Por Dr. Argemiro Luís Brum¹
As cotações da soja, em Chicago, continuaram cedendo nesta última semana de fevereiro. O primeiro mês cotado fechou a quinta-feira (29) em US$ 11,28/bushel, contra US$ 11,47 uma semana antes. O farelo de soja chegou a atingir a US$ 327,80/tonelada curta, enquanto o óleo veio a 44,02 centavos de dólar por libra-peso em alguns momentos da semana. O mercado trabalha, portanto, nas mais baixas cotações em mais de três anos.
E a tendência parece ser de continuidade deste processo por mais algum tempo, especialmente se os EUA confirmarem aumento na área semeada com soja em 2024 e o clima auxiliar no desenvolvimento da futura safra.
Dito isso, as exportações de soja, por parte dos EUA, enfraqueceram no final de fevereiro. Na semana encerrada em 22 de fevereiro o volume ficou em apenas 55.900 toneladas, ou seja, muito abaixo das expectativas do mercado, ficando 71% abaixo da média das últimas quatro semanas. No total do atual ano comercial, os EUA exportaram, por enquanto, 38,9 milhões de toneladas, contra mais de 48 milhões na mesma época do ano anterior. No caso do farelo de soja, os EUA venderam 202.000 toneladas na citada semana, ficando 35% abaixo da média das quatro semanas anteriores.
Já no Brasil, com um câmbio girando entre R$ 4,90 e R$ 5,00 por dólar, e prêmios negativos, a pressão baixista de Chicago continua a se fazer sentir. A média gaúcha praticamente se estabilizou, fechando a semana em R$ 108,59/saco, sendo que existem praças locais trabalhando a R$ 107,00 e até um pouco abaixo disso. No restante do país, os preços da soja oscilaram entre R$ 98,00 e R$ 102,00/saco em termos médios.
Dito isso, a colheita brasileira se aproximava de 40% da área total, pressionando os preços internos, mesmo que os números totais de produção estejam abaixo do esperado inicialmente, como já visto no boletim anterior. Chuvas mais intensas atrasaram a colheita nesta última semana de fevereiro. (cf. Pátria AgroNegócio e AgRural)
Especificamente no Mato Grosso, a colheita chegava a 76,4% da área no dia 23/02, com o ritmo se mantendo adiantado em relação a média histórica, que é de 72% para o atual período. (cf. Imea) Pelo lado das exportações, os números finais referentes a 2023, segundo a Datagro, ficaram em 126,8 milhões de toneladas para a totalidade do complexo soja brasileiro, com avanço de 24,7% sobre o registrado em 2022. Desse total, o grão de soja atingiu a 101,8 milhões de toneladas, ganhando 29,4% sobre o ano anterior, o farelo chegou a 22,6 milhões, avançando 11,1% sobre 2022, e o óleo atingiu a 2,3 milhões de toneladas exportadas, registrando um recuo de 9,6%. Esse recuo se deve, em especial, ao maior uso do óleo de soja na fabricação de biodiesel nacional.
Com isso, em valores, o país exportou US$ 67,4 bilhões somente com o complexo soja, avançando 10,9% sobre a receita obtida em 2022. O grão de soja gerou um ganho de US$ 53,3 bilhões (+14,7%); o farelo US$ 11,5 bilhões (+11,4%); e o óleo US$ 2,6 bilhões, com recuo de 35,1% sobre o ano anterior. Lembrando que as exportações totais do Brasil, em 2023, atingiram a US$ 339,7 bilhões. Ou seja, o complexo soja participou com 19,8% de todo o valor exportado pelo Brasil no ano passado, contra a média de 16,2% nos últimos 10 anos.
Dito isso, a Datagro projeta vendas menores em 2024, com um total de 114,9 milhões de toneladas para o complexo soja, ou seja, 9,4% a menos do que em 2023. Seriam 88,8 milhões de toneladas do grão (-12,8%); 24 milhões em farelo (+6,1%) e 2,1 milhões em óleo de soja (-10,6%). Com este recuo, e a queda nos preços internacionais, a receita total de 2024 está projetada para US$ 54,5 bilhões, ou seja, um recuo de 19,1% sobre o ano passado. Seriam US$ 41,7 bilhões em grãos de soja (-21,7%); US$ 10,6 bilhões em farelo (-8,2%) e US$ 2,2 bilhões em óleo (-14,5%).
Com isso, a participação do complexo soja junto ao total exportado pelo Brasil, no corrente ano, deverá recuar. E segundo a Secex, o Brasil exportou, nos primeiros 15 dias úteis de fevereiro um total de 5,0 milhões de toneladas, já atingindo praticamente todo o volume que foi exportado na integralidade do mês de fevereiro de 2023. Como tem ocorrido nos últimos anos, a China é o nosso principal comprador de soja. Das 7,8 milhões de toneladas embarcadas nos primeiros 45 dias de 2024, cerca de 6 milhões teriam ido para a China, ou seja, 77% do total. Em 2023 a China comprou mais de 70 milhões de toneladas de soja brasileira. Em tal contexto, até maio ou junho os chineses estariam abastecidos, não fazendo grandes pressões sobre o mercado.
