Pode-se dizer que são companheiros inseparáveis. Os patógenos causadores do complexo de enfezamentos (espiroplasma, fitoplasma e vírus-da-risca), popularmente conhecidos como molicutes, precisam da cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) para se disseminar; e esta, por sua vez, obtém diversos benefícios da infecção. Ambos utilizam o milho como hospedeiro quase exclusivo, causando prejuízos severos aos produtores.

A relação entre o inseto, os patógenos e a cultura é altamente especializada: a cigarrinha se reproduz apenas em plantas de milho (embora possa se alimentar de outras gramíneas), e os três patógenos não sobrevivem em outros hospedeiros além do inseto vetor e da própria cultura. Acredita-se que essa associação tenha se iniciado no centro de origem do inseto (região central do atual México), e que D. maidis tenha se tornado a primeira praga do milho quando este foi domesticado a partir do teosinto, nessa mesma região, há cerca de nove mil anos.

 

Figura 1. Centro de origem da cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) e distribuição atual da espécie (em amarelo).  Fonte: Pozebon et al. (2022)

 Embora a domesticação e disseminação do milho seja relativamente recente do ponto de vista evolutivo, a relação íntima entre esses três organismos denota um longo processo de especialização. Outras espécies do gênero Dalbulus não toleram a infecção dos molicutes e não se tornaram pragas relevantes do milho, tampouco se disseminaram para além do seu centro de origem, demonstrando que D. maidis derivou vantagens evolutivas a partir dessa associação.

Sabe-se, por exemplo, que fêmeas de cigarrinha-do-milho infectadas com os patógenos podem voar mais longe e suportar temperaturas mais baixas, favorecendo sua sobrevivência durante a entressafra. Entretanto, a associação entre esses organismos vai ainda mais além. Os molicutes são capazes de alterar o comportamento da cigarrinha, fazendo com que prefira se alimentar e ovipositar em plantas de milho assintomáticas, ou seja, que ainda não foram inoculadas com a doença. Dessa forma, a disseminação dos patógenos é maximizada.

Da mesma forma, plantas de milho infectadas geram sinais bioquímicos que as tornam mais atrativas para indivíduos de D. maidis não infectados, favorecendo ainda mais a propagação da doença. Em geral, a cigarrinha demonstra uma preferência por plantas de milho mais jovens, outra evidência de modulação do comportamento por parte dos patógenos, já que é necessário um período de incubação dentro da planta até que a infecção se estabeleça. Também ocorre uma fase de incubação desde a aquisição dos patógenos pelo inseto até este se tornar infectivo, motivo pelo qual as ninfas de D. maidis são mais eficientes em adquirir os molicutes, e os adultos, em transmiti-los.

Figura 2. Ciclo do enfezamento do milho. As siglas se referem ao espiroplasma (CSS), causador do enfezamento pálido; fitoplasma (MBSP), causador do enfezamento vermelho; e vírus-da-risca (MRFV).  Fonte: Pozebon et al. (2022)

Cada planta de milho infectada é uma fonte de inóculo em potencial. Contudo, o intervalo de incubação para que a planta se torne infectiva é geralmente menor que o tempo necessário para a manifestação dos sintomas, permitindo uma disseminação invisível da doença antes mesmo que a sua presença seja detectada. Portanto, o manejo do inseto-vetor deve ser rigoroso e eficaz, já que a infecção em si é irremediável. O período crítico para controle de D. maidis se estende da emergência da cultura até o estágio V8, exigindo especial atenção quanto à reinfestação após as aplicações, devido ao fluxo de insetos originários de lavouras próximas.

Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.

REFERÊNCIAS

POZEBON, H. et al. CORN STUNT PATHOSYSTEM AND ITS LEAFHOPPER VECTOR IN BRAZIL. Journal of Economic Entomology, v. 115, n. 6, p. 1817-1833, 2022. Disponível em: <https://academic.oup.com/jee/article-abstract/115/6/1817/6708323>

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