A demanda internacional e o câmbio sopram ventos favoráveis para a produção de grãos de uma forma nunca vista no agronegócio brasileiro. De fevereiro para cá, o preço da soja praticamente dobrou, chegando a R$ 157 a saca no Paraná. No caso do milho, o aumento foi de 50% em apenas quatro meses. Em ambos os casos, as cotações chegaram a recordes com perspectivas de entrarem em 2021 em alta. Se esse cenário soa como brisa aos produtores de grãos, para as cadeias de proteína animal – que têm a soja e o milho como importantes insumos – essas perspectivas caem como um vendaval, que traz apreensão e um alerta.


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O bom momento dos grãos é tão significativo que especialistas enfatizam: tudo que o agricultor brasileiro produzir terá comercialização certa e com bons preços, graças ao apetite internacional. Neste contexto, destaque para a China, que avançou sobre os produtos do agronegócio produzidos no Brasil e no Paraná. De janeiro a setembro deste ano, as exportações paranaenses do complexo soja aumentaram 74%, em volume, chegando a 9,3 milhões de toneladas e arrecadando US$ 3,2 bilhões. Os chineses abocanham, hoje, metade da oleaginosa e seus derivados produzidos no Estado.

Por outro lado, a safra atual deve ser acompanhada pelo fenômeno climático La Niña – que traz estiagem e chuvas irregulares, principalmente no período de desenvolvimento da lavoura. Essa condição pode implicar em quebra de produção, principalmente em Estados da região Sul. Essas incertezas e o risco de se ter menos grãos disponíveis já afetaram o humor do mercado, fazendo com que os contratos futuros de soja sejam negociados em patamares altos na Bolsa de Chicago (CBOT). Tudo isso leva os especialistas a vislumbrarem que os grãos vão entrar em 2021 com preços tão ou mais aquecidos que os atuais.

“A Bolsa de Chicago está bem preocupada com o plantio no Brasil e na Argentina, importantes produtores de grãos. O clima é de preços em alta até por ter essa perspectiva pessimista para a safra em âmbito global”, diz Ana Paula Kowalski, técnica do Departamento Técnico Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR. “Há quem diga que a saca vai chegar a R$ 200. Eu acho um cenário exagerado. Mas se mantiver os preços de agora, isso já representa o dobro do que a gente tinha no ano passado”, acrescenta.

Além da relação oferta/demanda, a força do dólar também favorece o vento positivo para os grãos. O Boletim Focus, do Banco Central, estima que a moeda americana entre em 2021 cotada entre R$ 5,10 e R$ 5,28. É um nível menor do que temos hoje, mas ainda um patamar elevado e positivo para o produtor brasileiro – que ganha na conversão do dólar para o real. Ou seja, tem tudo para o agronegócio nacional continue mirando o mercado externo.

“Em uma economia de livre mercado, o que rege é a relação entre a oferta e a demanda. O vendedor, que é a agroindústria, vai ficar de olho em quem paga melhor. E o mercado externo está pagando muito bem”, observa Luiz Eliezer Ferreira, técnico do DTE. “Além disso, provavelmente teremos, mais uma vez, a China indo forte às compras, provocando um choque de demanda. E os compradores externos estão desesperados atrás de grãos. A procura mundial por grãos é enorme, o que joga os preços lá em cima”, ressalta.

Até em razão dessa demanda internacional, já há relatos de escassez de grãos em algumas regiões do Paraná e, por conseguinte, de preços pressionados. O presidente da Comissão Técnica de Suinocultura da FAEP, Reny Gerardi, diz que, mesmo com a saca 100% mais cara em relação ao ano passado, o produtor independente tem encontrado dificuldade para encontrar o produto, base da alimentação do plantel. “O preço do milho está uma loucura. Com a soja, é a mesma coisa. Apesar disso, em muitos armazéns, já não se acha o milho ou o farelo de soja”, diz.



Vendaval

Essas perspectivas de que a soja e o milho continuem com os preços nas alturas provocam um vendaval turbulento às cadeias de proteínas animais. Isso porque os grãos têm um peso decisivo na produção da pecuária. Segundo a Embrapa, a nutrição corresponde a 78% dos custos na suinocultura e a 72%, na avicultura. Na bovinocultura, o impacto é menor, mas também significativo: corresponde a um terço dos custos totais nas principais praças, de acordo com o projeto Campo Futuro – realizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com a FAEP.

