Por José Otávio Menten, Presidente do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Eng. Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia, Pós-Doutorado em Manejo de Pragas e Biotecnologia e Professor Sênior da ESALQ/USP e Lidia Cristina J. Santos, diretora financeira do CCAS e advogada-sócia do escritório Figueiredo e Santos Sociedade de Advogados
Em um momento em que o Brasil discute de maneira eletrizante a necessidade de reaquecimento de sua economia, uma medida editada em 2019 começa a ganhar contornos operacionais na burocracia do governo. Trata-se da Lei 13.874 de 2019, que versa sobre a chamada “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (LLE)”.
Esse conceito, claramente alicerçado na Lei, isenta ou reduz de amarras burocráticas as atividades consideradas, respectivamente, de baixo risco e de risco moderado, deixando, contudo, dúvidas sobre a aplicabilidade da cláusula de aprovação tácita (prevista como um direito do administrado) para atividades classificadas como de alto risco, como ocorre, por exemplo, com vários tipos de processos e procedimentos que envolvem riscos sanitários.
A LLE inovou no ordenamento jurídico, ao trazer efeitos positivos para o silêncio da administração pública. Essa determinação foi chamada de “aprovação tácita”. A definição de “Tácito” nos dicionários é “não formalmente expresso”.
Até a publicação da LLE, já se verificavam nas atividades da Administração Pública aprovações não formalmente expressas, aplicáveis a ritos e procedimentos cuja clareza, simplicidade e estatísticas de baixo/moderado risco de externalidade negativa estivessem evidenciados.
Com efeito, todos os processos, mesmo os mais complexos, possuem etapas ou subprocessos que podem ser classificados como de baixo risco ou de risco moderado e que, via de regra, são sistematicamente e historicamente questionados pelo setor regulado quanto à sua morosidade.
Com a publicação da LLE e do seu Decreto Regulamentador houve uma alteração nesse entendimento: as atividades enquadradas no nível de risco I (baixo risco) passaram a ser expressamente dispensadas de qualquer solicitação de ato público de liberação; as atividades de nível II (risco moderado), desde que presentes os elementos necessários à instrução do processo, são passíveis de ato público de liberação imediato, sendo que a verificação dos elementos necessários à instrução do processo poderá ser feita por mecanismos tecnológicos automatizados.
Com essas medidas, o que se espera é que a administração pública possa se concentrar nos casos em que há, de fato, fundamental necessidade de uma ação de avaliação (nível III – risco alto).
Para essas hipóteses, a LLE exige que o administrado seja expressamente informado sobre o prazo máximo estipulado para análise do seu pedido. Muitas vezes esse prazo já está previsto em legislação específica, mas por numerosos fatores existentes nas engrenagens da máquina pública não é cumprido.
É importante frisar que o Decreto 10.178/2019 estabeleceu mecanismos para alteração do enquadramento do nível de risco da atividade econômica pelo administrado, que poderá demonstrar a existência de instrumentos que reduzam ou anulem o risco inerente à atividade econômica como, por exemplo, os contratos de seguro, prestação de caução ou laudos de profissionais privados credenciados, que poderão ser utilizados pela Administração Pública.
O paradoxo que surge é se, para os casos nos quais a Administração Pública deve se concentrar (risco alto), será aplicada a aprovação tácita, prevista como um direito do administrado na LLE.
Na prática o que se tem verificado é que a Administração Pública, com exceção dos órgãos que atuam com questões tributárias e ambientais de impacto significativo ao meio ambiente, tem entendido que existe compulsoriedade para a assunção de prazos para todos os processos sob sua gestão, ainda que envolvam risco elevado, como ocorre, por exemplo, com os processos e procedimentos de controles sanitários, fitossanitários ou de segurança a saúde pública.
Nesse sentido estão as recentes publicações da ANVISA (RDC 336/2020) e do Ministério da Agricultura (Portaria 43/2020 da Secretária de Defesa Agropecuária – SDA).
