Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário
Redirecionamento de commodities vem surtindo efeito
Completados dois meses da vigência do tarifaço sobre todos os produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos, o setor agropecuário já tem uma noção mais consolidada dos efeitos dessa taxação, que mostra quais segmentos se mostraram mais vulneráveis enquanto outros mantiveram força e resiliência. O balanço mostra que os produtos alvo de alíquota máxima de 50% são commodities como café, carne e açúcar, que têm mais facilidade para redirecionar as vendas a outros mercados. Essa capacidade de escoar a produção tem se revelado determinante para mitigar o impacto negativo.
No setor de café, as exportações para o mercado americano, o maior do mundo para a bebida, despencaram 56% em setembro em relação a 2024, e devem zerar nos próximos dias, enquanto países como a Alemanha se consolidam como destinos alternativos. De acordo com o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), o tarifaço provocou forte alta nos preços para o consumidor americano. Em 30 de julho, o preço era de 284 centavos de dólar por libra-peso. Atualmente, está em torno de 380 centavos. Isso faz com que países concorrentes como Colômbia concentrem suas remessas para os EUA, abrindo mais espaço no mercado europeu para o café brasileiro, por exemplo.
Apesar da queda de 20,3% nas exportações para os EUA em setembro, o Brasil mostrou agilidade em encontrar novos mercados, ampliando as vendas as vendas para a Argentina (+24,9%), China (+14,7%) e União Europeia (+2%). No balanço geral do mês, as exportações brasileiras cresceram 17,7%, de acordo com os dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
O segmento de carne bovina também é protagonista do movimento de conquistar novos mercados, um trabalho que vinha rendendo frutos antes mesmo do tarifaço. Na ANUGA, uma das maiores feiras de bebidas e alimentos do mundo, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) já consegue avançar em mais tratativas. A participação da comitiva foi noticiada pelo Portal SNA na semana passada. Roberto Perosa, presidente da entidade e um dos expoentes do gabinete de crise desde o anúncio do tarifaço, firmou memorando de entendimento com representantes de Cingapura que estabelece parceria estratégica com o Brasil. O evento acontece em Colônia, na Alemanha, desde o último dia 4 de outubro. Perosa já concedeu entrevista anteriormente à SNA.
Alguns setores sofreram mais do que outros
Entre as ações contempladas estão o intercâmbio de informações, apoio a iniciativas de promoção comercial e articulação com autoridades regulatórias, como a Agência de Alimentos de Cingapura (SFA, na sigla em inglês) e o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil. Cingapura é um comprador assíduo da proteína animal brasileira, além de entreposto importante no sudeste asiático, onde estão outros parceiros de grande porte do agro nacional. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), representada por Ricardo Santin, também fechou acordo semelhante, em interlocução com a Associação de Comerciantes de Carne de Cingapura.
Na esteira do tarifaço, a China também ampliou seu domínio como maior comprador de carnes brasileiras. Em setembro, a fatia dos EUA na carne bovina fresca, resfriada ou congelada exportada pelo Brasil caiu de 8,9% para 2,4%. A participação do país asiático subiu de 52,9% para 59,5%. Ou seja, a cota perdida pelos americanos acabou sendo absorvida pela China. Os dados são da SECEX.
Ainda de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior, o açúcar brasileiro sofreu forte abalo nos embarques para os Estados Unidos. Em setembro, o volume exportado para os portos americanos foi de 21,1 mil toneladas, uma queda de 84,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Em receita, essas exportações recuaram 77,3%, para US$ 14,9 milhões. Somando os embarques de agosto e setembro, período afetado pelo tarifaço, o Brasil exportou 88,1% menos açúcar para os Estados Unidos do que no mesmo período do ano passado, somando 29,6 mil toneladas. Já as receitas com essas exportações tiveram queda de 82,3%, para US$ 21,3 milhões.
Os números vieram no mesmo dia (6 de outubro) em que, de acordo com a Secretaria de Comunicação Social (Secom), o presidente Lula conversou com Donald Trump por telefone, após meses de retórica inflamada de ambas as partes e esforços de negociadores. O presidente brasileiro teria aproveitado, de acordo com a Secom, para pedir que a Casa Branca volte atrás na aplicação da sobretaxa imposta a produtos nacionais. Ainda não há previsão de novos diálogos ou encontro presencial entre os mandatários. O telefonema ocorre semanas após aceno de Trump a Lula, durante seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. O setor agropecuário acompanha com atenção os desdobramentos dessa distensão, que pode representar, num futuro próximo, alívio tributário nas cadeias produtivas nacionais.
Com informações complementares do Ministério da Fazenda, Ministério das Relações Exteriores e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).
Fonte: SNA