As condições climáticas desempenham um importante papel na incidência de pragas agrícolas. A distribuição e a densidade populacional dos insetos são influenciadas por fatores como temperatura, radiação solar, umidade, luz e vento. Ter o entendimento dessas relações é algo relevante na tomada de decisões visando um eficiente manejo de pragas.
Nesse texto vamos abordar sobre as pragas que predominam na soja em anos secos. Esse assunto é de grande importância visto que altas temperaturas aumentam a taxa metabólica dos insetos, que irão se alimentar mais e, por consequência, se multiplicar em curtos períodos de tempo ao longo do ciclo da cultura. Logo, irá refletir no manejo e no número de aplicações necessárias para o controle. Além disso, o clima demasiadamente seco também dificulta o controle químico das pragas na soja, ocorrendo alta evaporação das gotas de inseticida e baixa penetração no dossel inferior da cultura.
O complexo de percevejos (Figura 1) representa a principal ameaça no final do ciclo da soja em termos de pragas, visto que interferem no rendimento e qualidade dos grãos por atacarem desde a formação das vagens até o final do desenvolvimento das sementes. A maioria dos percevejos apresenta o hábito de expor-se aos raios de sol no início da manhã para aquecer os músculos com a energia absorvida, possibilitando o vôo e outras atividades corporais; portanto, sua procura por radiação solar é intensa. Em geral, é possível visualizar esse hábito dos percevejos no dossel superior das plantas de soja, nas primeiras horas da manhã.
Figura 1. Espécies de percevejos mais frequentes em lavouras de soja.
Fonte: Promip. Confira a imagem original aqui
A faixa de temperatura ideal do percevejo-marrom (Euschistus heros), considerado o principal sugador na cultura da soja, se situa próxima dos 26-28°C. Mas quando se trata de melhor adaptação ao clima, o percevejo verde-pequeno (Piezodorus guildinii) é o que possui maior destaque, estando presente em regiões com temperaturas quentes e frias do país. Ainda dentro do complexo, o percevejo barriga-verde (Dichelops melacanthus) apresenta valores próximos de 100% de mortalidade em condições de 20°C ou menos. Nesse sentido, épocas de altas temperaturas no final do ciclo da soja ou em áreas de soja safrinha podem ocasionar maior incidência da praga (Bueno et al., 2017).
Diferentemente das espécies citadas, o percevejo-verde (Nezara viridula) é desfavorecido em ambientes com altas temperaturas (27-37°C), as quais afetam sua sobrevivência. Além disso, o mesmo é encontrado com mais frequência na região sul do país, onde predominam temperaturas mais amenas (Bueno et al., 2017).
Já no caso das lagartas desfolhadoras, a irregularidade nas chuvas e períodos prolongados de veranico favorecem o surgimento precoce desse tipo de praga. Com o aumento da temperatura, a tendência é que aumente a densidade populacional das lagartas, pois ocorre aceleração do metabolismo e da reprodução – isto é, maior dano e mais descendentes são gerados.
De acordo com estudos de Bueno et al. (2017), as faixas de temperatura ideal para cada espécie de lagarta (Figura 2) são variáveis. A lagarta-elasmo (Elasmopalpus lignosellus), por exemplo, apresenta faixa ótima de desenvolvimento de 27-33°C; já para a lagarta falsa-medideira (Chrysodeixis includens), a faixa ideal de temperatura situa-se entre 25-28°C. Ainda, para a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis) a faixa ideal de desenvolvimento é idêntica à da falsa-medideira, enquanto que para lagartas do complexo Spodoptera os valores situam-se entre 25-28°C. Por fim, a lagarta Helicoverpa armigera apresenta elevada sobrevivência em condições de alta temperatura e alta umidade relativa do ar, ocorrendo encurtamento da fase larval.
Figura 2. Espécies de lagartas mais frequentes em lavouras de soja: Anticarsia gemmatalis (A), Chrysodeixis includens (B), Helicoverpa armigera (C) e Spodoptera frugiperda (D).
Fonte: Brasmax Genética. Confira a imagem original aqui
Ressalta-se que, além de temperaturas menores em relação às faixas ideais diminuírem a atividade metabólica das lagartas, temperaturas superiores a esses valores podem interferir negativamente na população das pragas, ocasionando mortes precoces. Da mesma forma, tripes, mosca-branca e ácaros (Figura 3) também são favorecidos com o aumento da temperatura e redução da umidade relativa do ar.
