Os inseticidas dos grupos dos piretroides e organofosforados estão entre os mais utilizados na cultura da soja, principalmente pelo seu baixo custo e eficiência de controle sobre diversas pragas.
Entretanto, a aplicação desses produtos ocasiona, muitas vezes, a ressurgência de populações de ácaro-rajado (Tetranychus urticae), ácaro-verde (Mononychellus planki) e ácaro-branco (Polyphagotarsonemus latus).
As razões por trás desse desequilíbrio incluem a eliminação de inimigos naturais, aumento da longevidade e estímulo à fecundidade dos ácaros. Outros ingredientes ativos, como imidacloprido, também podem estimular a fecundidade do ácaro-rajado.
Estudos indicam que a supressão de inimigos naturais tem efeito mais importante do que o estímulo à fecundidade da praga. Isso é particularmente visível em anos secos, quando a baixa umidade prejudica o desenvolvimento dos fungos benéficos que atuam no controle natural dos ácaros.
O número elevado de aplicações de fungicidas também contribui para esse cenário, suprimindo a ação tanto de fungos nocivos quanto benéficos. A frequência dos surtos em anos secos torna necessária a aplicação repetida de acaricidas, criando condições para a seleção de populações resistentes.
No caso específico do ácaro-rajado (Tetranychus urticae), o ciclo de vida curto e alta taxa reprodutiva permitem o aumento rápido das populações infestantes. Uma fêmea de ácaro-rajado pode colocar entre 100 e 300 ovos, e não necessita que ocorra fecundação para a produção de ovos viáveis.
Sob uma temperatura média de 25 °C, o ácaro-rajado pode atingir a fase adulta e a maturidade reprodutiva entre nove e dez dias. Por consequência, essa espécie pode completar até dez gerações em uma única safra agrícola.
Figura 1. Adultos de Tetranychus urticae (ácaro-rajado).
Em outros países, o ácaro-rajado tem demonstrado resistência a organofosforados, organoclorados (dicofol), organoestânicos (cihexatina), tiazolidinacarboxamida (hexithiazox), avermectinas (abamectina) e oxazolinas (etoxazol). De maneira semelhante, no Brasil já foi observada resistência para abamectina, fenpiroximato, clorfenapir e organofosforados em diversas culturas.
Em que pese o fato dos ácaros não serem insetos, e sim aracnídeos, os mecanismos de resistência são muito semelhantes: degradação do ingrediente ativo mediante ação de moléculas esterases, glutationa-S-transferases ou monoxigenases dependentes do citocromo P450, além de insensibilização do sítio de ação por alterações nos receptores-alvo.
Estudos indicam, por exemplo, que mutações em dois aminoácidos diferentes conferem resistência aos novos acaricidas inibidores do transporte de elétrons da mitocôndria, como acequinocila e fluacripirim. Portanto, recomenda-se que esses acaricidas sejam limitados a uma única aplicação por safra.
Também deve-se evitar a utilização conjunta com outros acaricidas, quando há risco de ocorrer resistência cruzada. A resistência cruzada já foi observada em T. urticae, assim como a resistência negativa: ácaros-rajados resistentes ao dicofol apresentam maior suscetibilidade ao clorpirifós, por exemplo (HATANO et al., 1992).
Figura 2. Sítio e modo de ação dos inseticidas atuantes na mitocôndria (inibidores da respiração celular). Inclui também os inseticidas clorfenapir e diafentiurom.
Considerando que as populações de pragas podem apresentar comportamentos diferentes dependendo de sua origem geográfica, os estudos de monitoramento da suscetibilidade devem ser priorizados. As falhas de controle de ácaros e outras pragas da soja têm sido cada vez mais frequentes, indicando a necessidade de atenção aos locais com relatos de ineficiência de controle e possível resistência. A conscientização dos técnicos e produtores rurais também é importante, no sentido de não utilizarem métodos de controle que aumentam os riscos de seleção de populações resistentes. As aplicações preventivas de inseticidas e acaricidas, isoladamente ou em mistura com herbicidas e fungicidas, devem ser evitadas.
Sobre o autor: Henrique Pozebon, Engenheiro Agrônomo na Prefeitura Municipal de Santa Maria, Doutorando em Agronomia pela UFSM.
Referências:
HATANO, R.; SCOTT, J. G.; DENNEHY, T. J. Enhanced activation is the mechanism of negative cross-resistance to chlorpirifos in the dicofol-IR strain of Tetranychus urticae (Acari: Tetranychidae). Journal of Economic Entomology, v. 85, p. 1088-1091, 1992.
JAMES, D.; PRICE, T. S. Fecundity in twospotted spider mite (Acari: Tetranychidae) is increased by direct and systemic exposure to imidacloprid. Journal of Economic Entomology, v. 95, p. 729-732, 2002.
SALGADO, V. L. 2013. BASF Insecticide Mode of Action Technical Training Manual. Disponível em: https://agriculture.basf.com/global/assets/en/Crop%20Protection/innovation/BASF_Insecticide_MoA_Manual_2014.pdf
SOSA-GÓMEZ, D. R.; OMOTO, C. Resistência a inseticidas e outros agentes de controle em artrópodes associados à cultura da soja. Em: HOFFMANN-CAMPO, C. B.; CORRÊA-FERREIRA, B. S.; MOSCARDI, F. (Eds.) Soja: Manejo Integrado de Insetos e outros Artrópodes-praga. Embrapa, Brasília-DF, 2012.