Os ventos só não provocaram estragos nessas cadeias produtivas, porque as carnes também se beneficiam de uma conjuntura internacional favorável. Neste ano, por exemplo, a voracidade da China também se voltou às proteínas animais. De janeiro a setembro, o volume das exportações paranaenses de produtos do complexo carnes para os chineses aumentou 35%, totalizando 236 mil toneladas e US$ 479 milhões.

No mercado interno, os preços das proteínas animais também se mantiveram aquecidos. Desde janeiro, a arroba do boi e o quilo do frango congelado subiram 44% e 27% respectivamente, segundo o Centro de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP). No caso do suíno vivo, a alta foi ainda maior: 77,6%. O mercado de lácteos no Paraná também vive um bom momento, com o preço de referência do leite chegando em setembro ao maior patamar da história. Em síntese, essa valorização generalizada compensou o que os pecuaristas e/ou empresas – no caso dos produtores integrados – desembolsaram a mais para cobrir os custos de produção.

O xis da questão é: com os grãos em alta, até quando o mercado vai ter fôlego para sustentar também os preços das proteínas animais? Para os especialistas, essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Mas o momento é de cautela e de ficar de olho nos desdobramentos, como o poder de consumo do mercado interno.

“Nós não temos dimensão de até quando isso vai se sustentar. Não conseguimos saber até que ponto o pecuarista vai conseguir cobrir seus custos de produção com as receitas. Vai depender muito da força do mercado consumidor, que ainda está em um horizonte de pandemia”, analisa Ferreira.

“Temos que ver os efeitos do novo valor do auxílio emergencial do governo federal. Depende muito de como vão ser os ajustes de demanda interna. O cenário ainda é muito incerto. Não dá para prever se o consumo interno vai se manter no nível que tivemos até agora”, observa Ana Paula.

Avicultura: indústria absorve custos, mas pode reduzir alojamentos

Na avicultura – que opera em regime de integração, no Paraná –, as agroindústrias têm absorvido o aumento dos custos de produção. Presidente da Comissão de Avicultura da FAEP, Carlos Bonfim aponta, no entanto, que os avicultores paranaenses têm acompanhado com apreensão as altas contínuas nos preços da soja e do milho. A preocupação é de que, no médio prazo, as empresas venham a reduzir a escala de produção, o que implicaria na perda de ganho por parte do produtor.

“No sistema integrado, a empresa não repassa essa alta dos custos. O produtor não sente a volatilidade, mas a gente vê com preocupação, com medo do que possa acontecer logo ali na frente. A gente não sabe quanto tempo essas empresas aguentam”, aponta Bonfim.

Ao analisar os elementos dispostos, hoje, no tabuleiro, a técnica Mariana Assolari, do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP/SENAR-PR, que acompanha a cadeia da avicultura, aponta que as perspectivas de tendência de alta dos preços dos grãos já afetaram o setor, com tendência de que, a partir do ano que vem, as agroindústrias comecem a reduzir o alojamento de aves, de olho no comportamento do mercado.

“A avicultura é um setor muito ajustado. As empresas alojam de acordo com as projeções de demanda”, diz Mariana. “Quando há uma alteração em grãos, há um impacto direto em todas as cadeias produtoras de carne. No caso de frangos, isso é muito evidente”, completa.

Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, confirmou que deve haver um ajuste, com a redução de alojamento. O dirigente calcula que pode, com um eventual corte na produção entre 5% e 10%, a demanda interna por grãos diminuiria em 1,4 milhão de toneladas até a metade de 2021.



Mudança na ração

Na região de Cianorte, no Noroeste do Paraná, produtores relatam um fator que pode estar relacionado à alta dos grãos. Segundo os avicultores, a qualidade da ração fornecida pela agroindústria piorou nos últimos meses. Como resultado disso, os animais têm custado a ganhar peso. A meta é de que os pintainhos cheguem ao sétimo dia de vida pesando entre 185 e 200 gramas. Entretanto, em sete dias, as aves têm chegado, em média, a 140 gramas (25% menos), de acordo com relatos compilados pela Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadec) local, afetando os rendimentos dos avicultores.

“O avicultor precisa de condições para atingir as metas definidas pela integradora. E esse peso é definido com base em ração de boa qualidade. Se a indústria não colocar uma ração de boa qualidade, o animal não vai responder de acordo”, ressalta o presidente da Cadec de Cianorte, Dienner Santana. “Em regiões vizinhas, temos relatos de que o resultado pago já tem diminuído”, acrescenta. Ele também aponta que o índice de mortalidade dos animais aumentou consideravelmente.

