Fonte: Embrapa Soja, COMUNICADO TÉCNICO, 95, Londrina, PR -Março, 2019
A região oeste do Paraná, tradicionalmente caracterizada por pequenas propriedades e economia familiar, possui significativa diversificação em sua agricultura. Toda a região próxima ao Lago de Itaipu e ao Vale do Rio Iguaçu apresentando verões chuvosos, porém extremamente quentes e com evapotranspiração elevada, principalmente nas áreas de menor altitude. Isto propicia a ocorrência de veranicos, que ocasionalmente ocorrem em meados de dezembro e início de janeiro.
O inverno, por sua vez, pode ser severo, uma vez que a região, fronteira com Paraguai e Argentina é praticamente uma porta de entrada de frentes frias vindas do Sul, trazendo baixas temperaturas, principalmente geadas.
O grande número de pequenas áreas agrícolas e a diversidade de culturas produzem um significativo índice de sinistralidade quando o assunto é o seguro rural (TCU, 2013). Isto acontece, principalmente devido às culturas cultivadas no período compreendido entre o verão e o inverno. Culturas como milho safrinha, trigo e feijão apresentam significativas perdas por fatores climáticos. A soja, por sua vez, cultivada no verão, apresenta uma sinistralidade relativamente pequena.
O retorno financeiro obtido com o cultivo de trigo tem sido insatisfatório, aumentando significativamente a área de cultivo de milho, na segunda safra, cujo sistema é alavancado pela agroindústria regional, ligada a suínos e aves. Como o milho é uma cultura tropical, altamente sensível a baixas temperaturas, o seu cultivo não pode ocorrer tardiamente.
Quando ele é semeado após o final de fevereiro, são significativos os riscos de ocorrência de temperaturas iguais ou inferiores a 1ºC nos trinta dias que antecedem a maturação das plantas (Gonçalves et al., 2002). Então, tal sistema de produção acaba levando o agricultor a fazer a semeadura da soja o mais cedo possível, com cultivares precoces, para que a semeadura do milho também ocorra o mais cedo possível.
O sul do Mato Grosso do Sul, por sua vez, também possui expressiva área de milho safrinha, cultivado também no sistema de sucessão soja/milho. Porém, em comparação com o Oeste do Paraná, a proporção de agricultores que fazem a semeadura da soja exclusivamente em setembro é menor, ficando grande parte a ser cultivada no mês de outubro.
Em ambos os Estados, a produtividade esperada inicialmente é variável nos diferentes municípios, porém tem sido crescente. No Paraná, saiu de 34 sc por hectare nos anos de 1994/95, para 55 sc por hectare de 2016/2017 em diante (Paraná, 2019). Os custos variáveis de produção foram estimados, para esta última safra de 2018/2019, em 37,7 sc por hectare, também segundo a mesma fonte. No Mato Grosso do Sul, a produtividade esperada também tem sido crescente, embora seja um pouco menor (48 sc/ha).
O mesmo pode-se dizer a respeito dos custos de produção. No cenário atual, onde já não existe o antigo VBC (valores básicos de custeio), um sistema de faixas de produtividade classifica agricultores por níveis tecnológicos, onde é feita uma análise que considera a produtividade regional, o seu nível tecnológico e o seu histórico de produção, para a liberação do crédito (Banco do Brasil, 2019). Assim, em ambas as regiões, apesar de a produtividade ser variável, pode-se esperar inicialmente pelo menos 2800 kg por hectare.
Em toda a região avaliada, diferentemente de anos anteriores, as condições climáticas ocorrentes na safra 2018/2019 foram totalmente atípicas, tendo ocorrido uma associação de baixo regime hídrico juntamente com altas temperaturas, resultando em veranicos mais prolongados, principalmente em novembro e dezembro de 2018.
A cultura da soja, que tradicionalmente apresenta produtividade acima de 3000 kg/ha, nesta safra, com a adversidade climática verificada, apresentou altos índices de deficiência hídrica, notadamente nas lavouras semeadas mais cedo, que tiveram o período de enchimento de grãos coincidente com a adversidade do clima.
O resultado é que as perdas foram significativas. O objetivo deste relato é descrever as avaliações feitas em áreas de soja, escolhidas aleatoriamente, em vários municípios das regiões oeste do Paraná e do sul do Mato Grosso do Sul, durante esta última safra, visando estimar e confirmar as perdas de rendimento de grãos por deficiência hídrica, verificar perdas em função de épocas de semeadura.
Foram visitadas áreas próximas ao lago de Itaipu e ao vale do Rio Iguaçu, no Paraná e em áreas do sul do Mato Grosso do Sul. Foram escolhidas áreas sempre em ponto de colheita. Nelas, foram feitas medições do estande final, da altura média das plantas, o espaçamento utilizado e feita a contagem do número médio de vagens por planta.
Além disso, foi feita uma coleta de vagens para a obtenção do número médio de grãos por vagem e do peso de 1000 grãos. Com esses dados, foi estimada a provável população de plantas por hectare e feita uma estimativa de produtividade nas áreas avaliadas, conforme observações sintetizadas a seguir.
Região oeste do Paraná
As lavouras visitadas foram semeadas predominantemente em final de setembro a início de outubro de 2018. Nos dias 16 e 17 de janeiro de 2019, grande parte das lavouras da região mais baixa, próximas ao lago de Itaipu, não puderam ser vistoriadas, pois já haviam sido colhidas, uma vez que foram semeadas nas primeiras datas da recomendação de semeadura. As áreas vistoriadas estão sintetizadas na Tabela 1 e podem ser divididas em quatro situações:
a) Na região próxima ao lago de Itaipu, com altitudes, no geral, abaixo de 420 m, foram encontradas diversas lavouras dessecadas por herbicidas, com data provável de semeadura do final de setembro ao início de outubro, com a utilização de cultivares de soja de ciclo precoce. Nessas áreas foi possível verificar um estande final normal, porém com um número de vagens por plantas relativamente baixos, altura de plantas também baixa, pouca infestação de ervas daninhas, porém, com uma formação de grãos muito deficiente (Figuras 1 e 2), indicando que a cultura teve um desenvolvimento inicial normal e também teve um desenvolvimento dentro do esperado até momentos iniciais da formação dos grãos, o que coincidiu com os baixos índices pluviométricos ocorridos no final de 2018 e início de 2019.

