Resumo

O oídio do trigo é uma das primeiras doenças a surgir na lavoura logo após a emergência das plantas. Causado pelo fungo biotrófico Blumeria graminis f. sp. tritici, necessita de tecido vivo do hospedeiro para se desenvolver. O progresso da doença é rápido devido as características do fungo de apresentar ciclos de vida curtos e múltiplos numa mesma safra. Para evitar danos ao rendimento da cultura, o manejo da doença é fundamental. As principais estratégias de controle são o uso de cultivares resistentes, tratamento de semente e aplicação de fungicidas na parte aérea das plantas. O objetivo desse trabalho foi avaliar diferentes fungicidas para o controle de oídio do trigo em ensaios cooperativos padronizados e multilocais. Foram conduzidos onze ensaios na safra 2024 na região Sul do Brasil utilizando-se cultivares de trigo com diferentes reações de resistência/suscetibilidade ao oídio. Todos os fungicidas avaliados na safra 2024 foram alternativas viáveis a serem consideradas no controle da doença. Os tratamentos contendo tetraconazol + azoxistrobina + tebuconazol e clorotalonil e o tratamento com tetraconazol isolado destacaram-se pela maior eficiência no controle da doença.

Introdução

O oídio é uma das doenças foliares mais comuns e destrutivas dos cereais. O oídio do trigo, causado por Blumeria graminis f. sp. tritici, ocorre de forma endêmica em nas regiões tritícolas de clima temperado do Brasil, ocasionando redução no rendimento e na qualidade de grãos. Normalmente, é a primeira doença fúngica a surgir na lavoura, ainda no estádio vegetativo do trigo, com o aparecimento das primeiras colônias do fungo nas plântulas logo após a emergência. As epidemias são favorecidas por condições de temperatura do ar entre 15 e 22 °C e baixa umidade, sendo os esporos disseminados facilmente pelo vento durante períodos sem precipitação pluvial (Cowger; Brown, 2019; Lau et al., 2020).

Os sinais mais característicos do oídio de trigo são manchas brancas pulverulentas nas folhas, em razão da presença de micélio e esporos esbranquiçados do fungo, na face superior das mesmas. Os sintomas progridem rapidamente, iniciando nas folhas inferiores, devido aos múltiplos ciclos do patógeno. Em cultivares altamente suscetíveis e em condições favoráveis, pode ocorrer alta intensidade da doença e colonização de colmos e de espigas. Com o desenvolvimento da doença, os tecidos afetados passam a apresentar coloração amarelada, progredindo para clorose na região infectada, até a morte dos tecidos da planta. Com isso, a área fotossintética ativa é afetada, ocorrendo redução da fotoassimilação, do conteúdo de amido e de proteína dos grãos; a respiração da planta aumenta consideravelmente, o que leva a desajustes fisiológicos e à diminuição do vigor e do porte, redução no número de perfilhos, tamanho e número de grãos e a perdas de produtividade, que variam de 10 a 62% na cultura (Reis et al., 1997; Lau et al., 2020, Costamilan et al., 2022).

O uso de cultivares com resistência, tratamento de sementes e aplicação de fungicidas na parte aérea são as principais medidas de controle para oídio do trigo. No entanto, devido a características do patógeno, como ciclo de vida curto, rápida disseminação e adaptação, e à geração de novas raças virulentas, o manejo da doença pode ser difícil, principalmente em cultivares suscetíveis e/ou quando as aplicações com fungicidas não iniciarem no momento certo (Cowger; Brown, 2019; Costamilan et al., 2022).

A Rede de Ensaios Cooperativos do Trigo para controle de doenças reúne diversas instituições de pesquisa e empresas públicas e privadas com o objetivo de avaliar a eficiência de produtos registrados ou em fase de registro no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Os ensaios padronizados de campo iniciaram na safra 2020, e desde então vêm sendo conduzidos anualmente, para avaliar a eficiência de fungicidas em relação ao controle de oídio, sob infecção natural, nas principais regiões produtoras de trigo do Brasil (Santana et al., 2022, 2023; Ferreira et al., 2023, 2024). O presente documento relata os resultados obtidos nos ensaios cooperativos para controle de oídio de trigo com uso de fungicidas, na safra 2024.

Os resultados do estudo estão alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU): ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável) e ODS 12 (Consumo e produção responsáveis), uma vez que contribuirão na escolha de fungicidas mais eficientes no controle do oídio de trigo, proporcionando diminuição das perdas nas lavouras ocasionadas pela ocorrência dessa doença.