A RDC 336/2020 da ANVISA listou, aproximadamente 830 processos, entre cadastros, licenças, registros, credenciamentos, certificações, autorizações, habilitações e avaliações, para todas as áreas de atuação, que inclui medicamentos, cosméticos, alimentos e pesticidas, e definiu prazos para aprovação tácita desses processos que variam de 0 a 4 anos.
A Portaria 43/2020 da DAS listou 86 processos, entre cadastros, licenças, registros, credenciamentos, certificações, autorizações e habilitações para todas as áreas de sanidade animal e vegetal, e definiu os prazos para a aprovação tácita desses que variam de 0 dias a 720 dias.
Para aqueles que já trabalham com os processos da ANVISA e da Secretaria de Defesa Agropecuária fica implícito o entendimento de que os prazos que figuram com 0 dias são aqueles já automatizados pelo órgão em sistemas eletrônicos, que parametrizam as petições e entregam de maneira automática a concessão ao interessado. Nesses casos, há uma aprovação automática, tratando-se de processos que provavelmente serão caracterizados no nível de risco II.
Para os demais casos, há um panorama nebuloso em relação aos prazos que foram estabelecidos e às próprias atividades listadas como passíveis de aprovação tácita.
No que se refere aos prazos, presume-se que foram estabelecidos de acordo com a prática já vivenciada pelos técnicos ao longo dos anos. O problema é que muitos desses prazos são superiores aos fixados em legislação específica, representando, a bem da verdade, o prazo “da prática”, mas destoante com o previsto na lei específica como necessário à prática do ato.
Quanto às atividades listadas, boa parte destas na RDC 336 da ANVISA e na Portaria 43 da DAS, dizem respeito à credenciamentos, habilitações e licenças de serviços ou produtos que impactam diretamente o risco sanitário ou fitossanitário do país. Algumas dessas atividades, embora emanadas dos órgãos de saúde e agricultura, podem causar reflexos ambientais, os quais devem ser mensurados para fins de liberação.
Essas atividades estão previstas em legislações específicas, que, em sua grande maioria, estabelecem de forma exaustiva os ritos e procedimentos que devem ser adotados para a concessão das licenças, com a segurança e transparência necessárias.
Dessa forma, sem adentrar no mérito da legalidade ou constitucionalidade do instituto da aprovação tácita e dos prazos estabelecidos para as atividades sanitárias de risco elevado, mas buscando resolver esse aparente conflito de normas, entendemos que para cada um dos processos indicados na RDC 336 e Portaria 46 deverá ser aplicada a intenção do legislador de desbloquear as amarras burocráticas do Estado para os processos de baixo risco e de risco moderado, já que existem, sim, processos ou procedimentos que são objeto de liberação pelo MAPA, ANVISA e IBAMA nessas condições.
Para essas atividades de risco elevado, a aplicação da LLE deve ser tratada como engenharia administrativa, um exercício diuturno de revisitar processos, possibilitando que a Administração Pública se debruce sobre o que é realmente essencial e necessário, para evoluir na regulação e no processamento dos pedidos.
O Licenciamento 4.0 representa uma inovação que deve ser adotada para afastar a burocracia, mas que não deveria autorizar a liberação de atividades de risco elevado por mero decurso de prazo. O objetivo deve ser o de achar o equilíbrio, garantindo a previsibilidade e o cumprimento dos prazos para os administrados, sem prejuízo de uma avaliação rigorosa e científica, que confira a segurança necessária para nortear esses processos.
Sobre o CCAS
O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo-SP, com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.
O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.
Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos concretos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.
A agricultura, apesar da sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas, não condizentes com a realidade. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça. Mais informações no website: http://agriculturasustentavel.org.br/. Acompanhe também o CCAS no Facebook: http://www.facebook.com/agriculturasustentavel.
Fonte: CCAS