Figura 3. Tripes (Frankliniella schultzei), mosca-branca (Bemisia tabaci) e ácaro-rajado (Tetranychus urticae) em soja.
Fonte: Embrapa. Confira a imagem original aqui.
A taxa de sobrevivência dos ácaros, por exemplo, é maior quanto maior for a temperatura natural do ambiente. No entanto, a faixa ideal de desenvolvimento dessas pragas é de 25-30°C (Bueno et al., 2017). Além disso, de acordo com estudos de Chinniah et al. (2009) relacionados com ácaro-rajado (Tetranychus urticae), o aumento de 1°C na temperatura eleva a população em 1,184%, o acréscimo de 1% na umidade reduz a população em 0,218% e 1 mm de chuva corresponde a uma redução de 0,195% na população de ácaros. Logo, é possível que fatores abióticos possam controlar naturalmente a praga.
Além disso, períodos prolongados de seca prejudicam a sobrevivência dos fungos entomopatogênicos que naturalmente controlam as populações de ácaros fitófagos em soja durante períodos com chuva regular, sendo este o motivo pelo qual explosões populacionais de ácaros tendem a ocorrer em anos secos (Roggia, 2008). O uso excessivo de fungicidas para o controle de ferrugem da soja provoca semelhante efeito, explicando porque infestações de ácaros em soja tornaram-se mais frequentes e severas após 2001, quando ocorreu a introdução desse patógeno no Brasil (Padilha, 2020).
Por fim, no caso de tripes (Frankiniella schultzei) a faixa ótima de desenvolvimento situa-se entre 25-28°C. Somado a isso, a chuva desfavorece a praga, visto que ocasiona a limpeza dos folíolos com o impacto das gotas de água. Ademais, a mosca-branca (Bemisia tabaci) apresenta faixa ótima de 26-30°C, embora tenha boa tolerância e adaptação em condições superiores a 32°C (Bueno et al. 2017).
Portanto, é seguro concluir que temperaturas elevadas associadas à baixa precipitação favorecem o desenvolvimento e proliferação das principais pragas do cultivo da soja. Além disso, o ciclo de vida das pragas é encurtado, ocasionando maior pressão populacional e, consequentemente, maiores perdas na produtividade de grãos. Em outras palavras, pode-se afirmar que quanto maior for a temperatura média durante o ciclo da cultura, maior será o número de gerações da praga e o número de indivíduos resultante.
Nessas condições, pode mostrar-se necessário o emprego de um maior número de aplicações de inseticida ou a redução no intervalo entre aplicações, devido ao aumento da taxa metabólica e reprodutiva dos insetos. Sendo assim, o monitoramento de pragas torna-se relevante e imprescindível em anos de seca, visando um manejo seguro e eficaz das pragas da soja.
Elaboração do texto: Rodrigo Krammes e Solange Andressa Figur, estudantes do Curso de Agronomia na UFSM e membros do grupo Manejo e Genética de Pragas – UFSM
Revisão: Henrique Pozebon, Mestrando PPGAgro e Prof. Jonas Arnemann, PhD. e Coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
REFERÊNCIAS:
BUENO, Adeney et al. Efeitos do aquecimento global sobre pragas de oleaginosas. Embrapa, Aquecimento Global e Problemas Fitossanitários, 2017. Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/165241/1/2017LV03.pdf >
CHINNIAH, C.; VINOTH KUMAR, S.; MUTHIAH, C.; RAJAVEL, D. S. Population dynamics of two spotted spider mite, Tetranychus urticae Koch in brinjal ecosystem. Karnataka Journal of Agricultural Sciences, v. 22, n. 3, p. 734-735, 2009. Disponível em: < http://14.139.155.167/test5/index.php/kjas/article/view/1602 >
PADILHA, G. et al. Damage assessment and economic injury level of the two-spotted
spider mite Tetranychus urticae in soybean. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.55, e01836, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S1678-3921.pab2020.v55.01836
ROGGIA, S.; GUEDES, J.V.C.; KUSS, R.C.R.; ARNEMANN, J.A.; NÁVIA, D. Spider mites associated to soybean in Rio Grande do Sul, Brazil. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.43, p.295-301, 2008. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100-204X2008000300002.