João Guilherme Sabino Ometto*

A invasão da Rússia à Ucrania, além dos horrores de uma guerra, perdas de numerosas e preciosas vidas e imensos danos políticos e econômicos, enfatizou a dependência externa do Brasil quanto aos fertilizantes agrícolas minerais, pois importamos 85% do total consumido. Enquanto as duas nações do Leste da Europa, incluídas entre os maiores fornecedores globais desses adubos, digladiam-se, os produtores rurais de nosso país lutam para manter sua posição global do setor, garantir as culturas de alimentos e commodities do campo, gerar empregos e contribuir para o crescimento nacional, como se verificou no resultado do PIB no primeiro trimestre deste ano, quando a agropecuária teve expansão de 21,6%.

Penso que não deveriam ser necessários um conflito bélico e uma pandemia, que também prejudicou as importações, devido às dificuldades logísticas enfrentadas nos últimos três anos, para que o Brasil entendesse e previsse a necessidade de prover insumos de modo sustentado para a atividade que tem sido a âncora de sua economia. Porém, mais importante do que lamentar o passado é corrigir os rumos e equívocos para garantir o futuro. Assim, é fundamental o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), instituído em 2021, projeto referencial para o fomento da produção nacional e planejamento do abastecimento até 2050.

No enfrentamento do problema, uma alternativa relevante é referente aos adubos organominerais e orgânicos sólidos, produzidos principalmente pela compostagem de esgotos e efluentes industriais e agropecuários. No entanto, os primeiros representam apenas 5% do total utilizado pelo agronegócio nacional e os segundos, 1,6%, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias em Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo). Esses bioinsumos são um processo perfeito de economia circular, pois resíduos que seriam passivos ambientais e/ou engrossariam o volume destinado aos aterros sanitários retornam ao ciclo econômico. Por isso, seria interessante incrementar sua produção.

Por outro lado, somos líderes mundiais no conjunto de todos os bioinsumos, em especial nos defensivos contra pragas. Segundo o levantamento mais recente da Kinetec, empresa global de dados sobre esses produtos, cerca de 130 empresas do setor no País movimentaram R$ 1,7 bilhão na safra 2020/2021. Estamos em linha com uma irreversível tendência. A Fortune Business Insights aponta que o mercado global de bioprodutos, incluindo biopesticidas, biofertilizantes e bioestimulantes (micro-organismos, enzimas e extratos), foi estimado em US$ 11,67 bilhões em 2022, devendo quase triplicar até 2029, alcançando US$ 29,31 bilhões. Esses produtos também são congruentes com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os princípios da governança ambiental, social e corporativa (ESG).

Para melhor entendimento do leitor, os bioinsumos, para efeito didático, são divididos em cinco grupos: agentes biológicos de controle – organismos vivos utilizados para combater pragas de maneira natural; bioestimulantes – substâncias naturais para impulsionar a germinação e o crescimento das culturas; biofertilizantes – compostos animais, vegetais ou microbióticos que impulsionam a produtividade; condicionadores de ambientes, que melhoram a atividade microbiológica no solo e áreas de produção de alimentos; e inoculantes biológicos – micro-organismos utilizados para impulsionar a fixação biológica de nitrogênio e outros elementos necessários ao desenvolvimento das plantas.

A utilização segura dos bioinsumos em nosso país é subsidiada por três recomendações da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), referência científica mundial para a agropecuária: permitir a multiplicação apenas de microrganismos que constem das listas oficiais do Ministério da Agricultura e Pecuária; cadastrar os produtores nessa pasta; e manter um responsável técnico habilitado para a produção. Vale registrar as tecnologias desenvolvidas pelo Instituto Biológico de São Paulo (IB), crescentemente empregadas no agronegócio. As cepas criadas para pastagem, cana, citros, seringueira, morango, banana e flores economizam centenas de milhões anuais, além de benefícios ao meio ambiente, por evitarem produtos químicos.

Considerando o porte, nível elevado de desenvolvimento e relevância mundial do agronegócio brasileiro, temos plenas condições – e a responsabilidade – de ser referência global também nos bioinsumos. Nesse sentido, é importante a votação no Senado e sanção presidencial do Projeto de Lei 658/2021, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, que simplifica o registro de produtos desenvolvidos e utilizados dentro das próprias fazendas. Estabelecimentos agropecuários, cooperativas, associações e empresas comunitárias rurais ficam autorizados a produzi-los para uso próprio.

O empenho para o fomento dos bioinsumos é muito importante, pois os resultados são positivos, como se observa no controle biológico de pragas em grandes plantações de cana-de-açúcar em nosso país: no caso dos nematoides, vermes que atacam as raízes das plantas, a substituição de defensivos químicos é de 100%; no que diz respeito à broca-da-cana (Diatraea saccharalis), 85%; cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata), 92%; e Sphenophorus levis, besouro conhecido como bicudo-da-cana, 55%. Ainda é preciso avançar no que diz respeito à Hyponeuma taltula (broca peluda), cupim, formigas cortadeiras e Migdolus fryanus, outra espécie de besouro encontrada em canaviais.

Além do aspecto ecológico, há economia financeira com o uso de defensivos naturais. O principal produto químico contra a broca-da-cana tem custo total, incluindo aplicação aérea, de R$ 144,00 por hectare. O controle com a liberação de duas espécies de vespas (Cotesia flavipes e Trichogramma galloi), por meio de drones, custa R$ 65,00. Para o combate à cigarrinha-das-raízes e ao bicudo-da-cana, têm sido utilizados dois tipos de fungos. Os agentes biológicos contra os nematoides são dois micro-organismos (Bacillus subtilis e Bacillus licheniformis).

Com o avanço na área de bioinsumos, a agropecuária brasileira, referência em produtividade e preservação de vastas matas nativas e mananciais dentro das propriedades rurais, caminha para se consolidar, em todas as frentes, como a grande protagonista global da sustentabilidade no campo. O êxito nessa jornada só depende de nós.

*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).



 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.