Por solicitação da Câmara Setorial do Trigo, da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), uma Nota Técnica foi produzida para abordar o uso racional de fertilizantes como forma de economizar na adubação da nova safra de trigo, cujo período de plantio se iniciou no Rio Grande do Sul neste mês de maio.
“Em tempos de alta nos custos dos fertilizantes, a busca pela racionalização da adubação gera a preocupação em manter o equilíbrio no fornecimento de nutrientes essenciais para a cultura do trigo, visando alcançar uma produção de qualidade com retorno econômico ao produtor”, destaca o assessor técnico da Câmara Setorial, Altair Hommerding.
Intitulada “Fertilização equilibrada é estratégia para a produtividade do trigo em tempos desafiadores no mercado de fertilizantes minerais”, a Nota Técnica busca elucidar o produtor sobre a importância de conhecer as necessidades do solo para a utilização racional e eficiente dos fertilizantes na cultura do trigo nesta safra de 2022. Analisar a reserva de nutrientes no solo, oriunda de fertilizações de anos anteriores, e explorar a possibilidade de investir em outros nutrientes, como enxofre, cálcio, magnésio, boro e molibdênio, são algumas das orientações listadas.
Assinam o documento o professor Telmo Jorge Carneiro Amado, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), especialista em fertilidade do solo; o professor em fisiologia vegetal Elmar Luiz Floss, do Instituto de Ciências Agronômicas (INCIA); e Giovani Facco, gerente de pesquisa da Biotrigo Genética. A Nota Técnica pode ser acessada aqui ou conferida abaixo:
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
SECRETARIA DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E DESENVOLVIMENTO RURAL
DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS AGRÍCOLAS E DESENVOLVIMENTO RURAL
CÂMARA SETORIAL DO TRIGO
Fertilização equilibrada é estratégia para a produtividade do trigo em tempos
desafiadores no mercado de fertilizantes minerais
Telmo J. C. Amado (1); Elmar Floss (2); Giovani Facco (3)
Nos últimos anos a triticultura gaúcha vem gradativamente incrementando a área de cultivo, o rendimento e melhorando a qualidade industrial. Ilustrando este último, o progresso na qualidade nos últimos 20 anos saímos de 85% de trigo de qualidade brando e com uma restrita fração de qualidade pão, para hoje alcançarmos em torno de 85% do trigo com qualidade pão melhorador. Tais avanços têm como base o uso eficiente de tecnologias com destaque para: disponibilidade de novos materiais genéticos adaptados às diferentes agro-ecoregiões do Estado, adoção dos conceitos de semeadura precisa com população alvo e distribuição equidistante de plantas, uso eficiente de fertilizantes e corretivos e adoção de culturas de cobertura como nabo forrageiro no outono no sistema conhecido como semeadura no verde e alternância de talhões de cultivo proporcionando rotação de culturas com aveia e outras culturas de inverno e com consórcios de culturas de cobertura. O trigo é uma importante alternativa de renda durante o inverno, de adubação de sistema, de ciclagem de nutrientes, proteção do solo com uma palha de lenta decomposição que contribui para o controle de invasoras e aprimoramento da qualidade do sistema plantio direto e da produtividade da soja cultivada na sequência.
A insegurança no abastecimento de fertilizantes minerais, dos quais o Brasil é um dos maiores importadores mundiais, trazida pelo conflito na Ucrânia tem ocasionado o incremento de preços e gerado muitas dúvidas entre os triticultores e consultores quanto as possíveis estratégias a serem adotadas para a safra de 2022. Nesta nota técnica, serão abordadas conceitos e ferramentas técnicas que poderão contribuir com a triticultura nestes tempos desafiadores.
Entre os agricultores o desejo de utilizar a reserva de nutrientes no solo oriundo de fertilizações de anos anteriores e, com isto, realizar uma economia na fertilização na cultura do trigo é crescente. Esta estratégia deve ser precedida de uma análise técnica criteriosa sob pena de colocar em risco os avanços conquistados na última década e de comprometer a produção da próximas safras devido ao esgotamento e desequilíbrio de nutrientes no solo. Com a experiência de quatro décadas de adoção do sistema plantio direto foi possível compreender que o cultivo e o desempenho de uma cultura tem reflexos positivos e, por vezes, também negativos para os próximos cultivos, de modo que se faz necessário ter um olhar sistêmico e temporal do sistema produtivo. Evite que momentos de crise conduzam a decisões equivocadas e que possam comprometer o maior patrimônio do agricultor que é o seu solo produtivo e com qualidade.
Primeiramente, para estabelecer uma racionalização no uso de fertilizantes fazse necessário conhecer se existe e qual a extensão da reserva de nutrientes (definido nesta nota técnica como teores de nutrientes alto e muito alto, portanto acima do nível crítico), através de uma cuidadosa análise de solo. Lembrar que são três os nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) que foram diretamente impactados pelo conflito mencionado anteriormente, porém as plantas precisam de macro e micronutrientes que devem ser fornecidos em quantidades equilibradas. Portanto, a crise atual é um ensejo para refletir se a tradicional formulação de fertilizante até então utilizada está realmente ajustada ao estado atual de fertilidade do seu solo.
Cultivares modernas com elevado potencial produtivo tem um índice de exportação de nutrientes alto, fato que demanda um acompanhamento da evolução temporal da fertilidade do solo mais frequente.