Material e métodos

Foram conduzidos 11 ensaios na safra 2024 na região Sul do Brasil (Figura 1), utilizando-se cultivares de trigo com diferentes reações de resistência/ suscetibilidade ao oídio, de acordo com as Informações Técnicas para Trigo e Triticale (Reunião da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale, 2024) (Tabela 1).

O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso com quatro repetições, sendo a área mínima da parcela experimental de 11 m2, espaçamento entre linhas de 0,17 m e densidade de semeadura variando de 300 a 330 sementes viáveis m-2. Dependendo da necessidade, de acordo com as estratégias de manejo de cada local, as sementes foram tratadas com inseticida sistêmico imidacloprido + tiodicarbe (300 mL 100 kg-1 semente) antes da semeadura, e a adubação foi realizada conforme as Informações Técnicas para Trigo e Triticale, safra 2024 e 2025 (Reunião da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale, 2024.

Figura 1. Localização geográfica de 11 ensaios de campo para avaliação da eficiência de fungicidas, conduzidos em municípios na região Sul do Brasil. Rede de Ensaios Cooperativos do Trigo para controle de oídio, safra 2024.

Foram avaliados fungicidas com diferentes princípios ativos, isolados, formulados em misturas ou associados (Tabela 2). Cada experimento contou com um controle negativo (sem aplicação de fungicida) e um controle para comparação (trifloxistrobina + tebuconazol). Realizaram-se duas aplicações de fungicidas: a primeira no perfilhamento – estádio 23 de Zadoks et al. (1974) ou por ocasião dos primeiros sintomas (até 5% de severidade); e a segunda aos 14 ± 2 dias após a primeira aplicação, de forma sequencial com o mesmo produto. As pulverizações foram realizadas com pulverizador de precisão, com pressão constante, volume de calda de 150 L ha-1 e espectro de gotas médias a finas. Os tratamentos com fungicidas com Registro Especial Temporário (RET) para experimentação foram realizados apenas nas empresas credenciadas junto ao Mapa.

A severidade de oídio nas parcelas foi estimada com auxílio da escala ordinal diagramática de Reis et al. (1979), sendo os valores expressos em porcentagem (%). Para acompanhamento da evolução da doença, foram realizadas quatro avaliações, aos 7 e aos 14 dias após a primeira e a segunda aplicação, nas três linhas centrais (considerando todas as folhas), sendo cada linha constituída de 1 m linear de plantas. Os dados dessas avaliações foram utilizados para a construção da área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD). A severidade aos 14 dias após a segunda aplicação foi a variável utilizada na análise estatística para compor a severidade de oídio de trigo nos ensaios.

A área mínima de colheita foi de 4 m2, amostrada no centro de cada parcela, ao final do ciclo da cultura. O rendimento de grãos (kg ha-1) de cada parcela foi estimado com ajuste a 13% de umidade, sendo, também, obtido o peso do hectolitro (PH) dos grãos de trigo. Para análise estatística, foram utilizados modelos lineares mistos para avaliar o efeito dos tratamentos fungicidas nas variáveis-resposta: severidade, área abaixo da curva do progresso da doença (AACPD), rendimento e peso do hectolitro (PH) de grãos. Os modelos incluíram efeitos fixos associados aos tratamentos fungicidas e efeitos aleatórios para capturar as fontes de variação atribuídas aos blocos, locais e cultivares. Quando necessário, as variáveis-resposta foram transformadas para atender às premissas de normalidade e homogeneidade das variâncias. A comparação das médias estimadas de severidade, AACPD, rendimento e PH entre os tratamentos foi realizada por meio do teste de Tukey, com nível de significância de 5%. O controle de oídio foi calculado como o percentual de redução da severidade em relação ao tratamento sem aplicação de fungicida (Tratamento 1 – Controle negativo), utilizando a seguinte fórmula:

Além disso, a AACPD foi calculada com base na severidade avaliada 7 e 14 dias após a primeira aplicação, e 7 e 14 dias após a segunda aplicação, utilizando a fórmula:

em que AACPD significa área abaixo da curva de progresso da doença; nj é o total do número de tempos de avaliação; j é o índice de ordem para número de tempos de avaliação (e); Sj é a severidade no tempo t. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o software R (R Core Team, 2024).

