A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei dos “combustíveis do futuro”, que cria programas nacionais de diesel verde, de combustível sustentável para aviação e de biometano, além de aumentar a mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel, respectivamente. A proposta será enviada ao Senado.
O texto aprovado nesta quarta-feira (13) é um substitutivo do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) para o Projeto de Lei 528/20, do ex-deputado Jerônimo Goergen, tomando como base o PL 4516/23, do Poder Executivo.
A partir da publicação da proposta como lei, a nova margem de mistura de etanol à gasolina passará de 22% a 27%, podendo chegar a 35%. Atualmente, a mistura pode chegar a 27,5%, sendo, no mínimo, de 18% de etanol.
Quanto ao biodiesel, misturado ao diesel de origem fóssil no percentual de 14% desde março deste ano, a partir de 2025 será acrescentado 1 ponto percentual de mistura anualmente até atingir 20% em março de 2030, segundo metas propostas no texto.
Entretanto, a adição deve considerar o volume total, e caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) avaliar a viabilidade das metas de aumento da mistura, reduzir ou aumentar a mistura de biodiesel em até 2 pontos percentuais. A partir de 2031, o conselho poderá elevar a mistura, que deverá ficar entre 13% e 25%.
Um regulamento definirá metodologia para a adoção de um sistema de rastreamento dos combustíveis do ciclo diesel em todos os elos da cadeia produtiva a fim de assegurar a qualidade.
Adição voluntária de biodiesel
A adição voluntária de biodiesel em percentual superior ao fixado será permitida para determinados usuários listados no projeto, devendo isso ser informado à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP):
- transporte público;
- transporte ferroviário;
- navegação interior e marítima;
- frotas cativas;
- equipamentos e veículos usados em extração mineral;
- na geração de energia elétrica; e
- tratores e maquinários usados na agricultura.
Outra novidade em relação à matriz energética atual é que a ANP terá poder de regulação e fiscalização sobre os combustíveis sintéticos e a estocagem geológica de gás carbônico, assim como contratar a atividade.
O projeto também autoriza a Petrobras a atuar nas atividades de movimentação e estocagem de gás carbônico, de transição energética e de economia de baixo carbono.
Diesel verde
Quanto ao Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV), também pensado para incentivar a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso desse biocombustível, o CNPE fixará, a cada ano, até 2037, a quantidade mínima, em volume, de diesel verde a ser adicionado ao diesel de origem fóssil.
Esse adicional deverá ser, no mínimo, de 3% por volume e levará em conta a comercialização em todo o território nacional.
Para definir esse volume mínimo, o conselho deverá analisar as condições de oferta de diesel verde, incluídas a disponibilidade de matéria-prima, a capacidade e a localização da produção; o impacto da participação mínima obrigatória no preço ao consumidor final; e a competitividade nos mercados internacionais do diesel verde produzido no Brasil.
Como a mistura, em termos de volume, deve ser alcançada nacionalmente, a ANP definirá os percentuais de adição para cada estado e Distrito Federal, podendo ser diferentes conforme diretrizes como a otimização logística na distribuição e no uso do diesel verde e a adoção de mecanismos baseados em mercado.
Frequentemente, o diesel verde é confundido com o biodiesel, que também é um combustível limpo, mas com propriedades distintas. Enquanto o biodiesel é um combustível derivado de biomassa, obtido a partir da reação de óleos ou gorduras com um álcool, o diesel verde é definido pela ANP como biocombustível de hidrocarbonetos parafínicos produzido a partir de quatro rotas tecnológicas, como hidrotratamento de óleo vegetal e animal ou pela fermentação do caldo de cana-de-açúcar.
Segundo Jardim, os biocombustíveis vão criar uma cadeia formidável de investimento para diferentes setores da economia brasileira. “São um passaporte para o Brasil ser uma das vanguardas do mundo na nova economia, a de baixo carbono.”
Ele explicou que o projeto segue a lógica estabelecida pela Medida Provisória 1205/23, que instituiu o Programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação) para apoiar a descarbonização dos veículos brasileiros, o desenvolvimento tecnológico e a competitividade global.
Combustível de aviação
Arnaldo Jardim defendeu a adição paulatina do chamado combustível sustentável de aviação (Sustainable Aviation Fuel – SAF) no querosene da aviação. Segundo o relator, a expectativa é que o Brasil seja um exportador da bioquerosene.
“Tenho muito entusiasmo, não só pela questão ambiental, mas pela oportunidade de sermos exportadores. O Brasil não só suprirá, mas poderá ser uma grande plataforma de produção do BioQAV [Combustível Sustentável de Aviação]”, declarou.