Apesar de toda a variabilidade de cultivares, de níveis tecnológicos e de erros nas amostragens, feitas de maneira rápida para um diagnóstico sem os rigores de uma perícia, foi possível verificar as perdas ocasionadas pela deficiência hídrica generalizada.
As amostragens dessas áreas indicaram um peso de 1000 sementes na faixa de 84 g, que juntamente com os respectivos indicativos agronômicos permitiram uma estimativa média de rendimento não superior a 29 sacas de 60 kg/ha brutos.
b) Ainda nessas áreas mais baixas, as lavouras semeadas em outubro eram em número muito pequeno, porém foi possível verificar uma formação de grãos ligeiramente melhor, cujas amostragens indicaram peso de 1000 sementes na faixa de 121 g e projeção de rendimentos de aproximadamente 45 sc/ha.

Tabela 1. Localização de áreas de soja com amostragens para avaliação de perdas por deficiência hídrica, no oeste do Paraná e sul do Mato Grosso do Sul, safra 2018/2019.
c) Nas regiões com altitudes superiores a 500 e 600m, como Cascavel, Corbélia, Cafelândia e Ubiratã, foi possível verificar um número significativo de lavouras ainda verdes, indicando época de semeadura de outubro, com um bom desenvolvimento e com os grãos ainda em início de formação ou já formados, porém ainda verdes. Nesta região, aquelas lavouras secas ou dessecadas, com data provável de semeadura em final de setembro e início de outubro, a situação foi próxima do que se esperava inicialmente.
Nessas áreas o estande final foi bom, a altura de plantas dentro do razoável, o número de vagens por planta bom e a formação de grãos entre boa e ótima (Figuras 3 e 4). Neste caso, os grãos estavam bem formados, pesando na faixa de 160 g por 1000 sementes, permitindo estimativas mais otimistas de produção no final, com produtividade esperada superior aos 55 sacos que era a previsão inicial para a região.


d) Por último, mesmo numa área situada em maior altitude (Campo Mourão), a semeadura em 11 de setembro expôs as plantas a altos índices de deficiência hídrica, apresentando falhas de estande, baixa altura de plantas, baixo número de vagens por planta, baixa qualidade de grãos, com grãos pequenos e peso médio de 1000 sementes de 111 g e estimativa de rendimento de 28 sc/ha (Figura 5).

Região sul do Mato Grosso do Sul
No sul do Mato Grosso do Sul, diferentemente do que ocorre no oeste do Paraná, a diversificação entre agricultura e pecuária cria um sistema de produção onde o agricultor fica menos dependente do cultivo do milho safrinha. Na região de Ponta Porã a cultura da soja é cultivada um pouco mais tarde (outubro), enquanto que em Dourados e mais ao sul (região de Naviraí), a época recomendada tem início em 11 de setembro. Em grande parte das regiões o cultivo predominante ocorreu em outubro, sendo que a proporção de áreas cultivadas em setembro foi menor que no oeste do Paraná (Tabela 1).
As avaliações e amostragens foram feitas nos dias 21 e 22 de janeiro de 2019 e as lavouras podem ser divididas em três situações:
a) Numa área avaliada em Dourados, a semeadura ocorreu em setembro. E tal como ocorreu no oeste do Paraná, a semeadura de Setembro foi a que expôs as plantas a uma intensa deficiência hídrica. A lavoura mostrou estande final, altura de plantas e número de vagens por planta muito aquém do esperado inicialmente (Figura 6). Em consequência, o peso de 1000 sementes foi baixo (88 g), sendo que o rendimento estimado ficou ao redor de 27 sacas por hectare.