Resultados

Ocorrência da doença na safra: A ocorrência natural de oídio em trigo foi registrada em todos os locais onde os experimentos foram conduzidos (Tabela 3). A severidade final do oídio nos municípios afetados variou de 20,4% em Palmeira (E3) a 93,8% Coxilha (E5), com média geral de 38,0%. Os municípios onde as cultivares de trigo apresentaram severidade acima da média foram Coxilha (E5) e Passo Fundo (E8 e E9), localizados no Rio Grande do Sul. A alta incidência de oídio observada no ensaio E5, utilizando uma cultivar classificada como MR/R, pode ser um indicativo de dois fatos na safra 2024: 1) surgimento de novas raças ou mudança do predomínio de ocorrência das raças do patógeno infectando cultivares antes consideradas resistentes, uma vez que isso pode mudar ao longo das safras agrícolas e entre diferentes regiões tritícolas, podendo alterar a reação de resistência das cultivares (Costamilan; Linhares, 2002); ou 2) erro na caracterização inicial da resistência/suscetibilidade da cultivar.

A AACPD, que representa a severidade acumulada ao longo do tempo, variou de 22,7 em Cruz Alta (E6) a 280 em Coxilha (E5), com média de 78,1. Municípios como Coxilha (E5), Jaboticaba (E7) e Passo Fundo (E8 e E9) apresentaram valores de AACPD superiores à média. É importante ressaltar que, em alguns casos, como em Jaboticaba, mesmo com uma severidade final do oídio abaixo da média geral, os valores de AACPD foram elevados. Isso se deve ao fato de que a AACPD considera não apenas a severidade da doença na avaliação final, mas também sua progressão e duração ao longo do ciclo da cultura. Dessa forma, locais onde a infecção ocorreu de forma precoce e persistente tendem a apresentar AACPDs mais altas, mesmo que a severidade final da doença seja moderada.

A média do peso do hectolitro (PH) dos grãos de trigo foi de 71,8, variando entre 64,3 em Ponta Grossa (E4) e 77,5 kg hL⁻¹ em Passo Fundo (E8). Ensaios conduzidos nos municípios de Guarapuava (E2), Ponta Grossa (E4), Passo Fundo (E9) e Pelotas (E10) apresentaram PH médio inferior a 72 kg hL⁻¹, sendo classificados como fora do padrão comercial (fora do tipo). Nos municípios de Campo Mourão (E1), Palmeira (E3), Cruz Alta (E6) e Jaboticaba (E7), os grãos apresentaram PH médio entre 72 e 75 kg hL⁻¹, sendo classificados como Tipo III. Já os grãos produzidos em Coxilha (E5), Passo Fundo (E8) e Santa Bárbara do Sul (E11) apresentaram PH médio entre 75 e 78 kg hL⁻¹, classificados como Tipo II, destinados principalmente à moagem e outras finalidades (Brasil, 2010).

O rendimento médio de grãos foi de 2.680 kg ha⁻¹, com valores variando de 1.329, registrado em Campo Mourão (E1), a 4.794, observado em Jaboticaba (E7). Experimentos realizados em Campo Mourão, Palmeira, Coxilha, Cruz Alta, Passo Fundo (E9) e Pelotas apresentaram produtividades de grãos de trigo inferiores à média.

Eficiência dos fungicidas: todos os fungicidas avaliados reduziram a severidade do oídio no trigo, com valores variando de 4,3% no tratamento à base de tetraconazol (T6) a 14,1% no controle para comparação (T2) (Figura 2A, Tabela 4). No controle negativo (T1), sem aplicação de fungicidas, a severidade alcançou 33,9%. As eficiências dos tratamentos variaram de 58,4 a 87,3%. Os tratamentos T6 (tetraconazol) e T3 (mistura de tanque de tetraconazol + azoxistrobina e tebuconazol + clorotalonil) foram os mais eficientes, com desempenho superior à maioria dos tratamentos. O tratamento T3 também se destacou por ser mais eficiente do que o princípio ativo fenpropimorfe (T7) e o controle para comparação (T2, trifloxistrobina + tebuconazol), mas não diferiu significativamente dos demais fungicidas. Todos os tratamentos fungicidas apresentaram eficiência superior ao controle para comparação, com valores acima de 74%.