Jardim ressaltou que essa mudança não impactará em grande medida o aumento do preço das passagens aéreas.
Biometano
Jardim lembrou que o biometano seguirá o caminho do etanol e da energia solar e terá preço competitivo. “Aquilo que é virtuosidade do etanol, a força do biodiesel daqui a pouco será o biometano. Vamos ampliar a produção, ter ganho de escala”, afirmou.
Ele lembrou que, na Conferência do Clima das Nações Unidas em Glasgow, Escócia (COP26), em 2022, houve um pacto mundial para reduzir a produção de metano, gás com maior impacto ambiental que o carbônico. “Diminuir isso significa criar o biometano, ser fonte descarbonizadora, agregadora de valor”, defendeu.
Segundo ele, o metano brasileiro vem principalmente de lixões, aterros e do setor de proteína animal.
Debate em Plenário
Vários deputados subiram à tribuna para defender a aprovação da proposta citando a transição energética, a proteção ambiental e a descarbonização da economia. Houve parlamentares, porém, que viram com receio as mudanças.
Segundo o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), o texto é resultado de negociação de líderes partidários com o governo e significa uma grande conquista para o País. “Dá sinais positivos para o mundo e o Brasil de que este Congresso e o presidente Lula trabalham fortemente para a transição energética e para pensarmos medidas de descarbonização da economia brasileira e de consolidação da economia verde”, afirmou.
O deputado Hugo Leal (PSD-RJ) disse, no entanto, que a ampliação da quantidade de biodiesel poderá ser um “lobo em pele de cordeiro” e prejudicar o transporte de mercadorias no País. “O biodiesel deixa borras, resíduos que comprometem a atividade do caminhão. Temos de ter cuidado. Um projeto que pode ser interessante, com apelo, pode causar impacto no dia a dia das pessoas.”
Segundo o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), o risco de agressão aos motores pelo biodiesel não é embasado em laudos técnicos. “Não causa nenhum problema nos motores, de acordo com laudo técnico da Scania [fabricante de caminhões]. Esta é uma política socialmente justa, ambientalmente louvável, é sequestro de carbono”, disse.
Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), o projeto gerará inflação ao aumentar preços de combustíveis sob a bandeira de proteger o meio ambiente. “Não podemos forçar o consumidor, a maioria pobre, a financiar o produto que voluntariamente ele não quer. Se a ideia fosse boa, ela não seria forçada.”
Já o deputado Bohn Gass (PT-RS) contestou o discurso de eventual aumento de preços. “Ouço que os preços vão subir. Mas que preço estamos pagando pela poluição que fizemos? Não há dinheiro que pague a destruição do meio ambiente”, disse.
Ele ressaltou que a proposta vai estimular uma nova indústria brasileira de biocombustíveis.
Estocagem de CO2
Deputados do Psol criticaram a captura e estocagem de gás carbônico, a partir de autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP), prevista no projeto. Segundo os parlamentares, a prática não tem obtido bons resultados onde é aplicada no mundo, com custos altos e pouca eficiência.
“O projeto pode abrir brecha para que empresas que tenham de reduzir sua produção de carbono se utilizem desse mercado para continuar poluindo, dizendo que estão capturando e estocando [CO2]”, afirmou o deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ).
O relator do projeto, deputado Arnaldo Jardim, reconheceu que o processo de estocagem de gás carbônico exige cuidados, mas esclareceu que o regulamento da ANP tratará desde a qualificação das empresas para operar na área até a garantia do monitoramento da efetividade da medida.
Rejeição
O Plenário rejeitou todos os destaques apresentados pelos partidos. Confira:
- Emenda da deputada Erika Hilton (Psol-SP) que pretendia excluir do texto o tema da captura e armazenamento de carbono;
- Destaque do PL que pretendia excluir do texto o trecho sobre adição de biodiesel ao diesel;
- Emenda do deputado Altineu Côrtes (PL-RJ) que pretendia fixar em 29,5% o limite máximo de adição de etanol à gasolina;
- Emenda do deputado Bibo Nunes (PL-RS) que pretendia condicionar a adição de biodiesel ao diesel desde que tecnicamente preservadas as características mecânicas do veículo;
- Emenda do deputado Darci de Matos (PSD-SC) que pretendia exigir do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) o exame de viabilidade técnica ao fixar mistura de biodiesel ao diesel entre os limites de 13% e 25%;
- Destaque do bloco MDB-PSD que pretendia permitir o uso de biodiesel na adição ao diesel se produzido por outros meios diferentes daqueles dedicados a essa finalidade;
- Emenda do deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA) que pretendia autorizar a concessão de subvenção econômica, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no financiamento ao processo produtivo de biogás e biometano.
Fonte: Agência Câmara de Notícias