Inseticidas são ferramentas essenciais na proteção de culturas agrícolas, inclusive da soja. Os ingredientes ativos disponíveis atualmente são classificados pelo Comitê de Ação contra Resistência a Inseticidas (IRAC) em cerca de 30 grupos diferentes, cada qual apresentando um modo de ação distinto. Hoje falaremos sobre dois grupos de inseticidas que atuam no crescimento e desenvolvimento dos insetos: as diacilhidrazinas e a ciromazina, pertencentes ao Grupo 18 (agonistas dos receptores de ecdisteroides) e ao Grupo 17 (disruptores da ecdise de dípteros), respectivamente.
No sétimo artigo dessa série, vimos como o crescimento e desenvolvimento dos insetos é marcado por períodos de muda (ecdise), regulados por dois hormônios: o ecdisteróide 20-hidroxiecdisônio (hormônio da ecdise ou ecdisônio) e o hormônio juvenil. Altas concentrações de hormônio juvenil mantém as características imaturas no inseto, enquanto pulsos de hormônio da ecdise são responsáveis por iniciar o processo de muda. Quando ambos os hormônios estão presentes, o inseto troca para uma nova fase imatura; quando apenas o hormônio da ecdise está ativo, o inseto troca para sua fase adulta (metamorfose). A Figura 1 ilustra as seis etapas típicas do processo de muda.
Figura 1. Processo de mudança de tegumento (ecdise) em insetos.
Fonte: SALGADO, V. L. (2013). Confira a imagem original clicando aqui
Os inseticidas ecdisteroides (também chamados de agonistas dos receptores de ecdisônio) imitam a ação do hormônio da ecdise, provocando uma aceleração no processo de muda e resultando em insetos deformados. Como possuem pouca penetrabilidade através da cutícula, esses compostos precisam ser ingeridos pelo inseto para desencadear sua ação de controle. Os ecdisteroides apresentam ação relativamente rápida em comparação a outros reguladores de crescimento, causando interrupção da alimentação do inseto dentro de 3 a 14 horas após a ingestão. Esse sintoma é uma conseqüência fisiológica normal da ativação dos receptores de ecdisônio, permitindo a limpeza do sistema digestivo do inseto em preparação para a muda.
Ainda semelhantemente a uma muda normal, a cutícula velha separa-se da epiderme e a síntese da nova cutícula inicia-se. A diferença é que, no processo natural de ecdise, ocorre apenas um rápido pulso de ativação nos receptores de ecdisônio, enquanto na ação do inseticida estes permanecem repetidamente ativados, levando a um ciclo de muda prematura e letal. O inseto produz uma nova, porém mal formada cutícula por baixo da antiga, e os seus aparatos bucais não adquirem a rigidez necessária para quebrar a cutícula velha ao final da muda e libertar-se, levando o inseto à morte por inanição e desidratação.
Esta classe de inseticidas tem como representante único o grupo das diacilhidrazinas, que inclui os ingredientes ativos cromafenozide, halofenozide, metoxifenozide e tebufenozide. Assim como as benzoilureias, as diacilhidrazinas são altamente eficientes no controle de larvas de lepidópteros (lagartas). Tebufenozide, por exemplo, introduzido em 1995 pela Dow, age especificamente sobre lepidópteros, assim como seu sucessor metoxifenozide, que apresenta ação mais ampla em doses 3 a 4 vezes menores que o tebufenozide. Já o halofenozide, descoberto em 1998, apresenta efeito sobre larvas de coleópteros do solo (corós), além do tradicional controle de lagartas.
A resistência às diacilhidrazinas já foi identificada em várias espécies de lepidópteros, principalmente por metabolização oxidativa do ingrediente ativo; casos de resistência por alteração do sítio de ação ainda não foram reportados. Por serem altamente seletivas, afetando apenas lepidópteros e algumas espécies de coleópteros, as diacilhidrazinas são consideradas ambientalmente seguras: apresentam toxicidade nula para mamíferos e outros vertebrados, e muito baixa para invertebrados não-alvo, como abelhas e insetos benéficos.
Assim como os inseticidas do Grupo 18 controlam especificamente lepidópteros, o Grupo 17 afeta apenas as larvas de dípteros: mosquitos, mosca-das-frutas e quaisquer outras moscas “verdadeiras”. A mosca-branca, apesar do nome, não é uma mosca verdadeira e sim um hemíptero (sugador) da mesma família das cigarrinhas, e, portanto, não é controlada por esse grupo de inseticidas. O ingrediente ativo ciromazina é o único representante do Grupo 17, sendo amplamente utilizado no controle de larvas minadoras em culturas olerícolas e ornamentais. É aplicado em pulverizações foliares e apresenta ampla ação sistêmica, translocando-se no interior das plantas de forma translaminar (de uma superfície vegetal à outra) e acropetal (da base para o ápice).
Aparentemente, a ciromazina afeta o balanço hormonal das larvas de dípteros durante o processo de muda, mas o seu mecanismo exato de ação permanece desconhecido. Há relatos de resistência em moscas domésticas e larvas minadoras, mas esta não ocorre por alteração do sítio de ação. O ingrediente ativo é praticamente não-tóxico para mamíferos, aves e outros organismos não-alvo, além de não apresentar potencial para lixiviação e bio-acumulação.
Portanto, as diacilhidrazinas e a ciromazina são ferramentas altamente seletivas e ambientalmente seguras para o controle de lepidópteros e dípteros, respectivamente. Para um melhor posicionamento desses produtos, consulte sempre um engenheiro agrônomo. Na próxima semana, entenderemos o funcionamento de outro importante grupo de inseticidas reguladores de crescimento: os derivados de ácido tetrônico e tetrâmico, que inclui ingredientes ativos relativamente recentes, como o espiromesifeno.
A reprodução desse texto, ou partes dele, deve ser precedida de autorização dos autores e acompanhada de citação da seguinte fonte: POZEBON, H.; ARNEMANN, J. A. Como funcionam os inseticidas ecdisteroides? Portal Mais Soja. 2021. Disponível online.
Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM
REFERÊNCIAS:
SALGADO, V. L. 2013. BASF Insecticide Mode of Action Technical Training Manual. Disponível em:https://agriculture.basf.com/global/assets/en/Crop%20Protection/innovation/BASF_Insecticide_MoA_Manual_2014.pdf
IRAC. 2018. Mode of Action Classification Scheme.
Disponível em: https://www.irac-online.org/documents/moa-structures-poster-english/?ext=pdf