ação para evitar a resistência aos inseticidas;
    • Controlar a qualidade da colheita e evitar a perda de espigas e grãos.
  • Após a colheita:
    • Transportar o milho colhido e evitar a perda de grãos nas estradas;
    • Fazer a rotação de cultivos e evitar o plantio sucessivo de gramíneas.

Ao falar sobre a possibilidade de controle biológico da cigarrinha, ele apresentou resultados de ensaios com o uso de produtos a base dos fungos Isaria fumosorosea e Beauveria bassiana, demonstrando a diminuição da mobilidade, da taxa de alimentação e do potencial de contaminação da cigarrinha em lavouras de milho.

Abud finalizou a apresentação agradecendo ao pesquisador Charles Martins de Oliveira, também da Embrapa Cerrados, pela orientação e os conteúdos da palestra. Ele ressaltou que o manejo dos enfezamentos e das cigarrinhas deve ser feito de forma territorial e integrada, e que em localidades com alta incidência de enfezamentos e cigarrinhas, deve-se interromper temporariamente o cultivo do milho. “Considerando a região do PAD-DF e do Entorno do DF, como vamos fechar a janela de plantio e evitar a multiplicação dos molicutes e dos enfezamentos? Essa é a pergunta que não quer calar”, observou.

Para mais informações, acesse a cartilha Manejo da Cigarrinha e Enfezamentos na Cultura do Milho e a página temática da Embrapa Controle da cigarrinha do milho.

Fonte: Embrapa

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