Em termos comparativos, em 2023 as exportações brasileiras de soja subiram 29%, enquanto as estadunidenses caíram 14% em relação ao ano anterior. Juntos, os dois países respondem por 80% das vendas de soja no planeta, enquanto sozinha a China compra 60%. O Brasil superou os EUA como maior exportador mundial da oleaginosa, pela primeira vez, em 2013. E atualmente, a China é seu maior parceiro comercial, entre
outros produtos, na soja. Nos últimos 20 anos (2003 a 2023), as exportações de soja brasileira cresceram 431%, saltando de 19,2 milhões para 102 milhões de toneladas.(cf. Brandalizze Consulting)
Por outro lado, nos últimos cinco anos o Brasil tornou-se fortemente dependente das importações chinesas, sendo que 73% da soja exportada pelo Brasil foi para a China, contra uma média de 51% dos Estados Unidos. Isso torna o Brasil muito vulnerável ao que acontece política e economicamente na China, sendo perigoso. Afinal, após duas décadas de aumentos quase constantes, as importações de soja da China têm registrado alguns períodos de redução desde 2019. Estas flutuações têm sido associadas aos impactos da pandemia da COVID-19 e aos surtos de peste suína africana. Mas há uma perspectiva entre vários analistas mundiais de que as importações de soja da China já possam ter atingido o seu ponto mais alto.
Ao mesmo tempo, a China busca ampliar sua produção local e reduzir sua dependência de importações. Como parte do seu Plano Agrícola Quinquenal, que vai até 2027, a China deu prioridade ao aumento da autossuficiência em soja e outros cereais e sementes oleaginosas. (cf. Universidade de Illinois)
Diante de tal quadro, e voltando a análise conjuntural, o Brasil atualmente ainda teria de 105 a 110 milhões de toneladas de soja para comercializar, oriunda da safra recorde de 2023/24. Com os preços cada dia um pouco mais baixos, os produtores estão segurando o produto, dentro do possível, fato que pressiona ainda mais o mercado em um horizonte de médio prazo. Na prática “não há negócios. O comprador não está disposto a pagar mais pelo produto e o produtor rural não está disposto a se submeter a vendas nos atuais preços e temos agora um momento de atraso no processo de colheita”, em algumas regiões do país. (cf. Pátria AgroNegócios)
De forma geral, tal realidade está sendo um grande problema para os produtores que não se prepararam quando a situação do mercado esteve altamente positiva em anos recentes.
Para complicar o cenário, a soja 2023/24, que está sendo colhida, começará a ser embarcada somente em março e a programação aponta para um volume 46,9% menor em comparação com o visto no mesmo período do ano passado. No final de fevereiro, as nomeações de navios para embarques em março são 45,2% menores em comparação com o mesmo período de fevereiro de 2023. (cf. Pine Agronegócios)
Assim, para os próximos meses não se espera grandes mudanças na tendência baixista dos preços da soja, salvo surpresas. Além disso, logo mais chega o momento que o produtor precisará vender a atual safra para pagar os compromissos bancários, podendo pressionar ainda mais os preços internos para baixo.
Segundo o Imea, tomando o Mato Grosso como referência, “para que haja ao menos uma recomposição dos estoques que estão sendo carregados – considerando custo de carrego, média quebrada da produção e pagamento de investimentos que estão sendo feitos – os preços teriam de se mostrar acima de R$ 120,00/saco para estimular novas vendas. Para se ter uma ideia do problema existente, em 20/02/2024, segundo ainda o estudo do Imea, no Mato Grosso, uma soja de R$ 95,00/saco, em um período de oito meses – de março a outubro -, para o produtor que optar por manter essa soja no armazém, pagando armazenagem e quebra técnica, deixando de ganhar os juros, será preciso que haja uma alta de R$ 11,00/saco para manter essa soja armazenada (e essa decisão ser compensada).
Considerando que os indicativos em Chicago ainda são de cotações em recuo para os meses futuros, não valeria a pena segurar a soja para vender no segundo semestre, conforme as condições atuais do mercado, afirma o Instituto. Isso precisa ser analisado pelo Brasil inteiro já que o quadro é bastante semelhante em todas as regiões produtoras. O problema é que a grande maioria dos produtores nacionais não travaram preço, estando a descoberto no mercado, à mercê das oscilações constantes do mesmo. Assim, o grande desafio aos produtores, e que não é de hoje, é focar na gestão de risco de preço. (cf. Agrinvest)
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Fonte: Informativo CEEMA UNIJUÍ, do prof. Dr. Argemiro Luís Brum¹
1 – Professor Titular do PPGDR da UNIJUÍ, doutor em Economia Internacional pela EHESS de Paris-França, coordenador, pesquisador e analista de mercado da CEEMA (FIDENE/UNIJUÍ).