Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário
Protocolo vem sendo alvo de sucessivas contestações
Num momento em que o agronegócio brasileiro enfrenta com sucesso o protecionismo de outros mercados que se valem da preocupação ambiental, um dos mais longevos e controversos arranjos nesse sentido pode estar perto do fim. Trata-se da chamada Moratória da Soja, acordo particular que proíbe a comercialização do grão produzido em áreas desmatadas da Amazônia após 2008, ainda que com permissão oficial. A iniciativa polêmica vem enfrentando pressão crescente de lideranças dos estados situados na Amazônia Legal, notadamente do Mato Grosso, principal produtor da commodity no país.
O que antes era visto como um selo de confiança para garantir as exportações e tranquilizar compradores, em anos recentes se tornou alvo de contestação no Judiciário e no Congresso, devido à suposta atuação cartelizada dos signatários, entre os quais não figura nenhum representante dos produtores. As tradings que participam do acordo, dentre elas gigantes como a Bunge, Cargill, Amagi e ADM, respondem por cerca de 95% da soja exportada pelo país. Também são signatários da moratória ONGs como o Greenpeace, WWF Brasil e Imaflora, e, por parte do governo federal, o Banco do Brasil e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Opositores argumentam que o acordo representa uma rendição a países europeus e tradings, numa violação dos interesses nacionais, com exigências maiores do que as da lei brasileira, que autoriza o uso de até 20% das áreas da Amazônia Legal. Na prática, um proprietário rural dessa região não pode plantar nem sequer um pé de soja em perímetros que tenham sido desflorestados após 2008. Quem se arrisca a ignorar o protocolo, mesmo amparado pela legislação nacional, é identificado por mapas de satélite e enfrenta um severo bloqueio comercial.
Entidades de representação do setor possuem opiniões divergentes, reconhecendo que no começo a iniciativa reduziu o desmatamento, inclusive por estudos da Embrapa Agricultura Digital; por outro lado, admitem que a autonomia de produtores foi limitada, gerando desigualdades regionais nos estados afetados, com ênfase ao líder nacional da soja, Mato Grosso.
Novo capítulo num debate acirrado
O caso chegou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) a partir de uma representação da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, com apoio da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (APROSOJA-MT). A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apresentou outra representação em fevereiro deste ano. O CADE investiga se o acordo afetou a livre concorrência.
Diversos senadores da bancada do agro têm feito reuniões com membros do órgão antitruste para pressionar pela derrubada da Moratória. As empresas que participam do acordo, por sua vez, são representadas pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
Há divergência sobre o tema também no governo federal, com visões opostas entre o Ministério da Agricultura, que já se manifestou contra o acordo, e avaliações internas das Pastas da Fazenda e do Meio Ambiente, que veem efeitos positivos da Moratória e temem que o CADE o derrube. Hoje, o inquérito tramita sob sigilo na Superintendência-Geral do Cade. A tendência é de que haja uma decisão nos próximos meses, podendo ensejar a abertura de um processo administrativo, dando sequência à investigação. No limite, além de encerrar o acordo com uma medida preventiva, o Cade pode punir as empresas signatárias por eventuais danos à concorrência a partir da instituição da Moratória, em 2006.
O presidente da APROSOJA-MT, Lucas Costa Beber, disse que a Moratória é uma “barreira” que impede o desenvolvimento econômico e social dos municípios de Mato Grosso que estão no bioma amazônico. Segundo ele, Câmaras de Vereadores de 127 cidades do Estado já apoiaram formalmente os pedidos de extinção do acordo. Já a Abiove afirmou em nota que eventual ação preventiva contra a Moratória põe “em risco a credibilidade do Brasil como exportador confiável e reconhecido pelos altos padrões de sustentabilidade”.
O caso também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o Ministro Flávio Dino deferiu liminar recente favorável a uma lei de Mato Grosso que proíbe a concessão de benefícios fiscais a empresas que integram a Moratória. No entanto, na própria decisão, o ministro atestou que o acordo “trouxe inequívocos benefícios ao país”, especialmente no cenário externo.
Como se vê, o assunto reflete as mudanças que o setor atravessa em décadas recentes, se impondo contra exigências desproporcionais de países e blocos, sobretudo com os recentes reconhecimentos internacionais ao zelo sanitário e sustentável das suas cadeias produtivas. Com a perspectiva de um novo recorde na colheita da soja para 2025, a polêmica está longe do fim, mas decisões importantes podem ser tomadas em breve no sentido de flexibilizar a Moratória.
Com informações do CADE, CNA, Abiove, Anec, Aprosoja – MT, MAPA, Ministério da Fazenda e Ministério do Meio Ambiente.
Fonte: SNA