Figura 2. Diagramas “boxplot” e distribuição de valores observados (círculos) nas parcelas (blocos) para as variáveis de oídio [(A) severidade; (B) AACPD: área abaixo da curva de progresso da doença; (C) rendimento de grãos e (D) peso do hectolitro (PH) de trigo] em um tratamento sem aplicação de fungicidas (T1) e em seis tratamentos com fungicidas (2 a 7), em 11 ensaios da Rede de Ensaios Cooperativos do Trigo para controle de oídio, na safra 2024. Os tratamentos fungicidas foram: (T2) trif loxistrobina + tebuconazol; (T3) tetraconazol + azoxistrobina e tebuconazol + clorotalonil; (T4) metominostrobina + tebuconazol e tiofanato-metílico; (T5) difenoconazol + ciproconazol; (T6) tetraconazol e (T7) fenpropimorfe

A AACPD variou de 66,1, no controle negativo (T1), a 9,4, no tratamento à base de tetraconazol (T6) (Figura 2B, Tabela 5). Todos os tratamentos fungicidas demonstraram capacidade de reduzir a AACPD em relação ao controle negativo (T1) e ao controle para comparação (T2), indicando controle da doença ao longo do tempo. Os tratamentos T3 (tetraconazol + azoxistrobina e tebuconazol + clorotalonil) e T6 (tetraconazol) apresentaram os menores valores de AACPD entre todos os fungicidas avaliados, refletindo a menor severidade acumulada durante o período do experimento. Os tratamentos compostos por metominostrobina + tebuconazol e tiofanato-metílico (T4), difenoconazol + ciproconazol (T5) e fenpropimorfe (T7) não diferiram estatisticamente entre si, mas mostraram valores de AACPD significativamente menores que o controle para comparação (T2) e a testemunha sem fungicida (T1).

O rendimento médio estimado de grãos de trigo nas parcelas sem aplicação de fungicidas foi de 2.410 kg ha⁻¹, valor significativamente inferior ao observado nas parcelas que receberam tratamento com fungicidas (Figura 2C, Tabela 6). Nas parcelas tratadas, o rendimento médio variou de 3.155, nas que receberam o tratamento à base de trifloxistrobina + tebuconazol (T2) a 3.454 kg ha⁻¹ nas que receberam o tratamento com tetraconazol (T6). Esses tratamentos resultaram em incrementos de produtividade entre 745 e 1.044 kg ha⁻¹.

Embora as parcelas tratadas com tetraconazol + azoxistrobina e tebuconazol + clorotalonil (T3) e tetraconazol (T6) tenham apresentado os menores valores de AACPD, os rendimentos das parcelas que receberam esses tratamentos foram equivalentes aos das parcelas tratadas com metominostrobina + tebuconazol e tiofanato-metílico (T4) e difenoconazol + ciproconazol (T5). No entanto, as parcelas tratadas com T3 e T6 apresentaram rendimento superior ao das parcelas tratadas com fenpropimorfe (T7) e ao controle para comparação (T2). Por outro lado, as parcelas tratadas com T4 apresentaram rendimento semelhante ao das parcelas tratadas com T2 (trifloxistrobina + tebuconazol) e T7, enquanto as parcelas tratadas com T5 tiveram rendimento equivalente ao das parcelas tratadas com T7.

Em relação ao peso do hectolítrico (PH), as parcelas sem aplicação de fungicida (T1) apresentaram valor médio de 71,8 kg hL⁻¹, significativamente inferior aos valores observados nas parcelas tratadas com fungicidas (Figura 2C, Tabela 7). Em nenhum dos tratamentos foram observados valores superiores a 75 kg hL⁻¹, limiar necessário para a classificação dos grãos como pertencentes ao Grupo II.

Considerações finais

Todos os tratamentos fungicidas demonstraram potencial no controle do oídio no trigo. Os tratamentos contendo tetraconazol + azoxistrobina e tebuconazol + clorotalonil e o tratamento com tetraconazol isolado destacaram-se pela maior eficiência no controle da doença ao longo do tempo. Além disso, nesses tratamentos ocorreram os maiores rendimentos de grãos, evidenciando sua eficiência tanto no manejo da doença quanto na produtividade. Os resultados de controle de oídio de trigo aqui apresentados servem para comparativo entre alguns produtos fungicidas disponíveis para os produtores, e a utilização de duas aplicações sequenciais do mesmo produto não deve ser tomada como indicação de controle. A alternância de fungicidas com mecanismos de ação distintos deve ser observada como regra, para se evitar o surgimento de variantes mais agressivas de patógenos (Comitê de Ação a Resistência a Fungicidas Frac-BR., 2024).

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Fonte: Embrapa Trigo



 

FONTE

Autor:Embrapa Trigo

Site: Embrapa

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