Explore possibilidades de fazer um investimento qualificado nesta safra, atendendo outros nutrientes como enxofre, cálcio, magnésio, boro e molibdênio fazendo uma fertilização equilibrada. Cuide do pH do solo, buscando valores próximos a 6,0 que incrementa a disponibilidade da maioria dos nutrientes, com destaque ao fósforo, potássio e nitrogênio. Neste caso, atenção especial aos micronutrientes metálicos (Mn, Zn, Fe e Cu) que terão menor disponibilidade com o incremento do pH.
Com isto, estaremos potencializando o uso das reservas de nutrientes do solo. Estimule o desenvolvimento radicular dos cultivos, com atenção especial para o cálcio, nitrogênio, fósforo, enxofre, boro, manganês e zinco. A fertilização equilibrada, especialmente a de nitrogênio, é estratégia para incrementar o peso hectolitro (PH) do trigo, com reflexos positivos na panificação.
Um sistema radicular profundo é importante estratégia de ciclagem de nutrientes móveis como o nitrogênio, enxofre e boro e medianamente móveis como o potássio e magnésio. Reduza a participação do alumínio e incremente a participação do cálcio na saturação de bases em camadas sub-superficiais, estimulando o enraizamento profundo e a ciclagem de nutrientes. Alivie a compactação do solo, pois ela reduz o desenvolvimento radicular, a armazenagem de água e de ar do solo, com reflexos negativos a eficiência no aproveitamento de nutrientes pelas plantas. Não descuide do nitrogênio, pois ele é muito importante para a cultura do trigo. Muitos agricultores tem incrementado a dose de nitrogênio na fertilização de base com resultados positivos de melhor estabelecimento da cultura que, posteriormente, deve ser complementada com uma ou duas aplicações de cobertura, de acordo com as condições climáticas e potencial produtivo da cultura ocorrentes durante a estação de crescimento. Estimule a ciclagem de nutrientes pelo uso de consórcio de plantas de cobertura, que tem a capacidade de recuperar nutrientes de camadas profundas e traze-los para camadas superficiais, que são as de maior importância para a nutrição do trigo.
O enxofre é um nutriente que tem sinergismo com o nitrogênio, portanto se for feita uma racionalização na fertilização nitrogenada é importante não descuidar deste macronutriente, especialmente em solos arenosos e com baixos teores de matéria orgânica. O potássio também tem sinergismo com o nitrogênio, aumentando a eficiência deste nutriente. Alguns trabalhos tem mostrado resultados positivos da combinação de fontes nítricas e amoniacais na nutrição do trigo. O aprofundamento do sistema radicular do trigo, aproveitando os bioporos criados pelo nabo forrageiro favorece a maior eficiência da fertilização nitrogenada mineral pois o aprofundamento do sistema radicular diminui o risco de lixiviação. Ainda, o nabo forrageiro antecedendo o trigo pode aportar importantes quantidades de potássio e de nitrogênio através da sua fitomassa. Ressalta-se que a maior expansão do trigo no RS está ocorrendo na fronteira oeste, que geralmente apresentam solos com teores deficientes de enxofre, nitrogênio e potássio.
Muitos agricultores tem aproveitado o inverno para fertilizar com fósforo o sistema produtivo, considerando que trata-se de um nutriente de baixíssima mobilidade no solo e que o trigo utiliza um espaçamento reduzido (17,5 cm) melhorando a distribuição horizontal deste nutriente. Os resultados de produtividade da soja após esta fertilização de sistema tem sido muito animadores. Destaca-se também, que o trigo tem uma importante capacidade de ciclagem de potássio, uma vez que tem uma absorção elevada e uma exportação baixa, favorecendo a soja cultivada na sequência, que tem uma elevada demanda de potássio. Este manejo diminui os riscos de lixiviação de potássio e enxofre nos solos arenosos.
Finalmente, a utilização de solubilizadores de fósforo como Bacillus subtilis, Bacillus megaterium, Pseudomonas fluorecens tem contribuído para a racionalização do uso da fertilização fosfatada. O uso de Azospirilum brasiliensis estimula o enraizamento e o uso de micorrizas tem reconhecido potencial de incrementar o aproveitamento de fósforo. A proteção do sistema radicular através de biosupressores também é uma estratégia importante para garantir um vigoroso desenvolvimento radicular. A utilização de fertilizantes organo-minerais, ácidos orgânicos e fontes de elevada solubilidade de cálcio (condicionares de solo) tem uma sinergia grande com a utilização de bioinsumos. A escolha de um material genético de trigo com baixo fator de multiplicação de nematoides também deve ser observada em solos com a ocorrência deste organismo. Procure explorar a interação genética x qualidade de solo, posicionando os materiais de ciclo curto e elevado potencial produtivo nos melhores solos e reservando materiais de ciclo mais longo e maior estabilidade para os solos de menor potencial produtivo. Também é possível ajustar a população diminuindo-a nas zonas de alto potencial e aumentando nas de baixo. Com estas estratégias, o triticultor poderá obter produtividades elevadas, mesmo com este cenário desafiador quanto ao fornecimento de fertilizantes minerais. Finalmente, planejamento e definição de um plano de ação adaptado as condições locais, que possibilitem maior eficiência da fertilização mineral deve ser prioridade para os produtores e consultores e talvez seja o principal legado que venhamos a ter ao fim desta crise.
(1) – Professor Doutor em Solos da UFSM;
(2) – Professor Doutor em Fisiologia Vegetal do INCIA;
(3) – Doutor Eng. Agr. Gerente de Pesquisa da Biotrigo Genética