Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Produtores europeus alegam concorrência desleal e outros fatores
Na semana passada, tanto o Parlamento quanto o Conselho Europeu decidiram endurecer mecanismos de importação de produtos agrícolas oriundos de países do Mercosul. A nova regra permite que o bloco mude regimes tarifários sobre determinadas compras que sejam entendidas como prejudiciais aos produtores do continente.
A votação dessas salvaguardas representou uma mudança da proposta que já havia sido aprovada pela Comissão Europeia. Para produtos sensíveis (a exemplo de carnes, queijos, milho, etanol e frutas cítricas, entre outros), uma queda de preços de 8% por produto, associada a um aumento de 8% nos volumes de importação preferencial numa média de três anos (ou a uma redução de 8% nos preços de importação) será, em regra, considerada motivo suficiente para iniciar uma investigação.
A Comissão Europeia, braço executivo da UE, e o Conselho Europeu haviam apresentado uma proposta pela qual um gatilho seria acionado para abrir investigação visando barrar surtos de importações agrícolas vindas do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai quando houvesse uma alta de 10%. O Parlamento Europeu endureceu a proposta, reduzindo esse gatilho para 5%. No final do último dia 18, chegou-se a um consenso na casa dos 8%.
O efeito imediato da decisão foi o adiamento da assinatura do Acordo de Livre Comércio entre os blocos, que estava prevista para acontecer durante o último final de semana, quando o Mercosul realizou sua anual reunião de cúpula, na cidade paranaense de Foz do Iguaçu. As novas regras limitam o potencial aumento de remessas do agronegócio brasileiro para a Europa, mas podem ajudar a suavizar a resistência de países como França, Polônia, Hungria e Itália.
A ausência de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, na cúpula em Foz do Iguaçu foi consequência desse lobby, mas entidades dos dois lados acreditam que um desfecho positivo está próximo. Basta que alguns ajustes sejam feitos, com o apoio de países favoráveis ao pacto, como Portugal e Espanha. A assinatura poderia finalmente ocorrer já em janeiro de 2026.
Isso não amenizou a frustração de autoridades, produtores e representantes do setor agropecuário brasileiro, já que as tratativas com os europeus remontam a 1999, ainda na presidência de Fernando Henrique Cardoso. Os esforços diplomáticos, comerciais e políticos esbarram, há décadas, no protecionismo do velho continente, que vem renovando seus obstáculos à parceria sob diversos pretextos, sempre refutados. Alegam desde suspeitas sanitárias a preocupação com desmatamento de áreas cultivadas no Brasil. Em 2024, Danone e Carrefour deram declarações nesse sentido e tiveram que se retratar após a forte repercussão.
Negociações esbarram em lobby de certos países
O Portal SNA acompanha de perto essa longa negociação e já abordou em matérias, entrevistas e artigos a verdadeira razão que leva os europeus a não desejarem o acordo. Os gêneros alimentícios brasileiros e dos parceiros do Mercosul costumam ser mais baratos e de melhor qualidade, devido à pujança produtiva, rigor sanitário e confiança de centenas de compradores mundo afora.
Num ano de instabilidade tarifária e sobressaltos geopolíticos, europeus se viram pressionados em meio ao embate entre China e Estados Unidos, conjuntura na qual o Brasil vem se saindo melhor que o esperado. Assim, restam poucas opções para líderes locais que enfrentam protestos de seus agricultores, nada propensos a adotar rígidas regras de sustentabilidade que seus colegas brasileiros já cumprem.
Cabe lembrar que, no ano passado, para marcar o fim da fase de negociações, houve a assinatura prévia dos envolvidos, ficando pendente a aprovação pelos parlamentos locais. Mesmo com o recuo estratégico dos europeus, o novo acordo envolve números impressionantes: um aumento do Produto Interno Bruto (PIB) de até 15 bilhões de euros na UE, com as empresas europeias tendo acesso privilegiado (tarifa menor e outras vantagens) no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai comparado a concorrentes chineses, americanos e outros. Caso entre em vigor, será o maior acordo comercial do mundo, envolvendo 722 milhões de habitantes e US$ 22 trilhões de PIB.
Para o Mercosul, os ganhos seriam de aumento do PIB de até 11,4 bilhões de euros (R$ 72,6 bilhões), mesmo com um comércio administrado na parte agrícola, ou seja, cotas (volumes quantitativos com tarifa menor). Os dados são da Comissão Europeia.
Em manifestação após o adiamento, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ressaltou que o texto, alinhavado em 2019 e incrementado com novos capítulos antes da assinatura prévia em 2024, é equilibrado, mas as medidas unilaterais aprovadas pelos europeus colocam em xeque os resultados pretendidos pelo tratado.
“As duas partes, quando fecharam o texto em 2019, assumiram que acordo estava equilibrado. O receio é ver uma realidade desequilibrada por causa de medidas unilaterais. Temos que aguardar tanto o lado europeu, para saber o que eles querem e o que virá a mais, quanto o lado brasileiro, de como vai responder a isso” disse Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA ao jornal Valor.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, criticou as salvaguardas mais rígidas contra produtos agrícolas do Mercosul aprovadas pela União Europeia, que podem impactar os negócios no âmbito do acordo de livre comércio entre os dois blocos. “Esse acordo é muito mais benéfico à comunidade europeia do que ao próprio Mercosul e ainda assim, naquilo que somos mais competitivos, querem colocar salvaguarda“, afirmou a jornalistas.
Fonte: SNA