b) A semeadura de outubro, mesmo nas áreas mais baixas, resultou em desenvolvimento de grãos um pouco melhor que o cultivo de setembro (Figura 7). Porém, as perdas por seca, no geral, prejudicaram muito as lavouras, que permitiram estimativas inferiores a 50 sc por hectare.

c) As áreas mais altas, acima de 500m, da região de Ponta Porã, foram semeadas em outubro (Figuras 8 e 9). Em tais áreas, as amostragens indicaram um desempenho normal e satisfatório, tal como ocorreu no Paraná nas lavouras de maior altitude e semeadas em outubro. Os pesos de 1000 sementes foram superiores a 169g, permitindo uma projeção de rendimento superior ao esperado inicialmente, atingindo pelo menos 70 sc/ha. A Figura 9 mostra o bom desenvolvimento dos grãos observado nestas áreas.


Conclusão
Tanto na região oeste do Paraná quanto no sul do Mato Grosso do Sul, a baixa disponibilidade hídrica ocorrida em novembro e dezembro de 2018 prejudicou sensivelmente as lavouras de soja, principalmente as de ciclo mais precoce, semeadas em setembro de 2018.
As regiões mais atingidas foram aquelas mais próximas ao lago de Itaipu e o vale do Rio Iguaçu. O mesmo ocorreu no sul do Mato Grosso do Sul, que apresentou situação semelhante. Porém, a proporção de agricultores que fizeram a semeadura em setembro foi muito maior no Paraná que no Mato Grosso do Sul.
As lavouras situadas em áreas de maior altitude, tanto no Paraná quanto no Mato Grosso do Sul e semeadas em outubro, tiveram um desenvolvimento normal, com maior probabilidade de atingir a produção esperada inicialmente.
As amostragens realizadas podem ser consideradas superficiais, sem os rigores de uma perícia. No entanto, elas serviram como um indicativo da severidade das perdas, servindo de base para estimativas de rendimento e de verificação das perdas em função das diferentes épocas de semeadura.
A irregularidade climática e os diferentes níveis tecnológicos dos agricultores apontam para grande gradiente de produtividade. Neste cenário, muitos agricultores, principalmente aqueles que fizeram as semeaduras do cedo, necessitarão de cobertura pelos seguros agrícolas. Outros terão uma colheita suficiente apenas para cumprir os compromissos com o agente financeiro, enquanto que muitos outros ainda terão uma colheita dentro do esperado inicialmente.
Muitas lavouras semeadas em final de outubro, ainda verdes em meados e final de Janeiro e início de fevereiro de 2019, ou ainda no início da formação de grãos, terão uma produção normal confirmada dependendo da distribuição hídrica dos meses de janeiro e fevereiro.
Referências
BANCO DO BRASIL. BB seguro agrícola. Disponível em: <https://www.bbseguros.com. br/seguradora/para-seus-negocios/seguroagronegocio/seguro-agricola/condicoes.jsp>. Acesso em: 5 fev. 2019
GONÇALVES, S. L.; CARAMORI, P. H.; WREGE, M. S.; SHIOGA, P.; GERAGE, A. C. Épocas de semeadura do milho “safrinha”, no Estado do Paraná, com menores riscos climáticos. Acta Scientiarum, v. 24, n. 5, p. 1287-1290, 2002.
PARANÁ. SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO. DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL. Previsão e estimativa de safras. Disponível em: <http://www.agricultura. pr.gov.br/arquivos/File/deral/pss.xls>. Acesso em: 6 fev. 2019.
TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Secretaria-Geral de Controle Externo. Secretaria de Controle Externo da Agricultura e do Meio Ambiente. Relatório de auditoria operacional do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária e do Zoneamento Agrícola de Risco Climático. Brasília, DF: TCU, 2013. 22 p. (TC n 015.738/2013-2).
Autores:
- Sergio Luiz Gonçalves, engenheiro-agrônomo, doutor em Agronomia, pesquisador da Embrapa Soja, Londrina, PR.
- José Salvador Simoneti Foloni, engenheiro-agrônomo, doutor em Agricultura, pesquisador da Embrapa Soja, Londrina, PR.
Fonte: Embrapa Soja, COMUNICADO TÉCNICO, 95, Londrina, PR -Março, 2019