Mariana Assolari destaca que a Lei de Integração prevê que o produtor – representado pela Cadec – acompanhe e valide a qualidade dos insumos – entre eles, a ração – fornecidos pelas agroindústrias, mas que ainda não foram criados mecanismos para que isso aconteça na prática. “O produtor não está envolvido neste processo, mas, em razão dos custos, é provável que a indústria tenha alterado a composição da ração, não só quantidade e qualidade dos grãos na formulação, mas também o premix, muitas vezes composto por ingredientes importados. O que as empresas tendem a fazer daqui para a frente é procurar um ponto de equilíbrio”, avalia.

Suinocultura: da euforia à preocupação

A partir de maio, o preço dos produtos da suinocultura disparou, animando os produtores paranaenses. Em outubro, o quilo do suíno vivo chegou a R$ 8,24: crescimento de mais de 100% em cinco meses. Por um lado, essa decolagem compensou a escalada dos preços de grãos. Por outro, a escassez de soja e de milho passou a dar dor de cabeça ao suinocultor, principalmente o independente – categoria em que se enquadram 40% dos produtores de suínos no Paraná.

“Os valores chegaram a preços que colocam o produtor em uma era que ele nunca viveu. Mas a euforia já passou e hoje os suinocultores estão mais preocupados, principalmente porque não se encontra grãos disponíveis e por conta da incerteza se a demanda vai segurar os preços do suíno em alta”, diz a técnica do Detec do Sistema FAEP/SENAR-PR, Nicolle Wilsek, que acompanha a cadeia da suinocultura.

Nicolle tem orientado os pecuaristas a buscarem alternativas, como triguilho, triticale centeio e sorgo, fato que vai ao encontro que uma pesquisa da Embrapa, que aponta que alguns grãos podem substituir o milho e o farelo de soja na alimentação de suínos e frangos, desde que sejam feitos ajustes nos níveis de aminoácidos, de acordo com a fase de cada animal. Entre essas opções, a Embrapa destaca o triticale e a cevada.

“O entrave é que não temos cultura de plantar esses grãos em grande escala. Mas o produtor que tiver essas opções, pode usá-los como alternativa”, ressalta Nicolle.

Paralelamente, os produtores estão de olho na indústria, na expectativa de que não haja ajustes na escala de produção. “A indústria não iniciou isso ainda. A gente não sabe se vai acontecer ou não, mas por enquanto não há indicativo”, aponta a técnica do Sistema FAEP/SENAR-PR.

Preço dos grãos mexe na dinâmica da bovinocultura

Em termos de preço, a bovinocultura de corte também vive um bom momento. Segundo o indicador Cepea, a arroba chegou ao fim de outubro a R$ 270. Técnico do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR, Guilherme Souza Dias avalia que a falta de grãos e os preços pressionados já afetam diretamente a atividade, principalmente porque esses fatores exercem um peso maior sobre o confinamento. Tudo isso muda a dinâmica da porteira para dentro.

“Os grãos em alta refletem sobre a diária de confinamento, que passa a ficar mais cara. A tendência é de que o produtor deixe de confinar. Isso vai gerar, como resultado, animais mais tardios”, resume. “Ou seja, esses elementos vão alterar a estratégia do pecuarista, com impactos na receita e no tempo de abate”, acrescenta.

No caso do setor de lácteos, os reflexos também são imediatos. O bovinocultor de leite investe, em média, um quilo de ração para produzir três litros do produto. Ou seja, a relação com os grãos é direta, o que fez com que os custos de produção do setor, em setembro, estivessem 65% acima dos níveis históricos, segundo o Cepea. Os preços dos lácteos no Paraná vinham acompanhando esse movimento até setembro, mas em outubro houve um recuo, o que pode sinalizar que o mercado consumidor não tenha tanto fôlego para bancar as altas sucessivas. “A tendência é que os grãos continuem pressionando ainda mais os custos de produção da cadeia. E na bovinocultura de leite, a ração é um fator determinante. Se o pecuarista dá menos ração, ele vai ter não só um prejuízo na produção, como vai provocar um impacto na vida produtiva da vaca, que não tem mais volta. O animal não volta a produzir no patamar anterior”, aponta Souza Dias. “Os preços dos grãos estão, na verdade, consumindo o que seriam os ganhos dos pecuaristas”, acrescenta.

Leia mais notícias sobre o agronegócio no Boletim Informativo.

Fonte: Disponível em Portal do Sistema FAEP

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