Por Marcelo Sá
Leniência do Executivo também preocupa
A SNA vem acompanhando, nas reportagens de seu Portal, episódios recentes em que a inovação de tribunais ao interpretar leis claras e de jurisprudência pacificada aumentam a insegurança jurídica quanto a temas sensíveis, tais como a polêmica do marco temporal para demarcação de reservas indígenas. A isso, se soma a falta de rigor na fiscalização do atual governo federal para identificar e punir invasores de terras sabidamente produtivas, causando apreensão em agricultores país afora, com conflitos entre proprietários e movimentos sociais.
Entre outros exemplos, esses casos são resultado de novos entendimentos estabelecidos sobre normas constitucionais, muitas vezes passando por cima de regras antigas de língua portuguesa. Foi o que aconteceu quando o STF ignorou o tempo verbal do artigo 231 da Constituição, que em seu texto usa a conjugação no presente para especificar quais terras podem ser reivindicadas pelos índios. O tribunal preferiu abolir a data de promulgação, 5 de outubro de 1988, como baliza para os pedidos, abrindo espaço para que áreas ocupadas séculos atrás se tornassem objeto de disputa.
A insegurança jurídica criada pelo STF levou o Congresso a aprovar nova lei, mais explícita. Foi preciso derrubar o veto do presidente Lula para fazer valer a Lei 14.701/2023, que definiu que as “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” são aquelas “habitadas e utilizadas” pelos índios para suas atividades produtivas na data da promulgação da Constituição. Outra iniciativa que buscou dar mais clareza aos preceitos legais está no PL 709/2023, aprovado pela Câmara, que impede que invasores de terras recebam benefícios e auxílios do governo federal, como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida.
Essas punições se somam às já elencadas na Lei da Reforma Agrária (Lei 8.629/1993), que excluem invasores dos programas federais de assentamento. Na prática, contudo, o governo faz vista grossa para a clareza de dispositivos legais claros e consolidados. Isso restou evidenciado quando uma fazenda da Embrapa, invadida em 2003, passou às mãos do MST no início desse ano, com festa e presença de autoridades. Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária(FPA), deputado Pedro Lupion (PP – PR), “O Judiciário tem um consórcio com o atual governo, atende ideologicamente e politicamente esse governo, e a gente tem que ficar refazendo o nosso papel para que a lei seja cumprida”.
Quanto à celeuma que ocorreu após o STF reler o artigo 231 da CF, Lupion acrescenta: “Fizeram uma chicana jurídica para conseguir essa interpretação, e o papel aceita tudo. E a gente tem a obrigação de evitar isso e deixar a lei mais literal e clara possível. Estamos realmente tendo que escrever o que já foi dito, mas de forma mais clara, mais contundente. E isso é necessário para limitar a interpretação da lei, para deixá-la o mais literal possível”. As declarações foram dadas ao jornal paranaense Gazeta do Povo.
Contraofensiva das bancadas e Estados
A necessidade de legislar novamente sobre temas que o Parlamento já votou é alimentada pela constante flexibilização das leis por parte dos magistrados, muitas vezes em decisões monocráticas que afetam sensivelmente direitos básicos do cidadão, como o de propriedade. É comum ler, nas sentenças, visões romantizadas das invasões, que condicionam punições e reintegrações de posse a tentativas de conciliação e, mesmo assim, somente em último caso. O produtor, portanto, passa a ter que provar perante o poder público quem é o errado.
Conforme o Portal SNA já publicou, esse descaso tem, por outro lado, fortalecido a bancada em defesa da agropecuária, que obtém sucessivas vitórias no Congresso e coesão de suas fileiras, em constante diálogo com representantes do setor. No tocante à contraofensiva que combate invasões, outros projetos de lei estão em análise nas casas legislativas, tais como:
– um Cadastro Nacional de Invasores;
– a tipificação do crime de invasão como de terrorismo;
– a autorização para proprietários pedirem apoio policial para retirada de invasores, mesmo sem ordem judicial;
– a elevação da pena para o crime de esbulho possessório; e
– o projeto que obriga movimentos sociais a ter CNPJ, dentre outros.
A tendência de abolir cláusulas mais genéricas como forma de prevenir malabarismos interpretativos dos tribunais vem acompanhada de esforços estaduais para arrochar as leis contra invasões de terra. No início do mês passado, o Rio Grande do Sul saiu na frente, se tronando a primeira unidade da federação com arcabouço legal próprio para lidar com a problemática. Em síntese, trata-se de uma reprodução regional das punições previstas no já mencionado PL 709/2023, aprovado pela Câmara.
O PT contestou no STF a medida, alegando que é inconstitucional que estados legislem em matéria de Direito Civil e Penal, competência da União. Mas, para além dos atritos partidários, ideológicos, e do ativismo judicial, a insegurança jurídica resultante afasta investimentos e prejudica a economia como um todo, atrasando o desenvolvimento do país. O único remédio para isso são leis mais assertivas e de aplicação indiscutível. Nesse sentido, o agronegócio novamente contribui para a solução.
Nas palavras do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao participar recentemente do congresso da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag): “É um absurdo nessa altura estarmos discutindo segurança jurídica. Não existe progresso sem ordem, como diz nossa bandeira. A partir do momento em que tem a segurança jurídica, vem o investimento”. Ele lembrou que o agronegócio de São Paulo garantiu, somente no primeiro semestre, R$ 11 bilhões de superávit na balança comercial, representando 42% da pauta de exportações do estado.
Fonte: SNA